quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"Mais do mesmo... vindo dos mesmos..."


Num artigo do "Público" de hoje, vem o embaixador de Israel em Portugal afirmar, a dado passo, expressamente o seguinte---e cito: "A doença do anti-semitismo está à nossa volta e tem vindo a aumentar nos últimos anos".

E acrescenta, logo a seguir: "A deslegitimação de Isreal é a sua moderna expressão".

Ora, há um equívoco, no mínimo, potencial muito grave nesta formulação que confunde, perigosa e a meu ver, nada inocentemente, anti-semitismo e oposição de ordem política ou, "simplesmente", ética e humanitária ao modo como o estado de Isreal gere topicamente a sua acção no Médio Oriente.

O crime e a brutalidade militar sistemáticos [sistémicos!] e até tristemente 'estratégicos' e contínuos são, com efeito, para qualquer indivíduo minimamente bem-formado e defensor de valores universais de humanismo, argumentos mais do que suficientes para pôr, muito claramente, em causa os fundamentos éticos e de natureza especificamente humana sobre os quais assenta um estado nacional que, muito mais do que um país, se tornou já, hoje um verdadeiro reduto fortificado e um veículo militarmente poderosíssimo de expansão cega e a qualquer custo [os famigerados "colonatos" basteriam para atestá-lo] assim como de opressão---senão mesmo de tendencial exermínio---de todas as formas de vida, designadamente humana, em seu redor.

Isto, esta justíssima indignação e esta escandalizada repulsa perante um comportamento brutalmente expansionista e implacavelmente opressor dos povos em volta levanta, queiram-no ou não aqueles que com ele se mostram concordes, graves problemas de legitimidade que, mesmo admitindo que comecem por ser "apenas" de ordem moral, humanitária, civilizacional e ética e não especificamente política, acabam, inevitavelmente, por repercutir e, de modo muito sério e seriamente penalizador, no domínio específico do político.

Enquanto apoiante assumido e confesso---orgulhoso, mesmo---deste posicionamento de firme e incondicional repulsa e/ou activa rejeição relativamente às políticas expansionistas e brutalmente militaristas; aos comportamentos profundamente desumanos e, sob muitos aspectos, demonstravelmente incivilizados [in-civilizados] do estado de Israel, não tenho alternativa a considerar extremamente infeliz porque, no mínimo, objectivamente mistificadora a confusão que se pretende ver estabelecida entre anti-semitismo e isso que, mais do que um qualquer direito que, ainda que legítimo, se pode exercer ou não, configura um verdadeiro dever e um imperativo genuíno de consciência, impossível de não ser sentido por qualquer indivíduo minimamente consciente, responsável e civilizado, independentemente das suas ideias políticas, da sua raça ou da sua nacionalidade.

Choca-me muito sinceramente que um jornal que, mesmo quando dele muitas vezes discordo, hasbitualmente respeito pela dignidade com que, em geral, trata os diversos tópicos da realidade contemporânea se preste a servir de veículo dócil e acrítico para o que, de facto, não ultrapassa o plano da mera propaganda e do simples marketing político, em claro desrespeito por milhares de seres humanos---todo um povo, de facto---sem voz que, se a tivesse, nos daria seguramente conta daquilo que falta ao marketing e à simples propaganda---o reverso, bem mais negro e arrepiante, de todos os marketings e de qualquer propaganda.

2 comentários:

Dylan disse...

Com todo o respeito, não concordo nada com a sua opinião. Não se pode inocentar os palestinianos e diabolizar a todo o custo Israel. Este, tem todo o direito de existir como País e, se existem excessos, são dos dois lados. Irrita-me esta constante vitimização palestiniana para com quem nunca reconhecerá o Estado de Israel, para com que se acha muito corajoso fazer-se explodir no meio de mulheres e crianças...

Carlos Machado Acabado disse...

Amigo Dylan:
Eu percebo perfeitamente o seu ponto de vista e partilho, de resto, na essência, dele.
Eu tão pouco aprecio especialmente as visões primariamente maniqueias da realidade, seja ela histórica, política ou de qualquer outro tipo.
Mas se ler o que escrevi com atenção, verificará que eu não me coloco na posição simplista de, directa ou indirectamente, mitificar um dos lados, no caso da "questão palestiniana" para 'diabolizar' de forma inversamente proporcional o outro, digamos assim.
No caso concreto do texto que escrevi, aquilo que eu pretendi muito claramente relevar é a natureza violentamente expansionista do estado de Israel e, sobretudo, a brutalidade absolutamente inadmisssível da sua "política" pelestiniana, a qual, como é sabido [e a fotografia que recolhi da Net expressa tragicamente bem] passa pela inqualificável aniquilação física sistemática de opositores [quando não de simples cidadãos anónimos] convertida em [confessa] política de estado.
Ora, se a política dos colonatos representa, na prática, a expansão do modelo de relacionamento por neo-apartheid que é algo de absolutamente intolerável, o assassínio puro e simples convertido em prática... "política" regular não pode deixar de despertar a mais escandalizada indignação, independentemente dos males que possam provir do outro lado e que, a existirem, não deixam de sê-lo [tal como não devem deixar de suscitar o nosso repúdio] pelo facto de condenarmos aqueles que intitulando-se nação democrática e civilizada recorrem ao tipo de comportamento contra o qual o meu texto se insurge.
Não se trata, pois, de inocentar "selectivamente" quem quer que seja e, ao mesmo tempo, de diabolizar de modo não menos selectivo e discriminatório "os outros".
Aí reside, aliás, a diferença [tantas vezes oportunisticamente mistificada, de resto] entre justa revolta humanista e preconceito ou, no caso vertente, o tão apregoado e mais-do-que-suposto "anti-semitismo" dos que à selvajaria dizem frontal e incondicionalmente "Não!", venha ela de onde vier.
Trata-se, pois, de repudiar políticas [não estados nem povos: políticas] que são em si mesmas inadmissíveis e bestiais [inadmissíveis PORQUE bestiais] e impróprias de um estado minimamente civilizado.
Lamento se dei a ideia de estar a fazer outra coisa que não isto.
Era, porém, isto e apenas isto que eu pretendia [e pretendo] dizer.
Um abraço e volte sempre que lhe apetecer!
É do diálogo franco que nascem o esclarecimento e a tolerância.

Carlos