Acho que era Godard quem dizia que há filmes perfeitos e filmes que se podem amar...
Pois----mas atrevo-me a acrescentar eu: e há Rohmer.
Que é como quem diz: há filmes perfeitos que se podem amar---como "Ma Nuit Chez Maud".
Há filmes que são belos e simultaneamente inteligentes---de um "inteligência que embriaga e emociona"--- sensíveis sem, em momento algum deixarem de ser prodigiosamente lúcidos e "assustadoramente" esclarecidos.
"Pascalianos", como se diz no próprio filme.
Se eu tivesse de nomear um único filme que pudesse ser visto como um retrato ou um ícone definitivo da consciência crítica do nosso tempo, não teria muitas dúvidas em escolher... dois: "Playtime" de Tati para [vou dizer assim e julgo que me perceberão] me embriegar e "Ma Nuit Chez Maude", logo a seguir, para curar a... "ressaca".
Está neles, com efeito, tudo o que o "nosso" tempo tem de aterradoramente desesperado e terminalmente vazio.
Os modos de converter isso em ficcção, num "discurso ficcional" estável e orgânico, é que são [felizmente!] bem distintos: felizmente porque podem assim funcionar como dois olhares admiravelmente complementares mas, sobretudo, dialécticos [ou, vistos a partir de hoje, solidamente dialectizáveis] sobre o real.
Tati escolheu a via da ópera---mas amputou-a completamente das palavras [que sempre foram, em meu entender, sonoridades que se ignoram; "objectos primária e intrinsecamente sonoros" ainda demasiado imperfeitos para atingirem a pureza absoluta das coisas verdadeiramente essenciais] aproximando-se assim da essência mesma da própria Música que é, como é sdabido, desafiar continuamente os limites da capacidade humana para "conhecer" em tempo real e sem ter de recorrer à mediação importuna e sempre suspeita, sempre disfuncional, de uma qualquer "inteligência" ou "razão" exteriores aos próprios objectos.
"Colando" com uma sensibilidade única [que Wagner---num projecto teórico com algumas semelhanças de propósito global---visível e muito... "germanicamente", não teve] géneros narrativos mas de modo a captar-lhes o que neles existe de mais específico e de insitamente nuclear---"nuclear" num sentido, aliás, muito próprio e implacavelmente demolidor de que a acepção falsamente fria, objectualmente Física, do termo não andará, ao menos na concepção genérica, muito longe...
Já Rohmer é o homem que destrói---mas organizadamente, com método e uma estratégia, lançando sempre pontes para a "esperança educada" e "verdadeiramente inteligente" que é, a meu ver, o limite próprio dos "cépticos com um desígnio, um plano, uma geometria"---com "uma ordem".
Não conheço muitos filmes ou livros, com efeito, onde a inquietação se tenha tão natural e tão... matematicamente tornado narrativa---se tenha tão facilmente convertido numa arquitectura completa e quase gelada sem deixar, porém, de possuir células e nervos e ser um organismo vivo pulsando de forma obstinada mas também prodigiosamente airosa e incessante.
Não conheço muitos livros ou filmes que tenham sabido tão bem captar [e reconstituir] a "elegância pura arquetípica da dúvida"; a "sobriedade"---a "temperança" e a "frugalidade" essenciais, intelectualmente arrebatadoras da incerteza e até de um muitos "kirkegaardianos" subtilíssimo "temor" e "tremor".
[Na imagem: Françoise Fabien e Jean-Louis Trintignant num fotograma de "Ma Nuit Chez Maud"]
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