quarta-feira, 13 de janeiro de 2010

"Dúvidas, Perguntas Sem Resposta, Angústias, Reflexões..."


Não gosto de impérios: passei a maior parte a minha juventude a adiar a vida para pagar---de mais de uma maneira, aliás---os custos de um.

Andei a lavar soalhos e a conduzir eléctricos por cidades---foi uma, pronto, mas para mim foi... uma a mais---cujas ruas nem conhecia antes para caminhar quanto mais para percorrer ao "volante" de uma coisa imensa com várias toneladas e magotes de gente dentro cujos olhares sobre mim variavam regularmente entre o abertamente hostil, o humilhantemente protector e o condescendentemente paternalista.

Era uma cidade sem mar, daquelas onde, como diz a minha Amiga "Ezul", do "Fluir da Terra", nem sequer há um rio onde possamos ocasionalmente construir a ficção da presença redentora de um amigo---e de uma referência, para mim como para ela, essenciais---que é mar.

Veio o 25 de Abril, o tal império caíu de podre e eu [e muitos como eu] conseguimos, então, respirar um pouco, finalmente [imaginávamos nós...] libertos desse ónus imenso e injusto que é ter de custear a avidez junta à megalomania de terceiros, com as nossas próprias esperanças de vida e expectativas de futuro---quando não com a própria vida!---um império que não desejávamos e com o qual nenhum de nós sabia, verdadeiramente, o que fazer...

"Os impérios são países que incharam", achava e acho eu.

Sempre achei.

Sempre vi, com efeito, os impérios como aqueles fragmentos de madeira que, imersos longo tempo na água acabam por perder definitivamente natureza, forma e dimensões reconhecíveis.

Dimensões reconhecíveis que, no caso dos países, se expressam em coesão: nessa coisa fluída, gasosa e, em larga medida, impalpável [mas sentida ou sensível, se minimamente existente] que é a identidade colectiva.

Descubro, agora, cada dia um pouco mais, que, enquanto eu por breves instantes me distraí, nas minhas costas, um novo império ia sendo progressivamente construído em meu redor---e que [horror dos horroes!] como num pesadelo eu estou lá dentro!

Chama-se "Europa" o novo império.

Todos os dias, descubro sobre ele [e, por via dele, sobre mim próprio...] coisas novas: gente de que eu nunca tinha ouvido falar antes jura hoje, a pés juntos, que me representa; outra que eu nem sonhava que existisse fala em meu nome e outra ainda que eu gostaria que nunca tivesse sequer existido vai paulatinamente desenha, na sombra, a forma do destino que hei-de ter.

É horrível quando se olha para o futuro e se vê lá inteirinho, com pequeníssimas e, por isso mesmo, irrelevantes, diferenças, o próprio passado.

Não temos hoje uma guerra?

Pois... temos várias.

Ainda mais distantes e, também, ainda menos facilmente entendíveis.

Mais onerosas e com expectativas de triunfo final mais débeis e mais remotas, ainda.

"Ganhar a guerra" no Afeganistão, por exemplo, significa concretamente o quê?

Traduz-se, ou melhor: mede-se, por que circunstâncias concretas, particulares, específicas?

Pela ocupação militar do país?
Pela designação de um governo pária, fraudulento e "cipaio", como o de Karzai?
Pela federalização material objectiva do país, em cidades [que se vão podendo, apesar de tudo, "bon gré, mal gré", controlar militarmente] e o resto do país onde não é possível estender o poder, armado ou por armar, de uns muito falados "aliados" e dos seus agentes internos?
E a "vitória" em causa reflecte-se, já agora, de que modo nas vidas de cada um de nós, em concreto?

Vem ajudar a reduzir as taxas de desemprego orgânico, sistémico que assolam a... "metrópole" "europeia" e dependem intrinsecamente do próprio modo de funcionamento 'normal' do sistema ?...

Vem ela necessariamente melhorar o direito de cada um de nós à Saúde, agilizar e efectivamente democratizar a Justiça, racionalizar os paradigmas da Educação pública no interior de cada país, designadamente do nosso?

São um pressuposto intrínseco e necessário disso?

Alguém pode honestamente afirmá-lo, asssegurá-lo, garanti-lo?

Temos outra guerra [acho que ninguém tem a certeza sobre se será a mesma ou outra mas enfim...] no Paquistão que parece constituir, no mínimo, o report táctico e estratégico das "operações" a oeste, no Afeganistão, dependendo a sua agudização, ao que tudo leva a supor, do própria possibilidade de alguma pacificação no território do vizinho.

Temos uma terceira [já "velha" essa!] no Médio Oriente para a qual os mobilizados não são já nem os nossos soldados nem os nossos polícias mas os nossos sentimentos, a nossa dignidade comocontinente e como cultura, o respeito que a nós próprios devemos como seres humanos e como civilização de resto, sistematicamente postos em causa, una e outros, pela escandalosa cumplicidade tácita com uma potência ocupante brutal e criminosa que, com a ajuda precisamente do nosso culposo silêncio colectivo, reconstruíu, ponto-por-ponto, um regime de abjecta segregação que julgávamos há muito definitivamente erradicado de um mundo que ele infecta e contamina com as suas práticas selváticas, na mais completa e esacndalosa impunidade.

Temos genericamente uma Constituição que a esmagadora maioria de nós não votou e que os que a votaram tiveram, após longo e inimaginavelmente indecoroso assédio/inteferência, de voltar a fazê-lo tantas vezes quantas as necessárias para que o cansaço vencesse a própria vontade e acabassem por aceitar aquilo que já tinha conseguido ser imposto a todos os outros e que apenas faltava impingir aos primeiros.

Temos políticos e candidatos a sê-lo como [Durão Barroso e Blair] que carregam às costas a responsabilidade de uma guerra sangrenta e interminável para onde arrastaram diversas nações do mundo com mentiras que deveriam levá-los à imputabilidade imediata e consequente remoção da cena política nacional e internacional.
Temos, em suma, uma espécie de "meta-governo" [em grande medida] "sombra" [e, por isso... sombrio] que se insinua lentamente nas instituições democraticamente eleitas de cada país independente [?] tentando, de forma camuflada---quando não abertamente invasiva, como no "caso" do tal famigerado "Tratado" dito "de Lisboa"]---sobrepopr-se e impor-se àquelas numa paródia grotesca e preocupante de democracia desenhada "por wencomenda" dos grandes interesses geo-económicos e geo-políticos transnacionais para quem a tal "Europa" está a ser cirurgicamente desenhada---e posta em prática.

Que mundo é este em que vivemos---em que viemos como continente e como grande tradição cultural comum desembocar---depois de termos sangrado o que todos sabemos [sabem-o bem a geração e o país a que pertenço!] para conseguir superar o historicamente trágico crepúsculo dos totalitarismos dos anos '20 e '30 do século passado e, em seguida, o doloroso fim do pan-colonialismo "clássico" que tantas e tantas vidas custaram a uma Europa [sem aspas] que aparentemente nada aprendeu com a sua própria História e com o seu próprio passado?

Eram precisamente deste tipo as perguntas que a nós mesmos fazíamos há trinta e cinco/quarenta anos e para as quais julgávamos ter já achado as respostas...?

[Na imagem: "Vox Clamans...", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]

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