quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

"«Al Olmo Seco» de António Machado"


Era por aqui que a minha modestíssima [sempre caracteristicamente caótica e assumidamente impressionista!] "antologia pessoal" deveria ter começado: por este sublime "Al Olmo Seco" de Machado.

Uma vez, fiz, de uma assentada todo o percurso de Sevilha a Colliure onde o Poeta está sepultado, passando por essa árida mas, para mim, íntima Soria do próprio Machado com o único propósito de reconstituir uma espécie de trajecto interior machadiano que ficou como uma das coisas mais belas, vibrantes e inesquecíveis que alguma vez, fiz na vida.

Em Soria, descobri quase por acaso [de facto, completamente ao acaso na minha costumeira errática e excitada romaria em busca de alfarrabistas que, juntamente com o liceu local, era ponto de partida obrigatório em cada cidade ou vila visitada, fosse ela qual fosse, para a respectiva 'descoberta'] um livreiro que tinha 'postais de Machado' mandados fazer especialmente por ele, esteticamente muito imperfeitos e quase pueris, mas [que é o que importa!] obviamente sentidos---e acabámos por subir juntos até ao local onde um cura anónimo, machadiano ou 'machadista militante' como nós---contou-me ele---havia mandado, em data hoje completamente irreconstituível, talvez a seguir à guerra civil, [re] plantar um velho ulmeiro em homenagem àquele Machado íntimo e comum que, como o poema lembra, ressurgira ou renascera de umas «cinzas íntimas» que não haviam, porém---é o poema ainda quem no-lo revela!---logrado dilacerá-lo nem, em caso algum, vencê-lo; esse Machado secreto e exemplar que nos havia unido a todos numa espécie de laço invisível, transmaterial e imensamente misterioso, capaz de ultrapassar as barreiras e limitações do Tempo e fazia de todos nós---mesmo do velho cura anónimo há muito desaparecido---companheiros [mais do que companheiros: cúmplices] de uma aventura interior única que sabia impor à Morte as suas próprias leis e unir o Tempo todo numa espécie de intemporal e inconsútil celebração da Beleza ideal que é aquela que resulta da errância, material ou íntima e interior, vivida sempre positivamente, como uma aprendizagem ou uma iniciação minuciosas e fecundas---que é como quem diz: da obsessiva, estóica, heróica, definitiva, contínua superação da Dor em Conhecimento e em Consciência.

Da transmutação alquímica daquela numa Beleza, final, permanente literalmente completa: obsessiva e absolutamente perfeita, numa palavra...

AL OLMO SECO

Al olmo viejo,
hendido por el rayo
y en su mitad podrido,
con las lluvias de abril y el sol de mayo,
algunas hojas verde le han salido.
¡El olmo centenario en la colina
que lame el Duero!
Un musgo amarillento
le mancha la corteza blanquecina
al tronco carcomido y polvoriento.
No será,
cual los alamos cantores
que guardan el camino y la ribera,
habitado de pardos ruiseñores.
Ejército de hormigas en hilera
va trepando por él,
y en sus entrañas
unden sus telas grises las arañas.

Antes que te derribe,
olmo del Duero,
con su hacha el leñador,
y el carpintero te convierta
en melena de campana,
lanza de carro o yugo de carreta;
antes que, rojo en el hogar, mañana
ardas, de alguna misera caseta
al borde de un camino;
antes que te descuaje un torbellino
y tronche el soplo de las sierras blancas;
antes que el río hacia la mar te empuje,
por valles y barrancas,
olmo, quiero anotar en mi cartera
la gracia de tu rama verdecida.

Mi corazón espera
también hacia la luz y hacia la vida,
otro milagro de la primavera.


António Machado

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