terça-feira, 29 de junho de 2010

segunda-feira, 28 de junho de 2010

Papageno-Papagena Duet

Mozart: a divindade artística absoluta!...

"Em Defesa de uma Ecologia do Pensar Linguístico---algumas notas"


Diz-me a minha formação académica nessa área e diz-mo a experiência que adquiri observando e ensinando que uma língua é basicamente um sistema e/ou um organismo em si, antes de ser qualquer outra coisa: de facto, ela possui uma ecologia própria e opera essencialmente como um mecanismo que reage consigo próprio de um modo [e segundo uma lógica muito própria, muito específica]; segundo, como diria Kant, uma "razão" muito própria, muito particular, que se "explica", em última análise, pelo modo como a língua ecoa sistemicamente o meio exterior e que, nesse mesmo modo, muito concretamente se fundamenta enquanto 'coisa' ou 'objecto'.

A lógica e o próprio sentido da língua A, B ou C [de qualquer língua, de facto] vêm-lhe dessa capacidade própria para ajustar-se continuamente ao mundo exterior e integrar cada um desses mesmos contínuos ajustes em si, re-formando-se e, muitas vezes, reinventando-se continuamente a partir deles e da necessidade de a eles proceder.
De Saussure disse-o: uma língua não possui qualquer espécie de lógica imanente própria: não é um objecto natural enquanto conteúdo de si própria.
Sê-lo-á [objecto natural] enquanto---e apenas enquanto!---atributo biológico e filogénico da espécie mas, repito, apenas nesse sentido e nessa medida.
O sentido chega à língua como o "significado" ou a "significação" para a "vida" chega à consciência: como uma construção estritamente cultural, "regional" e até pessoal.

Não há significado fora da experiência [e até da experimentação] linguísticas.
O que Ferdinand de Saussure propõe é o "existencialismo linguístico", uma espécie de translação coperniciana nos modos tradicionais de concebver a linguicidade aplicada ao uso da fala humana.

Nesse sentido, o que em termos genéricos se seguiu a de Saussure foi o ateísmo linguístico a que pretendem opor-se os revisionistas ou neo-metafísicos da linguística de que o famigerado "Acordo Ortográfico" opera como uma manifestação avulsa, gratuita, inorgânica e completamente absurda.

A essência da língua [como, em boa verdade tudo à nossa volta] consiste em mutar-se interna ou sistemicamente reagindo com o meio.
Isto não quer obviamente dizer que as línguas não possuam uma essência e uma identidade mais ou menos sistemicamente estabilizadas: quer dizer que tentar aprisionar de uma forma que transcende, de modo completamente desfuncional, a experiência ou a experieciação linguísticas é algo que não possui em si mesmo qualquer sentido linguístico.

Uma língua não se constrói por decreto: quando muito des-constrói-se e des-funciona-se desse modo.
Uma língua constrói-se na relação directa conm o meio geográfico, cultural, etc.
A única bitola correcta de evolucionalidade linguística é essa, situa-se aí: na relação dela com o meio e no modo ou modos como ela expressa sistemicamente essa relação, esse "rapport" directo verdadeiramente determinante e fundamental com o respectivo "chão epistemológico".
Aquilo que o "Acordo" pretende é legislar sobre a própria respiração natural da língua que é esse rapport com a geografia e com a cultura, impondo-lhe "leis" que vêm "à antiga", de fora do universo ou da ecologia naturais da língua.
É regressar ao essencialismo linguístico e à visão da língua como uma "liturgia" ou uma "metafísica do pensar", "torcendo-a" a partir da sua própria personalidade epistemológica a fim de poder caber" num conceito autoritário prévio, completamente dis- e des-funcional, in/essencialmente anti-científico, de idiomaticidade.

É esta concebida como se a História não existisse e a Cultura não passasse de mera ficção e acessório im/puramente insubstantivo e no fundo gratuito das sociedades humanas.


[Imagem extraída com a devida vénia de dubroom-dot-org]

sexta-feira, 25 de junho de 2010

segunda-feira, 21 de junho de 2010

"As Of Now It Is..."

... intermission time!
So long, folks!

Serge Reggiani - Le déserteur (Boris Vian)

"Aujourd' hui..."


... tout d' un coup, je me sens un déserteur!

Un déserteur definitif, absolu, total!...

[Imagem extraída de deserteur-dot-com]

"There inevitably comes a time...


...when even a stupid despicable windbag nitwit like this Palin woman and we have to agree: face- or expression-wise, at least, I mean...

Gee! If I had to describe exactly how I feel in this particular moment using a picture---any picture!---this is definitely the one I would pick!

You know what I mean: there are times in life when "dark black" becomes a fact of life!...

"I&D, chamal' a gente..."


À cambada de pirosos, pequenos [e grandes!] delinquentes legais e chicos-espertos de toda a espécie que se apoderaram por completo do poder local entre nós, proponho que, depois daquela boçalidade sem nome que foi o campónio "Allgarve" [eu propunha em honra de todos eles, simplesmente... "Alarve" mas enfim!] e para aproveitar a popularidade e o espírito intelectual e culturalmente minimalista simbolizado nas tenebrosas vuvuzelas, a cidade minhota de Vizela, a fim de atrair o turismo, seja rebaptizada de... "Vuvizela".

E já agora, inpirando-se na lição de Porter envolvendo a criação de clusters por áreas de negócio e aproveitando, ao mesmo tempo, o excelente "exemplo" madeirense no campo do turismo sexual por que não mudar, por exemplo, o nome das Caldas da Rainha para "Baldas da Rainha" [ou, até---por que não?---Calças da Rainha: se forem calcinhas de renda, serve perfeitamente para o efeito...] e o de Angra do Heroísmo [visto até que de heroísmo já resta muito pouco aos portugueses de hoje, esgotado que foi todo em gramar o inglês do Sócrates e perceber os discursos do Cavaco...] para Angra do Erotismo.

E há mais: o Porto, por exemplo, podia ficar "Porno" e Lisboa---sei lá! Por que não: "Lis boa como o milho"?]
Olhem: eu que sou livreiro fiz isso com o "A Queda de um Anjo" do Camilo [risquei o "d" de "Queda" e escrevi por cima um "c" e fiz o mesmo com o "c" de Camilo que substituí por um "m"...] e aquilo foi um ver-se-te-avias de gente a querer comprar o livro!

Fiz algumas 12 edições até ser preso...

Razão tem o Sr. Presidente da República:

Estamos mal? Pois estamos porque não apostamos na nossa tradicional criatividade...

"Vuvuzelámos, De Vez, Como País!..."


Creio [e temo!] que Portugal tenha finalmente descoberto o símbolo ideal para a nação: a tenebrosa vuvuzela.

Que melhor símbolo, com efeito, para um país sem ideias [substituiu-as há muito por Sócrates sortidos com alguns Cavacos acabadinhos de chegar à História vindos de um país longínquo chamado Barriguinha Cheia e Mediocridade Política, pelo meio---e outros equívocos e calamidades semelhantes] sem partidos políticos ou incapaz de perceber onde estão os verdadeiros partidos políticos e demasiado incompetente para re/inventá-los [os que há estão, há muito, como se sabe, escondidos de propósito debaixo de uma pilha de jornais sem eira nem beira por cima dos quais alguém pôs ainda um aparelho de televisão para ter a certeza de que não podem voar as ideias que, de resto, nenhum, deles contem]; sem opinião pública e, portanto, sem possibilidade de pôr, já nem digo em causa mais ao menos em equação a verdadeira "disaster area" em que se tornou a nossa existência colectiva toda ela decorada a Josés Lellos e toda a espécie de Barrosos como nos programas da Fátima Lopes; demasiado bronco e excessivamente analfabeto para confundir Santana Lopes com um primeiro ministro e uma trama bem urdida com uma licenciatura em engenharia?...


País Júlia Pinheiro ou cenário de telenovela TVI, País Pope [Pope, poeta inglês, o Pope epigramático que escreveu: "I'm his majesty's dog at Kew/Pray, tell me, sir: whose dog are you?"]; País equívoco ou País sacristia com a conformação por única forma de inteligência da realidade e as peregrinações a Fátima como a coisa mais parecida com um projecto de futuro que lhe foi possível escogitar; País de uma nota só, país sem margens, país de assoprar, país cuja voz colectiva soa cada vez mais a traque ou a arroto com bronquite; País ideal da vuvuzelice crónica, cívica, mental e política---que melhor símbolo para ele que este instrumento de tortura grosseiro, boçal e monocórdico que um espertalhão qualquer se lembrou de inventar para tornar o que já era uma chatice sem nome para os olhos num sofrimento indescritível agora também para os ouvidos e, sobretudo, para a inteligência!...

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Portugal?

Buuuuuuuuuuuuuuuuh!


[Imagem extraída com a devida vénia de mistupid-dot-com]

"Saramago: A Morte como Acto de Cultura e Inteligência"


Foi a enterrar José Saramago cujo derradeiro acto in corporis terá sido o de a sua morte ter constituído [como em muitos momentos, o fora, de igual modo, a própria vida] um acto de lucidez e de inteligência---de clarividência, mesmo.

O funeral [a que por deliberação pessoal não estive presente---falarei, talvez disso, noutro lado e noutro momento] permitiu, com efeito, que viessem à luz, isto é, que se manifestassem e se contrapusessem mesmo [talvez---na melhor das hipóteses---dialecticamente] dois ou três dos vários Portugais [e sub-Portugais] existentes que mais peso têm na sociedade lusa actual e que mais fortemente contribuem para que ela tenha chegado a ser o que é hoje mas, sobretudo, que ela nunca tenha logrado chegar a ser o que podia ter sido.

Falo do Portugal da [verdadeira porque independente: da verdadeira porque resistentemente independente!] Cultura; o Portugal que permanece capaz de sonhar e de comer... "pão com azeitionas e beber água do poço simples" ["donde hay vino, bebe vivo, donde no hay vino agua fresca", escreveu Machado] para poder comprar livros, ir ao Cinema, visitar museus ou fazer Teatro [vi na Estrela a Maria do Céu Guerra a representá-lo e foi um pau...] e, ao seu lado... "looking characteristically down on him", aperaltado, vestido exterior e interiormente para o "vernissage das falsas emoções e da dor levada à cena num teatro", como escrevia Natália, o Portugal-Casino do Estoril, o Portugal-saíu-me-um-cursozinho-muito-jeitoso-na-barraca-das-panelas-da-Feira-Populara-ah-e-li-uma-vez-um-livro-e-vi-uma-vez-um-filme-mas-vou-todos-os-anos-ao-Quénia-e-nunca-perco-um-estágio-da-selecção...

...E esteve, também... presente pela ausência um outro ainda, um terceiro Portugal, sombrio e cinzento, cheio de bolor e sempre em "recatado rumor externo de santidade", rumor esse que o faz, aliás, instintiva e consistentemente retrair-se perante a inteligência [teme-a! Fá-lo parecer quase humano...]; o Portugal-calhau; o Portugal com-batatas-e-grelos comidos na festa do Pontal; o "Portugal alimado" e com bandeiras [e-Scolaris] à-janela; o Portugal-Dona-Qualquer-Coisa-mãe-do-Ronaldo; o País-Fernando Mendes-rei-de-Portugal-e-dos-alarves; o Portugal-curso-industrial-ou-comercial-tirado-à-noite [cujas capitais oficiais são, como se sabe, a Veiga Beirão e o Patriarcado de Lisboa, este último um franchising e um balcão local dessa verdadeira "Internacional das sombras", "banco e F.M.I. do obscurantismo e da intolerância mais extremos" que é a "mafia metafísica e moral"---metafísica imoral?...---da grande loja vaticana, legatária universal do espírito Torquemada e suas "sanbenitettes", isto é, os padres que pregam Fátima e mijam água benta]; o Portugal-Cerejeira que catequiza com a pila e que não quer perder o lugarzinho confortável arduamente conquistado [sabe Deus à custa de que abjecções, despudoradas concessões e, em geral, vilezas sortidas e a gosto, tipo "you-name-it-we've-done-it"] na bicha-dos-santos; o Portugal que decididamente continua a preferir [e, pior ainda, a santificar!] a punheta solitária e a enrabadela discreta atrás do altar ao Amor humano, limpo e são e/ou ao "horror apocalíptico do preservatico" para já não falar da "abominação imperdoável, teologicamente insustentável", da redução das pragas e das gravidezes e maternidades e paternidades perigosamente incompetentes...

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Como era inteligente e [felizmente!] provocador, tivesse-o de antemão sabido [quer dizer: saber, ele que não era parvo, estava fartinho de sabê-lo, claro!---Mas se tivesse podido confirmá-lo in corporis et in loco!]; como era inteligente e em geral espirituoso, dizia, Saramago, dando-se conta do tipo de patego pomposo e farfalhudo que esteve ostensivamente... presente faltando [ensurdecedoramente, aliás!] à "festa" teria podido exclamar: só para "os" ver assim "dar parte de fracos", estrebuchar e, de passo, testemunhar, de forma inequívoca, da sua incurável boçalidade, do seu casqueiro primarismo, da sua irregressível e campónia, militante intolerância, já começa a... "valer a pena" ter morrido!...

Valer, valer, nunca vale, claro; agora que apetece "como tudo", pensá-lo e dizê-lo, ai lá isso!...


[Imagem extraída com a devida vénia de crgpaes-dot-files-dot-wordpress]

sexta-feira, 18 de junho de 2010

"In Memorian de Álvaro Cunhal"


De um dos Homens mais brilhantes e totais do nosso tempo português: Álvaro Cunhal de cuja morte se cumpre este ano já meio decénio.

Relembro-o aqui com a rendida admiração de sempre pelo Homem de fino espírito e severa distinção pessoal; pelo político coerente e vertical; pelo revolucionário convicto e intransigente; pelo artista brilhante mas sempre humilde e discreto; pelo romancista competente e socialmente generoso que foi e que a Pátria claramente não soube merecer deixando que autênticos charalatães e impenitentes vigaristas de alto coturno, como titulava em tempos um filme outrora célebre o substituíssem naquele que é, apesar disso, o estatuto que por direito---a ele como a Vasco Gonçalves, Salgueiro Maia, [às vezes...] Otelo Saraiva de Carvalho e muito poucos mais---lhe cabe: o de personificar um certo espírito generosamente militante, consistentemente interveniente e corajosamente pioneiro a que poderia com propriedade chamar-se o verdadeiro espírito do também verdadeiro Abril.

"Morreu Saramago"


Morreu José Saramago! Morreu aquele que, para mim, foi [por razões que adianto esclareço] o 'Picasso da escrita portuguesa contemporânea'.

Por uma razão qualquer que não consigo [e nunca consegui, aliás, identificar com precisão], as Artes e a Cultura em geral parecem sempre [não sei como dizer] "andar aos pares dentro delas mesmas".
Mover-se na História e na sociedade ou sociedades... aos pares.
É [será!] uma forma de "respiração cultural", de "ofegar existencial, cosmovisional e epistemológico" natural, posso, talvez, permitir-me supor.
Uma modalidade necessária e natural de dialéctica, talvez---reproduzindo num ambiente [e numa espécie de ritmo!] dual microcósmico aquela que é a forma ela própria natural da relação da Cultura, das elites cultu[r]ais, com as sociedades onde aquela é produzida---naquelas em que ainda o é e que já não são, como se sabe, infelizmente assim tantas quanto isso...
Seja como for foi sempre aos pares que me pareceu que apercebíamos, como indivíduos e até como sociedade ou sociedades, a História e mesmo, por vezes, num plano mais abstracto, metafísico ou para-metafísico, a realidade de uma forma mais ampla, mais lata.

Percebemos e auto-representamos ou auto-equacionamos talvez instintivamente, no fundo, o Romantismo, por exemplo, como a dialéctica que estabelecem [ou pode teóorica e criticamente admitir-se que estabelecem] entre si [e ambos com a cultura e o pensamento nacionais---seja lá o que for que isso signifique hoje] Herculano e Garrett.

Percebemos e auto-representamos a Poesia contemporânea portuguesa, por outro exemplo, como a dialéctica conceptual e cosmovisional que configuram e reproduzem entre si as figuras simbolicamente máximas de Eugénio de Andrade e Herberto Helder.
Para mim [que leituro muito mais do que leio...] os autores de que gosto [e alguns de que não gosto: aí está outro exemplo de... "parificação dialectiforme"...] a Poesia espanhola contemporânea é a que descreve um arco em torno da sociedade mental hispânica peninsular cujos polos são Lorca e Machado.

Ou que, no caso da pintura, representam os já referidos Picasso e Dali.
Ora, recorrendo a este simile operativo, Saramago foi o Picasso das letras portuguesas contemporâneas e como o génio de Málaga, teve o seu Dali na pessoa [e na obra] de Lobo Antunes.

Saramago foi, com efeito, o artista que veio da terra e que regressa frequentementemente [que regressa recorrente, ciclicamente] à terra para com ela dialogar.
Para agitá-la e interpelá-la.

À maneira das grandes referências cultu[r]ais dos séculos XIX e XX---os Hugos, os Zolas, osd Sartres, as Beauvoirs---Saramago não teme questionar o Político e é sempre, de um modo ou de outro, pelo Político [entra na Literatura e assegura para si e para a sua Obra um lugar definitivo nela.

Tal como Picasso, até quando questiona a Forma, Saramago é interveniente e político.
Fá-lo interpelando toda a realidade a partir dela.

Ao contrário de Dali ou Lobo Antunes [assumo aqui definitivamente, no caso do autor da "Jangada", a polaridade entre ambos num sentido que está, todavia, é preciso que isto fique bem claro e bem expresso, muito para além da questiúncula/inveja pessoal e/ou da maledicência paroquial que os instrumentaliza e menoriza a ambos!]; ao contrário, dizia, de Dali e Lobo Antunes que são sobretudo engenheiros da cor e da palavra, respectivamente: "engenheiros do próprio talento"---"engenharia textual" é o que em Lobo Antunes passa hoje naturalmente por Literatura...---Saramago é um trabalhador dessa mesma Cultura, un "jeune homme du peuple", como diria Vaillant, não "dans la Révolution" [ou não directa e, sobretudo, não primariamente "dans la Révolution"] reportando-me ao título célebre do autor de "La Loi", mas "dans les lettres", um homem-oficina que reedita o labor e a carpintaria literária e social da tradição dos activos e atentos Martin Du Gard da minha infância e adolescência, magicamente trazidos, agora, pela 'saramaguiana mão', para a minha maturidade...
O criador do "Memorial do Convento" representa, para mim, numa palavra, sobretudo, o agitador necessário das ideias---e, por fim, também, o 'Herculano dos séculos XX e XXI' ["ser Herculano", eis o que parece ser o destino trágico das pessoas de espírito e em geral verticais entre nós!...] que encontrou no Mediterrâneo espanhol o seu outonal Vale de Lobos quando percebeu que o cancro da vulgaridade e do obscurantismo se tinha tornado definitivamente numa verdadeira política de Estado e num adversário invencível porque omnipresente [a vileza é a inteligência dos medíocres]: no "Deus das moscas" que a sociedade portuguesa, de Soares a Cavaco ou de Lopes ao inominável Sócrates tragicamente adoptou para se representar.
Deixa uma Obra de que alguns gostarão e outros não.

Mas deixa, sobretudo, um lugar vazio numa arena ideológica e, em geral, intelectual e cívica, onde era já ao que tudo indica o "último [e também mais solitário e melancólico] dos justos"...


[Na imagem: Saramago por Vasco]

quinta-feira, 17 de junho de 2010

Cecilia Bartoli

Uma das coisas mais esplendorosamente líricas alguma vez concebidas e [assim] cantadas: Mozart e Bartoli reunidos num momento absolutamente sublime de Arte e paixão.

domingo, 13 de junho de 2010

"The Man Who Shot Liberty Valance"


Texto a construir

"Antes a Sorte Que Tal Morte!..."


Já não há como dizer isto sem ser repetindo até à exautão aquilo que só quem não quer é que não vê: a inépcia da tutela educacional em Portugal assume contornos e dimensões dificilmente não só toleráveis como até simplesmente imagináveis.

Depois da sequência de episódios autenticamente surreais que foram os concursos para professores [des] organizados a meias entre uma tal Maria do Carmo Seabra e uma empresa privada dos arredores de Lisboa---um momento-chave na verdadeira "disaster area" que têm sido a Educação em Portugal---foi, em seguida, a vez, de uma tal Maria de Lurdes Rodrigues de ainda pior se possível memória [a outra, pelo menos, saíu antes de poder causar maior dano ainda do a que já havia causado...---] ter deitado mãos à obra de tornar o exercício da profissão docente, a vida de milhares de alunos do ensino público e, de uma forma lata a Educação em Portugal no verdadeiro caos em que hoje ainda "alegremente" continua a vegetar.

Foi a cegada inimaginável da "avaliação" dos docentes pelos pais que era essencial e depois deixou de ser; foi a fantochada dos professores titulares; foi a impensável lotaria das promoções; foi, afinal... tudo!

Ora, quando se tornou óbvio que, nem num país amorfo, vegetal e acomodado como Portugal, era possível manter a criatura no governo durante mais tempo pensou-se que este e quem o lidera tivessem, afinal de contas, por qualquer miraculosa intervenção da divina providência, aprendido alguma coisa com a autêntica desgraça que foi a "Educação" versão-Rodrigues/Pedreira/Lemos.

Nada mais errado, porém!

Veio uma pessoa para a pasta cujas qualificações para o cargo não excedem, em última [mas real!] instância, meia dúzia de livrecos manhosos [de grande sucesso entre as adolescentes com mais buço do que aquilo que a gente sabe] publicados e um vago sainete de relações públicas de micro-empresa da construção civil que começou por insinuar que iria mudar---nunca se percebeu, aliás, muito bem o quê!---mas que, de repente, descobriu que, afinal, não ia mudar coisa alguma---designadamente nos concursos de professores---sabe-se também agora que porque... seria muito complicado e muito demorado mudar...

Não se mudam as injustiças inevitáveis [prevêem-se, segundo a imprensa, milhares de casos de ultrapassagens a trouxe-mouxe resultantes do método grosso modo inspirado nas rifas das barracas-das-panelas da extinta Feira Popular introduzido pelo génio pedagógico de Lurdes Rodrigues na processologia da avaliação com reflexo directo nos concursos e na progressão na carreira]; não se mudam, dizia, não se revêem, não se corrigem, as injustiças inevitáveis daquela rebaldaria toda que foram os inomináveis métodos e padrões de "avaliação Rodrigues" por serem exactamente uma rebaldaria e uma pouca-vergonha técnica e administrativa de alcance e proporções incomensuráveis.

Não se nega, aliás, ao que parece, que o sejam.

Mas não se podem, ainda assim, mudar e evitar porque... levava muito tempo!

É esse o "argumento" do Ministério.

Um "argumento" perfeitamente ao seu nível, aliás!

Está mal?

Estará mas levava tanto tempo a mudar!...

Isto cabe na cabeça de alguém?

Já alguém, em seu juízo perfeito, imaginou um polícia ou um juíz de instrução alegarem publicamente que, se calhar um determinado suspeito ou réu até nem é culpado mas... "dava tanto trabalho investigar"?!

Ou um médico discorrer: "Se calhar o senhor Fulano até nem está morto mas... e a trabalheira que era para ir averiguar!..."

É caso para perguntar: Mas isto está tudo maluco ou quê??!!...

Oh! Sorte!...

[Imagem extraída com a devida vénia de forum-dot-myspace-dot-com]

"Inteligência, Esclarecimento e Rigor? Não, Obrigado! Estamos em Portugal, Não?!..."


Não leio usualmente o "Correio da Manhã".

Não o faço desde que percebi que tinha entrado, algures aí atrás, no século XXI e descobri, ao mesmo tempo, que ele, pelos vistos, ainda não.

Hoje, todavia, calhou trazê-lo para casa: vinha agarrado a um filme que adquiri e só já em casa dei por isso.

Folheei-o, pois.

Sabia mais ou menos ao que ia por isso nem me incomodei muito com o desfile de medievalismo e miséria humana sobre os quais assenta, afinal, a chamada "democracia" em Portugal fielmente retratada na publicação em causa: às vezes, dá mesmo jeito, como diria o meu tio Wilfred, "to go paper slumming" para reencontrar a confrangedora e brutal realidade portuguesa, sempre convenientemente por contextualizar, por enquadrar económica, social e politicamente e sempre tão hábil quanto pudicamente escondida nas discursatas sibilinas do Dr. Cavaco [anda por ali muito Cantinflas, ham?!...] nos delírios retóricos e pseudo-políticos do tal Sócrates [qual será dos quatro irmãos Marx o que lhe escreve aquilo?...] e, neste caso, nos artigos caracteristicamente... "gore" do tal "Correio".

Bom, mas voltando a este, que foi o que aqui me trouxe hoje: na última [era bom, não era?...] página da coisa de hoje, descubro um texto de um engraçado de serviço, talvez o "cómico residente" do jornal, um tal Pereira Coutinho que, dissertando sobre a "questão" da Educação Sexual nas escolas portuguesas, escreve, a dado passo, investindo irado contra Eduardo de Sá que terá algures afirmado que a "questão" em causa não se põe, de facto e que "a educação sexual nas escolas é algo que não merece discussão": "aqui temos o pluralismo e a abertura de diálogo que define os especialistas na matéria".

Eu não sei se Eduardo de Sá é especialista na "matéria".

Aqui entre nós que ninguém nos ouve, eu até nem se Eduardo Sá é especialista em alguma coisa.

Melhor: eu nem sequer sei "o que é um Eduardo Sá".

Agora, o que eu, como professor, pergunto é: mas a que raio de "debate" se estará o tal Coutinho a referir e que "diálogo" pode ele ter em mente?

"Debate" sobre quê e/ou com quem?

Com ele, Coutinho?

Com os outros Coutos e Coutinhos todos que por aí possa haver e que, porque leram uma vez um número das Selecções onde se ensinava a mudar fraldas a adolescentes "malcriados de carreira" ou porque costumam "ouver" as homilias piedosas da D. Fátima Lopes, especialista em "tudologia televisiva", já se julgam habilitados a discutir o que quer que seja que diga respeito a uma coisa de que, afinal, "toda a gente" sabe falar que é a Educação?

Oh! Dr. Coutinho: ouvidos para quê?

Para lhe pedir licença para Educar?

Para o senhor lhes dizer como fazê-lo?

Por amor de Deus, homem!

Fala o senhor de "distribuir pénis de esferovite" e "vaginas de contraplacado" pelo... "rebanho" [sic] "com o simpático propósito de ensinar 'afectos".

Que grande confusão vai nessa cabeça, criatura!...

Quem é que lhe disse que a Educação sexual é sobre afectos?

É que se lhe disseram, disseram mal.

A Educação Sexual é um saber como outro qualquer, homem.

Quando lhe ensinaram Filosofia, por exemplo, Kant ou Hegel disseram-lhe que o senhor havia de ser kantiano ou hegeliano?

Se lha ensinaram como deve ser, transmitiram-lhe, com certeza, as linhas básicas do pensamento de Kant e Hegel [ou Platão ou Leibnitz ou Descartes] e deixaram-lhe a liberdade de "usá-los" como quiser: a Educação filosófica é isso, homem!

É---como qualquer outra forma ou modalidade de Educação---o conhecimento mas é também a inalienável liberdade de usá-lo, inteligente mas sobretudo [lá está---e o pleonasmo, aqui, é perfeitamente intencional!] livremente.

Quando lhe ensinaram Inglês, uma das disciplinas que eu leccionei durante anos na desgraçada Escola pública nacional, não o obrigaram a ler o "Guardian" , o "Economist" ou... o "Times" da Cochinchina: deram-me a possibilidade de ler---de saber ler!---um ou todos eles e mais os outros que, por esse mundo fora, se publicam em inglês.

De fazer as suas própria opções de leitura.

A Educação é isso, criatura!

E é porque muita gente que não percebe o que quer que seja de Pedagogia ou de Didáctica [nem tem de perceber: por isso e para isso é que existem cursos específicos, próprios, que formam professores como outros formam médicos, advogados ou arquitectos] mas a quem [por autênticos analfabetos e cretinos de profissão e irresponsáveis de carreira...] é dada a possibilidade de perorarem publicamente ex-cathedra sobre qualquer aspecto ou pormenor dessas ciências; é por isso, dizia, que em Portugal a "questão" da Educação na sua vertente sexual permanece ainda hoje, como se estivéssemos numa espécie de Idade Média mental e/ou intelectual teimosamente residuante que por uma qualquer razão, perversa e malsã, para mal dos nossos pecados, se tivesse afeiçoado aos "nossos" ares ou à nossa comida, um estúpido tabu e um monstruoso dogma cuja teimosa ausência dos curricula escolares nada e ninguém é capaz de explicar racional e inteligentemente pela simples razão de que não tem explicação nem racional nem inteligente!

Mas tem vítimas!

Tem a persistência do SIDA, tem as gravidezes adolescentes indesejadas e que fazem, por sua vez, sempre novas vítimas nas crianças mal-acompanhadas por famílias incompetentes e desestruturadas, imperfeitamente formadas em lares que, pura e simplesmente, não têm condições para existir---e fá-las em termos, mais latos, na [des] construção de uma "sociedade mental e cultural" que se obstina em não sair daquele nível básico e absolutamente primário em matéria de cultura científica e de inteligência da realidade que define as sociedades primitivas, caracteristicamente obsecadas pelo preconceito e guiadas pelo dogma e pela superstição.

Sociedade "do conhecimento"?...

Para quê se a da agnosia ronceira e campónia; a da bolorenta "boçalidade piedosa" é tão familiar e, sobretudo, tão... maneirinha, tão querida, tão confortável?!...


[Imagem extraída com a devida vénia de merchantaccountblog-dot-com]

sábado, 12 de junho de 2010

"Evocando Muito Brevemente Graham Greene"


Na pesquisa que recentemente empreendi tendo em vista o provável próximo "renascimento" do "Cine-clube na Biblioteca" [agora com a colaboração de uma excelente amiga e competentíssima colega de profissão e sempre sob os auspícios da proficiente bibliotecária da Biblioteca Municipal de Montemor-o-Novo] estive recentemente a regravar velhos videos em DVD e a coligir notas que tencionamos utilizar, a referida colega e eu, na apresentação dos vários ciclos previstos para o novo "Cine-clube"---agora concebido de modo a articular-se mais ou menos estreitamente com um "Clube de Leitura" já existente da responsabilidade da bibliotecária, a sempre activa Dra. Elvira Barrelas.

Um desses videos atrás citados refere-se a Graham Greene que é há muito um dos meus escritores preferidos e uma das minhas referências literárias e culturais absolutas.

Trago, aqui, Greene à colação porque, revendo o documentário que o aborda, me dou conta de alguns aspectos particulares da suas personalidade que são, talvez, capazes de lançar alguma luz sobre, pelo menos, alguns pontos da sua em geral, magnífica Obra.

Um dos entrevistados no filme fala por exemplo do Greene "voyeur", do homem que, a dado passo da sua vida, frequentou ["quase compulsivamente", diz-se no filmer] prostitutas.

Porque, dizia, lhe forneciam inúmeras informações mas também porque a frequência das mesmas lhe evitava o desconforto ou a incomodidade da proximidade emocional e, sobretudo, afectiva demasiada.

Os dois aspectos encontram-se, de resto, a meu ver, admissivelmente ligados entre si, constituindo mesmo dois lados de uma mesma moeda caracteriológica e existencial estável e reconhecível.

Por ela ficamos em tese a conhecer algo do Greene que sonda continuamente o mundo em seu redor sem verdadeiramente entrar nele e se tornar parte dele.

Há uma hipotética tensão entre o querer pertencer e o recear pertencer que o episódio citado pode, em tese, ajudar a esclarecer um pouco melhor.

Greene foi um homem que, em criança, a mãe não terá rodeado das atenções que lhe teriam permitido superar as inibições de uma personalidade e de uma consciência muito jovens nos seus primeiros contactos com o mundo.

A vida escolar do autor de "The Third Man" [uma das obras-primas absolutas do século XX] contribuíu para essa condição de "outsider" que Greene sempre terá mantido até aos seus últimoa anos de vida vividos por opção na Riviera francesa [europeu em África, na América Latina, católico numa sociedade anglicana---vago?---simpatizante do marxismo e da teologia da libertação num país tradicionalmente conservador, inglês no Meio-Dia mediterrânico].

Segundo o documentário, o facto de ser filho do director da escola manteve Greene, ao longo de toda a sua vida escolar, com um estatuto de "suspeito" [de possível denunciante] que lhe retiraram a condfiança e a intimidade do universo estudantil onde terá sempre permancedido como uma espécie de "odd man out" que fez reflectir ndas inúmeras personagens de perseguidos com que o conjunto da sua obra se encontra exaustivamente preenchido.

Não, seguramente, por acaso [ou não sem consequências significativas, pelo menos] uma das grandes referências de Greene foi Conrad, outro expatriado.

Com Conrad o expatriamento foi, aliás, duplo: foi-o em termos materiais, físicos [Conrad era, como se sabe, polaco] mas foi-o, de uma forma literariamente muito relevante, em termos linguísticos porque Conrad escrevia [escreveu toda a sua obra] numa língua que teve de começar por ser toda ela exaustivamente pensada, sondada, testada, autonomamente reflectida antes de ser utilizada o que lhe permitiu manter com ela uma relação... épica profundamente racionalizada e distanciada com inevitáveis consequências no domínio da produção especificamente literária como tal.

Seria interessante saber quanto dessa perspectiva objectualmente epistemológica terá passado para ou permeado para ["may have... oozed into"] a Obra do próprio Greene...

sexta-feira, 11 de junho de 2010

Classic Hollywood Movie Bloopers - 1 of 3

O outro lado da magia...

Revelador, por vezes, comovente---mas sempre, sempre fascinante!

quinta-feira, 10 de junho de 2010

"Tem piada! Eu nem por isso!..."


Do jornal "Correio da Manhã" de retiro o título: "[em quatro dias o] INEM gastou 227 mil € com Papa" e o subtítulo "Bento XVI classificou a viagem a Portugal de «maravilhosa»".

Pode ser da minha vista mas... por que será que, por mais que eu tente, não consigo ver onde é que está a maravilha disto?...


[Imagem extraída com a devida vénia de shortdickman-dot-blogspot-dot-com]

José Afonso - Já o Tempo se Habitua

[Esta entrada é dedicada à Amiga "Ezul" pelo belo esforço de esclarecimento e militância ambiental que o seu inestimável "Fluir da Terra" infatigavelmente desenvolve com a regularidade que a vida vai permitindo]

Juntamente com "O Cavaleiro e o Anjo", definitivamente uma das minhas canções favoritas do Poeta José Afonso.

Pessoalmente, vejo-a, sobretudo [para além do evidente 'significado' político imediato] como um belíssimo hino à sabedoria e à sensatez dos ritmos naturais e à proposta de estabelecimento, por parte do Homem, de sábias [e necessariamente corajosas!] 'plataformas de homeostase' subjectivas e objectivas entre as «não-ideias naturais de "vida" e de "morte"»---conceituações, como é sabido, pura ou impuramente conscienciais que a Natureza na sua paciente caminhada sempre em direcção a si própria desconhece por inteiro, confundindo-as a ambas numa única, poderosíssima e ininterrupta corrente de dinâmicas interactivas de onde emerge ciclicamente renovada e reconsolidada.

Um dos grandes méritos do poema [uma verdadeira "cantilena" no melhor e sensorialmente mais empolgante---mais encantatório!---sentido da palavra] é precisamente, a meu ver, o de ter sabido "traduzir" esse ritmo interminável e dual original de Géia em quasi-puras sonoridades que se vão continuamente desenrolando numa sinfonia quase abstracta de matizes sonoros onde o sentido comum das palavras começa muito sabiamente por perder-se para recomeçar logo a seguir triunfante com tudo aquilo que originalmente indiciava [ou representava mesmo] contradição magicamente unido numa única corrente poética e musical onde a harmonia e a organicidade reproduzem fielmente a fisionomia [e a "fisiologia"!] uma e outra poderosamente dinâmicas da respiração original da própria Natureza, trazendo, desse modo, o político de regresso aos seus fundamentos firme e consistentemente naturais---ou estruturalmente ecológicos.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Handel - Sarabande

"Crying...

... angel.
[Imagem extraída com a devida vénia de sodahead-dot-com]

sábado, 5 de junho de 2010

"L' important..."


Que la vie n' a d' importance que pour une fleur qui danse
sur le temps...
L' important c' est la rose l' important c' est la rose crois-moi...

Gilbert Becaud - L'important c'est la rose

...crois-moi...

sexta-feira, 4 de junho de 2010

"Queres Feriado? Toma!"


A persporrência ruralmente snobe do Dr. Poluído da Mente já chateia, sinceramente!

Já não há pachorra que chegue para o Sócrates quanto mais para ter de levar ainda por cima com uma personagem daquelas a debitar regularmente, indolente e enfastiado, insolências cavernícolas disfarçadas de lugares selectos do espírito ou pérolas de estilo.

A criatura é daquelas pessoas horríveis que só estão bem quando sofrem do fígado ou lhes cai a espinhela na escrita!

Agora, descobriu que em Portugal há feriados a mais!

Ora, Portugal é um país que descobriu ele próprio recentemente esta coisa verdadeiramente espantosa que é que tem "sociedade a mais" para os ricos [e para o Estado] que tem, ou seja, chegou pela boca [e, dizem alguns, pela suspeita de cérebro] do iluminado Sócrates que um povo sai, hoje, muito caro e que, se calhar, vai ter de continuar a vender povo para se pagar a si mesmo---como, aliás, vem regularmente fazendo, desde há séculos.

Diz Poluído, citando a U.A.L. que "os portugueses perdem 22 dias de trabalho por ano".

A questão é: quais portugueses?

Porque a verdade é que há portugueses para além dos tais dos 22 dias: são os que perdem todos os 365 do ano por terem, de igual modo, antes, perdido uma coisa durante muito tempo, básica e essencial, que até o fascismo em regra providenciava, chamada emprego.

É de onde saem os tais 40% que nunca mais regressam ao mercado de trabalho de que falam os estudos e que por isso perdem não 22 mas muitos milhares ao longo da vida.

Poluído acha que graves são os 22; é uma perspectiva.

Mas num país com "pessoal a mais", que tem de despedir continuamente cidadãos, que é cada vez mais um mero "franchising" da Alemanha ou da França ou da Bélgica ou do raio que os parta a todos e a quem, como se para desgraça já não bastasse, ainda saíu recentemente um Sócrates nas rifas eleitorais, ter de gramar um Poluído da Mente a chatear-nos a cabeça por causa de mais três feriados do que a "média europeia" francamente começa a ser caso para desesperar, não?!...

quinta-feira, 3 de junho de 2010

"Rosa Coutinho 1926-2010"


Foi, queiramo-lo ou não, um "homem de Abril", atirado, de repente, com toda a força [com toda a força de uma revolução] de frente contra a História.

Inevitavelmente, correu riscos. Terá feito coisas boas e más. É fácil dizer isto hoje e julgar o homem que as fez ou deu a fazer, igualmente, hoje.

Não sou historiador nem tenho pretensões a sê-lo: sou apenas um Homem a quem a coragem dos Homens de Abril, que tiveram em muitos casos de reinventar por completo, a partir do zero, a História e mesmo partes importantes da realidade [nacionais e não só...]; pela minha parte, sou apenas, dizia, um Homem a quem a coragem desses compatriotas deixados, de repente, completamente sozinhos na História, com a História e perante ela desperta uma admiração que o tempo e os próprios erros de muitos [de todos?] eles não apagaram nem apagarão, por isso mesmo---porque só quem faz realmente coisas comete erros sendo essa, em última instância, a razão de haver tanta gente que nunca cometeu um único...
Rosa Coutinho, repito, tê-los-á cometida mas foi um dos que permaneceram "de Abril" quando se tornou incomparavelmenmte mais fácil [e mais rendoso!] ser "de outro mês qualquer" mais... rico e instalado.

Houve quem nunca lhe perdoasse mas isso aconteceu com tanta gente que até deu o melhor de si em prol dos outros que, se calhar, nem vale a pena fazer do facto um drama por aí além---sobretudo agora que tanto tempo já passou sobre os factos em causa e que muitos daqueles tais que nunca perdoaram ao "Almirante Vermelho" o modo como geriu a descolonização e amargamente dele [e deles] se queixaram são hoje os principais beneficiários da nova ordem pós-colonial contra a qual começaram, pois, por arremeter com característica acrimónia e reconhecida virulência, enquanto "valeu a pena" e foi "investimento garantido" i-lo fazendo no remanso pingue de um "exílio" qualquer de luxo, convenientemente perto de si...

Com ou sem polémicas a verdade é que, com o desaparecimento de Rosa Coutinho, foi um pouco mais longe de Abril que todos, como país [e como ideia de país!] afinal, ficámos...

"Falando Ainda de «Pós-Modernidade»..."


Muitas vezes, já aqui falei dela.

Volto a fazê-lo, hoje, de forma sintética, listando alguns aspectos seus que considero verdadeiramente determinantes:


A perda da noção de "centro crítico" [ou "criticional"] para a História e, dentro dela, para a Política.

Considero-a expressão, chamemos-lhe: 'microcósmica' de um dos "fundamentos básicos de realicidade" [de facto, do grande fundamento de todo a 'realidade'] que é a expansão associada à des-integração metarial da própria realidade.

Forçado a expandir-se, o real vai sendo sucessivamente posto perante novos estádios de uma necessidade ínsita estrutural/estruturante da própria matéria de que é constituído para conservar-se agregado e orgânico até atingir pontos críticoas de ruptura onmde se reinicia e se reintegra de forma cada vez mais inorgânica e secundária ou mesnmo, no limite, "simbólica" ["consciencial" ou "crítica", por exemplo] de si.

Como expressões objectuais ou "objectuadas" do real, a História e a Política também se vêem a dado passo separadas de um centro que, até um dado momento, a foi conservando globalmente "centrada" sobre si própria, embora [atendendo à própria natureza polipolar longo tempo assumida pela História] de forma "granular", chamemos-lhe assim.

O que chamo o Estado-consciência [expressão abstracta ou... "abstraccional"] do "Estado Nação" moderno perde progressivamente "relevância crítica" efectiva na Pós-modernidade que se organiza topicamente em rede ou redes anisotrópicas [anisotropiformes] ou granulares sendo que o que constinuamos a chamar "sociedade" ou "sociedades" são cada vez a mera soma dos vários indivíduos [já não exactamente "cidadãos"] dentro de cada sociedade.

A ideia de "Liberdade" [que, na forma que eu considero epistemologicamente ideal contém---ou configura mesmo em si própria---uma teoria da realidade aparecendo nas respectivas formulações e/ou representações teóricas mais credíveis como um "cienticização organizada do desejo"] "abre-se" perdendo-se ela própria desse centro 'de episteme' que a mantinha umbolicalmente ligada a uma "Ecologia" teoricamente necessária global do real, reaparecendo no conjunto das representações mais comuns de cultura como algo de estruturalmente absoluto que impõe as suas leis ao próprio real.

A fetichização da "liberdade" constitui, de facto, um traço essencial da Pós-modernidade e é a expressão teórica natural da perda de organicidade da própria História, vista como algo de natural [e até idealmente] assimétrico e descentral.

Na Arte, por exemplo, deixa de haver nexo dialéctico [ou, no mínimo, dialectizante] entre as vanguardas e o conjunto da sociedade.

De facto, a prazo, deixa mesmo de haver vanguardas [e uma referenciaciação reconhecível, demonstrável, do objecto estético a qualquer imagem teórica quer de si quer da realidade que para o objecto estético é, cada vez mais, apena e só, ele próprio fora de uma relação crítica com o que quer que seja fora ou dentro de]---facto que resulta, de forma natural, dessa perda de contacto entre uma identidade colectiva [geradora de representações teíoricas ou para-teóricas abstrasccionais estáveis de si] e quem a recolha e reprojecte sobre o todo mantendo-a, desse modo, possível---que era a missão histórica da vanguarda...

Em meu entender, existe uma relação directamente causal entre esta morte dos intelectuais [ou a sua própria desintegração no todo] e o modo como des/entendemos hoje a Democracia e a própria liberdade nos moldes em que atrás a vimos.

De facto, tal como estão hoje organizadas as sociedades no Ocidente, a democracia já não é consistentemente vista como algo aberto e como "o poder do povo" mas, pelo contrário e como tantas vezes tenho dito, uma mero revestimento politiforme da economia sendo o papel histórico que lhe está sistemicamente distribuído o de "argumentar" e "legitimar" politicamente as formas básicas daquela economia ou, dito de outro modo, o de conservar a História solidamente presa a si própria e... "livremente impedida" de se mover do lugar e da posição em que a economia a colocou, no século XIX.

Neste quadro infra-estrutural, compreende-se sem dificuldade que todas as formas de movimento [e o diálogo entre a sociedade e as suas vanguardas era, em termos sociais, cultu(r)ais e políticos uma das formas mais expedientes e civilizacionalmente benéficas desse movimento] tenham perdido nãso só rerlevância como "simpatia cultu[r]al dentro das sociedades.

O surrealismo, por exemplo [que operou, a meu ver como uma consciência crítica muito activa da sociedade do seu tempo deu entretanto lugar á estética de "videojogo" ou de "teledisco" onde caracteristicamente [seguindo, aliás, e levando ao limite a i/lógica de abstracticização da teórica das representações da realidade que leva de Cézane ou Gauguin a Klee e Mondrian] são as formas dos objectos que definem unilateral e autonomamente o seu sentido, extraindo-se à tarefa de diálogo com o sentido [ou com um sentido] prévios para a realidade que já pouco ou nada diz à Arte.

Efeito ainda do que, à falta de melhor designação, chamo a "dissipação realicional" ou mesmo "pan-realicional"?

Sem dúvida!

Ainda e sempre.

Se, como Spencer, eu quisesse falar---à semelhança do que o controverso pensador britânico fez para o "progresso" num título conhecido: "Do Progresso, sua Lei e sua Causa"---de "Realidade, sua lei e sua causa", eu diria: à causa, há que buscá-la no movimento dissipacional imprimido ao real desde o seu primeiro instante teórico, chamemos-lhe assim; já no que à lei se refere, a lei básica do real é a que determina que tudo o que existe [e, no fundo, também como existe] seja o resultado de modos teoricamente estáveis e, num certo sentido, tópicos de negociar a tensão constante [estruturante ou estruturacional] entre centripetação [a vocação natural da matéria para conservar-se íntegra e orgânica] e centrifugação [ou negociação da própria dissipação]

É, numa palavra, a essa dialéctica especificamente material que há que recorrer inevitavelmente sempre que se trate de procurar explicar o que, em matéria de fenomenização da dissipação ocorre [como dizer?] à superfície da realidade.

"A «nova História» e a necessidade de antecipá-la"


Aqui há uns meses arás, o meu amigo e ex-colega, o dramaturgo Armando Nascimernto Rosa, deu à estampa uma daquelas suas "educadas profanações" que tão bem caracterizam a sua abordagem da realidade e a sua intervenção cultural através do Teatro, dessa vez envolvendo a figura de António José da Silva para cuja sessão de "leitura dramatizada" no Teatro Nacional D. Maria II teve a gentileza me convidar.

No animado debate que se sucedeu à leitura feita por actores da copmpanhia, recordo-me naturalmente de ter intervindo, tomando a liberdade de sugerir ao Autor uma espécie de sequela de um suposto ciclo temático iniciado com a peça sobre "o Judeu" [onde obviamente Armando Rosa via uma metáfora da ditadura salazarista] mas dessa possível segunda vez envolvendo outras formas de opressão e de abuso de poder incompatravelmente mais subtis, difusas e, por isso, também ulteriormente perversas: as que hoje-por-hoje, é difícil não ver que prevalecem nas sociedsades ditas "livres" ou até "democráticas".

As que envolvem os usos cultu[r]ais e políticos, sempre aparentemente "livres", do poder económico e do poder político que lhe confere nas sociedades usualmente chamadas, de forma fácil e acrítica, 'democráticas' suporte instrumental e institucional.

Não tenho dúvidas de que estas formas encontradas pelo poder para se consolidar e até legitimar nos nossos dias representam uma forma infinitamente mais perversa e perigosa de opressão cultu[r]al em geral do que as comparativamente primárias e rudimentares próprias das ditaduras.

Aquilo sobre que [ao contrário destas, que o faziam suportadas apenas na compulsão abertamente assumida] assenta o poder dito "democrático" comum é na mistificação---nessa forma subtilmente perversa de extrema alienação!---que consiste em envolver, directa e mesmo pessoalmente, o oprimido na sua própria opressão, através da manipulação cuidada do aparelho democrático formal [desde logo, as eleições] associada à gestão política, meticulosa e geralmente habilíssima, de "formas significadas" de agnosia mantidas estrategicamente activas na sociedades onde ele, poder, impera.

É isso mesmo o que define, aliás, a meu ver, na in/essência a pós-modernidade cívica, política e, em geral histórica: não apenas a perda de uma espécie de "centro crítico especular" por parte da sociedade [distribuído pelo conjunto de instituições do que chamo o Estado-consciência moderno] mas o próprio cultivo deliberado da ausência [as]sistémica desse centro na forma de uma espécie de difuso Zeitgeist onde o mito de uma liberdade absoluta ocupa um lugar simbólico verdadeiramente primário e determinante.

Na verdade era essa hábil e, volto a dizer: perversíssima transferência da repressão [do ódio à mudança] da força---das forças da repressão exógena aberta e assumida---para o próprio cidadão na forma completamente alienada de "desejo" e de "opção" própria que eu incitava o meu amigo Armando Rosa a abordar e a denunciar, com o humor agudo que caracteriza o seu teatro, numa espécie de "sequel témica" da sua peça sobre António José da Silva e a repressão inquisitorial/pidesca.

Porque é esse o traço dominante e tópico das formas pós-modernas de opressão e de repressão, o suporte [pós] ideológico do projecto deliberado de inorganicização estratégica das sociedades que há-de servir de base teórica fundamentante à desarticulação do Estado Social e, de uma forma mais ampla do próprio Estado como conquista civilizacional, conducente, no limite, não tenho mkuitas dúvidas, a uma "nova História" cujos contornos são, porém, hoje ainda impossíveis de prever em muitos aspectos.

E quem quiser entrar nessa "nova História" com um mínimo de preparação para lidar com as inevitáveis [e eventualmente radicais!] mudanças que ela há-de inevitavelmente trazer não tem mais do que antecipar já hoje, na Arte [no Teatro, seguramente!] todo um conjunto de educadas especulações em redor do que a nova História pode, em tese, vir a ser.


[Na imagem: "A História É Uma Substância [muito...] Flexível", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado, da série "Colagem, Meus Bravos!" republicado de http://www.triplov.org/ ]

quarta-feira, 2 de junho de 2010

"Je voudrais bien habiter, un jour le printemps..."



Je voudrais un jour habiter le printemps
oh mon charriot des neiges épouse bleue miroir hautain
récolte des ombres paysage flâneur lueur indifférent

donne-moi ta main

firmament inachevé voûte des larmes
nuit aveuglée
qui a vu fleurir les armes

donne-moi ta main

horloge essoufflé absence verte
étoile avariée fatigue ouverte
lâcheté inutile
passé fragile
inceste inerte

donne-moi ta main

incertitude brouillé
rempart de lumière
nature en bois
auspice ou loimalheur vulgaire
donne-moi ta main?

âme partagée ou
conformité rebelle nature inepte
chasteté indocile
eau fragile
cœur ou transept

donne-moi ta main

vieille nature
ennemi ou armure
couleur si dure
oiseau ou ordure
aux haletons
flamme impure
respiration immature
soleil révolté
prisonnier
de ses positions

donne-moi ta main

cyclone coquète ou
bouche grisette
misère qui danse
poitrine berceau
oh fleur de la mort
par où le silence
pénètre aux corps

butte butin
luth trottin
mandoline ou lutin
jeunesse volatile
souffle éclairé
incertitude nubile
cœur inutile
ou vent abandonné

donne-moi ta main

arbre blanche
bras ou manche
du sang une branche
de vie souvent

..............................................................................

Oh que je voudrais bien de l' aurore agile
de ses lieux si flous
de ses endroits si mobiles
faire notre foyer
en nommer domicile
en appeler chez-nous

Oh que je voudrais bien
comme un arbre enceinte
ou un soleil fulminant
du labyrinthe du temps
avec toi partager
les printemps
[Na imagem: "La Mort d' Ondine", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]

A Violência da Ignorância e a Ignorância da Própria Violência"


Surpreendo-me [e encho-me fundada inquietação] quando mesmo o que resta das "elites mentais" nacionais se recusam a ir além de uma visão [e, na base dela, de um des/entendimento] exclusivamente fenoménico e casuístico--inorgânico---dos problemas que, como sociedade, nos afligem.

Ou melhos: que não afligem propriamente---mas que deviam, em qualquer caso, afligir; que seria , seria saudável que, pelo menos, aligissem...

Como o problema da Educação, em Portugal, hoje.

Num texto da "Visão" de 18.03.10, José Gil [um dos 'portugueses pensantes' mais reputados e hoje-por-hoje mais apreciados e citados abordando o problema da "violência da ignorância": título do artigo] atribui à "«demissão dos pais» conjugada com "a próptria violência que atrai os adolescentes" conjugadas ambas, por sua vez, com a "progressiva desagragação da autoridade dos professores" e "uma política laxista e ignorante do que é ensinar e educar, feita mais para reduzir as despesas do Estado e facilitar a vida aos pais do que para formar e transmitir connhecimento aos filhos".

Ora, sendo tudo isto verdade, é também verrdade que não configura na realidade mais do que uma espécie de inventário puramente sintomático e casuístico de evidências a que falta o respectivo motor.

A respectiva chave.

Falta [lá está!] a isto diria eu um olhar orgânico que permita perceber efectivamente a mecânica da emergência histórica, social ne política destes "sintomas".

E essa há que, como tantas vezes tenho aqui e noutros lugares repetido, há que buscá-la na questão nuclear dos usos económicos e políticos---civilizacionais, até, se quisermos assim dizer porque também é, no limite, disso que se trata: de todo um paradigma "civilizacional"; dos usos materiais, históricos e políticos, do saber.

Ora, essa "chave" há que procurá-la no fenómeno económico-político [e civilizacional, pronto!] da esquizofrenia estável e tópicab que os mecanismos característicos de re/produção de capital introduziram no conceito tradicional de conhecimento e, por natural extensão, nos modos de aceder a esse conhecimento, da Revolução Industrial para cá.

Do século XIX industrial até aos nossos dias, com efeito, o fenónemo a que designamos vulgarmente por Revolução Industrial caraqcterizou-se [qualquer aluno mediano do 11º ano o sabe] por um processo de encosing fundiário que [é essa a minha tese] não se restringiu às terras de cultivo, como geralmente se afirma.

A dado passo, com efeito, deixou de ser rentável---deixou de ser material e objectivamente possível---"continuar a produzir capital" sem levar esse processo de "enclosing" até ao domínio, daí em diante, chave do conhecimento.

Dos modos de aceder a representações directas da realidade e de transformá-las em capital.

A concorrência capitalista a isso naturalmente obrigou.

Aliás, tudo isto estava já, de algum modo bem claro, 'previsto' na Revolução Francesa que marca o início do poder e da ordem burguesas no Ocidente.

Ora, a fim de legitimar social e politicamente, esse poder, esse movimento de apropriação estável da História, que alega a burguesia?
Exactamente que tem a chave [que a classe aristocrática deixou de deter] para transformar a realidade em capital: o conhecimento.

A aristocracia tinha a terra que serviu [desigualmente e, de vários outros modos, mal mas serviu] na forma de uma economia e, em geral de uma sociedade agrária ou agrocêntrica e agrocentrada, que durante séculos bastou para alimentar a comunidade humana mas que, a dado paso, se tornou demasiado insuficiente mas, sobretudo, demasiado deficiente e disfuncional para cumprir esse objectivo.

A dado momento da sua História, com efeito, a História "encalhou em si própria e bloqueou" pela sua economia---pelos modelos de economia utilizados e pela incapacidade da classe dominante até então redistribuir com um mínimo de justiça os produtos obtidos e a propriedade onde o eram, i.e. a História "fechou" [foi levada a "fechar"] por uma ideia de economização do real que confiava basicamente na estabilidade e na "generosidade" da natureza [e na força militar da classe dominante para gerir os mecanismos de distribuição da riqueza a partir dela produzida].

É então que uma nova classe emerge com o poder que lhe confere o conhecimento dos modos de obter ulteriormente riqueza[s] a partir da transformação da realidade em "valor" na forma de uma tecnologia para onde todo o saber essencial passou a ser daí em diante canalizado e concentrado.

A nova classe justificava a apropriação política da História que a Revolução Francesa lhe permitiu justamente com a propriedade daqueles meios de transformar o real em "valor", meios esses que incluiam, aliás, dizia-se também, a possibilidade de produzir mais barato e, por conseguinte, em tese, pelo menos, de acessibilizar [e até de "democratizar" ulteriormente] a riqueza produzida.

Não apenas produzir mais e melhor: produzir mais barato, também, através, por exemplo, da inclusão nas componentes da produção do que Marx chamava o capital constante: as máquinas.

A própria dinâmica concorrencial indissociável do novo paradigma de «economicização da realidade» [e, num plano mais abstracto, da História] acabou por fazer com que o conhecimento se tornasse, a prazo, ele próprio, numa matéria-prima básica de capital ou, se assim se preferir dizer, num proto-capital que, em certas condições particulares, se transformava naturalmente em capital tout court.

É por isso, aliás, que o novo sistema se chamou "capitalismo": porque a partir de dado momento, a única coisa que ele produz realmente é capital.

Ele não produz já nem de facto nem de direito, riqueza social: produz porque reproduz continuamente capital.

Os objectos que dele são gerados podem ser ser entendidos como um mero subproduto inerte do "fabrico de capital".

Seja como for, o que interessa aqui perceber, neste momento, é como opera, como se integra, o saber na sociedade capitalista: como uma propriedade que não pode ser democratizada sem que todo o sistema deixe automaticamente de ser possível: porque o novo paradigma de produção implica na base um outro tipo de produção indispensável: a de "escassez possibilitante" ou carencialidade estratégica" que é de onde emerge realmente o "valor" na sociedade capitalista.

A água e o próprio ar, os alimentos, etc.---tudo, numa palavra---só se transforma em "valor" quando deixa de ser imediada e directamente acedido pela sociedade no seu todo.

E o mesmo se passa com o saber e é por isso que existe todo um Direito que funciona hoje, numa sociedade fortemente abstractizada e abstraccional onde antes funcionavam as "fences" e as "hedges" físicas: enclosing aquilo que é preciso que "estrategicamente" escasseie como pressuposto ou condição para que o respectivo "valor" possa emergir.

Ora, esta privatização sistémica do conhecimento conduz naturalmente a um fenómeno de polarização completamente desigual do saber cujo núcleo capaz de seguir gerando capital é privado e apenas as formas inertes são cedidas à sociedade, desde logo, na forma de um conhecimento escolar, designadamente de natureza pública.

E é isso que conduz a toda aquela fenomenologia que José Gil descreve e enumera no seu artigo: quando a propriedade do conhecimento se torna social e politicamente, em termos gerais, inútil [in-útil] e já não representa sequer um símbolo abstracto de estatuto social [como aconteceu entre nós durante o fascismo em que uma sociedade fortemente pré-tecnológica utilizava socialmente o saber e as formas materiais de representá-lo---os diplomas, os célebres "canudos"...---como um código em si independente dos usos específicos do saber que lhe servia suporte pretextual a esse código primariamente simbólico; quando assim acontece, dizia, é inevitável que a autoridade efectiva de quem continua a desempenhar uma tarefa que ninguém reconhece já, de facto, como necessária entre em crise e, a prazo, se desintegre por inteiro, como está a suceder.

O próprio poder político [para além de uma incompetência que parece, de facto, uma fatalidade endógena no domínio da Educação---onde vêm, com efeito, invariavelmente desaguar nulidades algumas delas, é preciso reconhecer, dificilmente descritíveis...] não sabe exactamente como passar a batata quente de uma "Educação" que as empresas não estão dispostas a pagar [na forma de impostos, desde logo] porque não têm, hoje-por-hoje já, qualquer utilidade para o tipo de "produção" que continua a sair da "linha-de-montagem" escolar tradicional [sobretudo, nos níveis básico e secundário e nas quantidades em que este continua imperturbavelmente a pôr no mercado essa sua "produção" e é aqui que entra a tal ideia de "reduzir as despesas do Estado" de que fala José Gil] e a própria sociedade apenas aceita ir subvencionando porque lhe fornece asilo material para os filhos ["facilita a vida aos pais", observa José Gil]; filhos esses que, de qualquer modo, parecem, na sua esmagadora maioria, com escola ou sem escola, fadados para o desemprego.

Mas o que é essencial perceber em todo este processo é que não estamos perante qualquer episódio avulso ou simples 'crise' de autoridade ou ainda do resultado circunstancial da incompetência deste ou daquele ministro: a questão é de fundo.

É do modo como o sistema económico-político sob o qual vivemos se relaciona tópica e, de facto, necessariamente, por um lado, com os "meios de produção de imagens tópicas da realidade" [com o Conhecimento] e, por outro, com o conjunto da sociedade, vista não como o horizonte último da própria História mas como um mero instrumento no processo em si de transformação da realidade em "valor", na forma, puramente variável e efectivamente inorgânica, de um mercado.

A indisciplina e a violência escolares elas mesmas perderam hoje o seu carácter natural e a sua natureza intrínseca de questões pedagógicas no sentido preciso em que não perturbam já a eficácia da própria Pedagogia ou se a perturbam o caso não tem verdadeiro significado pedagógico porque a produção pedagógica não é, como atrás vimos, aproveitada pelo paradigma económico e producional.

Por isso se repetem com tanta frequência que passam a meros casos de polícia que um ministério caracteristicamente cobarde e inepto nunca deixa que efectivamente sejam, preferindo fingir que acredita que tudo "aquilo" é ainda Escola e Educação...

Mas numa verdadeira Escola não existem problemas "disciplinares": ou existem problemas pedagógicos no exacto sentido em que perturbam o bom funcionamento de uma Pedagogia [e de uma Didáctica] que, sem eles, funcionariam, em termos globais, idealmente ou não existem problemas porque os seus causadores são ou efectivamente corrigidos no interior do próprio sistema educativo ou afastados.

É por isso que eu digo que numa verdadeira Escola não há problemas disciplinares: ou permanecem pedagógicos e se resolvem pedagogicamente antes de passarem a [ou, pelo menos, de se consolidarem como] "disciplinares", deixando de ser problemas---ou não se resolvem e os seus causadores são afastados do sistema que, assim, pode funcionar com ideal normalidade.

Que, no caso da Educação, é aquela que Educa e/ou emprega e não a que se limita a ter "interiormente arrumadas" populações inteiras de indivíduos jovens aos quais não sabe efectivamente o que fazer estando, apesar disso e por outro lado, impedida [por imperativos de tradição e/ou popularidade dos partidos no poder] de afastar.