sexta-feira, 31 de outubro de 2008

"Intermezzo evocativo: as «minhas» estrelas-I"

Comovidamente, evoco aqui cinco mulheres "absolutas"; e desafio: alguém adivinha os seus (mágicos) nomes?...

"Intermezzo evocativo: as «minhas» estrelas-II"

Claramente, acabei por não conseguir resistir a evocar aqui mais cinco das mulheres (mas seriam de facto mulheres??!!) que mais indelevelmente marcaram a minha ideia de feminilidade. Volto a desafiar: vamos ver quem logra "adivinhar-lhes" os nomes?...


"Um «projecto» antigo"

Nas três imagens imediatamente abaixo: D.H.Lawrence, Brendan Behan e Maria Edgeworth

...é o de escrever e (ajudar a) encenar uma versão dramática de dois textos que reputo (diferentemente, embora) fascinantes: um, o romance/reportagem de Brendan de Behan, "Borstal Boy"; outro, o 'clássico' de David Herbert Lawrence, "Lady Chatterley's Lover".

A "Borstal Boy" voltarei, talvez, com mais pormenor, um dia.
Nele seduz-me, porém, sobretudo, a desesperançada "anglicidade"---onde consigo ver algo que, por exemplo, Mark Harmon, o realizador de um filme notável "Purely Belter", viu distintamente na sua análise da Grã-Bretanha pós-Thatcher: a horrível (e dolorosamente parda!) decadência, o vazio referencial, a infixidez existencial absoluta, em suma, uma espécie de amarga transposição para o presente da picaresca espanhola mas, sobretudo, das condições económicas e sociais específicas que permitiram que ela se gerasse.

Fico-me, hoje, pela obra de Lawrence.


Mark Harmon

Nela, vejo eu (um pouco como em "Fu Matia Pascale" de Pirandello ou em "Castle Reckrent" de Maria Edgeworth) um retrato interessantísimo da ascensão da classe burguesa ao poder (da sua "prise du pouvoir", como titulou, um dia, num filme célebre, Rossellini a propósito de Luís XVI): no marido inválido, é possível discernir a representação da própria aristocracia britânica: uma classe ela mesma doente, simbolicamente incapaz de "mover-se" ou "deslocar-se" na História onde a tal "tomada de poder" pela vigorosíssima mas, no fundo, puramente animalesca burguesia a apanha completamente imóvel e já incapaz de reagir.

Luigi Pirandello

Como em Pasolini, por exemplo (o interessantíssimo Pasolini!) a sexualidade seria o terreno simbológico da própria luta de classes. Entre a aristocracia decadente (e impotente) e a burguesia cheia de uma vitalidade incontrolável e violenta, im/puramente animal (representada pelo guarda-caça: o usurpador que, começando assalariado, se torna bruscamente proprietário do seu anterior "proprietário"), longamente hesitante, uma fascinada "Lady Chatterley", (os sectores progressistas, originalmente abertos à mudança, da própria aristocracia) seduzida pelo calor do vigoroso animal que a fascina com toda a carga seminal da sua própria, no fundo incontrolável, bestialidade).

Com o tempo, as contradições de Lady Chatterley vêm ao de cima, simbolizando o generoso fôlego revolucionário burguês, muito rapidamente naufragado através de múltiplas cedências e em resultado de naturais contradições próprias: Lady Chatterley, assustada com o escândalo que a sua ousadia inevitavelomente causará, não tem coragem para assumir integralmente a rebeldia que começa por sentir, deixa o guarda-caça só, entregue às forças punitivas (repressivas) da "ordem" e volta, desencantada embora, amargurada, profundamente marcada pela culpa (que é a culpa de toda uma elite revolucionária burguesa inicialmente "apocalíptica", a prazo "re/integrada"...) para os braços do marido inválido (a burguesia assediada, permanentemente ameaçada pelo espectro da Revolução) acabando (na "minha" versão do romance de Lawrence) encerrada com ele no sombrio solar ("manor") em ruínas ("à Polanski", o Polanski de "Repulsa", "à Buzzatti/Zurlini" d' "O Deserto dos Tártaros" ou "à António Patrício" d' "O Fim"...) beata e frustrada, meio louca, neurótica, histérica, transpondo para as obliquamente erotizadas rezas com que enche auto-hipnoticamente os dias todo o ressentimento com a vida que a sua própria cobardia e as suas inúmeras e insanáveis contradições lhe impuseram.

Tal como eu concebo esta "versão", a partitura seria ("obrigatoriamente"!) de José Mário Branco, o único cantor "do 25 de Abril" que permaneceu até ao momento estruturalmente honesto e fiel às suas convicções e princípios com intervalos cíclicos" de Emanuel Nunes...

José Mário Branco

"Abril é sempre que um homem quiser: breves reflexões pessoais sobre a questão da Democracia-hoje"



Uma das circunstâncias que mais pode contribuir para a degradação substantiva da democracia entre nós (interessa-me aqui, sobretudo, por óbvias razões de proximidade material e envolvência) o 'caso' português) é a ausência demonstrável de "biodiversidade ideológica", "cosmovisional", institucionalizada (em partidos ou grupos capazes de intervirem, de forma verdadeiramente efectiva, na vida nacional) observável, hoje-por-hoje, na sociedade portuguesa.

Sucede, por outro lado, que parece cada vez menos possível manter por (muito?) mais tempo a ambiciosa ficção de que pode alcançar-se a "biodiversidade" em causa através da "alternância" (puramente 'virtual') entre as alas "conservadora" e "social" ou mesmo... "socialista" (!) do regime, assegurada por sufrágio periódico.

De facto, é cada vez menos possível sustentar acreditavelmente tal ficção.

Há, aliás, diria eu, muitas maneiras de reconhecê-lo ou, se preferirmos dizer assim, de equacionar a implícita admissão da impossibilidade em causa---de todas temos, no fundo, de um modo ou de outro, ouvido e visto "exemplos" esclarecedores na imprensa: a verdade, é que ela, a impossibilidade em causa, constitui sempre, em última instância, um dado absolutamente incontornável da nossa (aliás, paupérrima!) 'existência política' comum.

Dito de outro modo: o 'regime' precisa (urgentemente!) de estímulos.

Precisa de mais: precisa, se calhar, mais do que de estímulos apenas, de provocações.

Isto é: tem absoluta necessidade de ser provocado!

De deixar-se provocar e/ou de reaprender a ser provocado, seguramente.

Uma das formas provavelmente mais eficazes de fazê-lo (isto é, de evitar o completo e indesejável fechamento senão mesmo apodrecimento cívico e político final do "regime") seria, por exemplo, através do reforço da intervenção na vida pública nacional dos partidos e organizações de indução teórica genericamente marxista, os quais desempenharam, como se sabe, um papel absolutamente determinante no imediato pós-25 de Abril no que respeita à mobilização global da cidadania e ao reforço da sua (fugaz, é verdade mas, ainda assim, essencial e potencialmente determinante) organização.

Partidos e organizações doutrinárias, ideológicas, poderiam, insisto, seguramente (re) trazer para a miasmática e pantanosa vida política nacional um novo sopro de reflexividade (directamente e por reacção)---algo de absolutamente essencial, a meu ver, numa fase da História nacional em que se torna cada vez mais clara a necessidade absoluta de refundar o 'regime económico-político' formente posto à prova, desta vez por uma crise profundíssima, capaz de tornar, no limite, obsoletos e inoperantes os velhos truques usados pelo capitalismo internacional para sobreviver e, sobretudo, para sobreviver-se.

Era Álvaro Cunhal que, com a aguda 'inteligência da realidade' que o caracterizava, costumava abrir alguns debates e sessões públicas em que participava com a leitura de uma série de propostas sonoramente "revolucionárias" (destinadas, pelo modo como ele as enunciava e no contexto argumentativo preciso em que o fazia, a suscitarem a reacção, pudicamente escandalizada, das audiências às quais eram---como dizer?---directamente "apontadas"); propostas essas que, vinha, ulteriormente, a saber-se nada mais eram do que pontos cuidadosamente respigados dos "programas" políticos de "pê-pê-dês", "pê-èsses", "cê-dê-èsses" e tutti quanti da fase "allendista" e "guevarista" e por aí fora de alguns deles.

Não se declarava, a dado passo, o próprio "pê-pê-éme", apostando obviamente na eufonia e na semelhança sonora (muito mais do que conceptual) com o comunismo... "comunalista" para "fazer face", então, à "concorrência" das várias sensibilidades confessadamente comunistas que à época gozavam de uma espantosa popularidade?...

O que eu quero dizer é que (como acontece tão frequentemente naqueles jogos de futebol em que uma equipa de maus praticantes e jogadores sem classe tenta chagar ao fim não perdendo por muitos procurando, para isso, "adormecer" o adversário com um jogo mole, sem criatividade nem espaços, sufocando o adversário com o marasmo táctico e estratégico); o que eu quero dizer é que, logo que se dá o refluxo conservador-capitalista, formalmente "democrático" (ou, pelo menos, "estrategicamente democratizado") de '75, de imediato as "capas" políticas instrumentais do 'novo' poder económico-financeiro (os partidos que representavam---e continuam a representar---o rosto político do capital que o fascismo se tornara objectivamente incapaz de "agenciar politicamente") passaram bruscamente de interessados em "mudar" (em... "evoluir") para empenhadíssimos, sim, mas em manter (e fosse a que preço fosse!) o statu quo entretanto alcançado com a sua própria vitória, militar e política, sobre as massas e a possibilidade de sedimentaão de um regime económico-político por elas real ou directamente determinado.

Ora, acontece que, a partir daí, desse ponto teórico de equilíbrio introduzido (volto a dizer: "estrategicamente") na História social e política da sociedade portuguesa pós-revolucionária, um dos segredos da actuação sistemista passou a ser utilizar a não-política como uma imagem, genericamente acreditável e idealmente sustentável, de "política", a fim, justamente, de evitar que a possibilidade de pensar demasiado a História pudesse pôr em perigo aquilo que lhe tinha custado tanto a alcançar...

Esses que, agora, fingiam que as objectivas desactivação/inactividade ideológicas e, no limite, a total estagnação reflexiva que aspiravam ver estabelecida por toda a vida social portuguesa eram não só "política" como "A" política eram, todavia, os mesmos que, ainda pouco antes (antes de Novembro de '75) berravam aos quatro ventos a sua fidelidade ideólogica a Marx e que não tinham o mínimo pudor (eles, que não passavam, em geral, de um bando de oportunistas extremamente astutos poupados aos perigos de "dissidir demasiado perto" por uma dourada ausência a quilómetros de distância e, genericamente, de gente muito má que passou a colar-se astuciosamente aos primeiros quando a falência do regime passou, por seu turno, a prometer a curto prazo pingues lucros a quem soubesse apanhar a tempo e "na estação certa" o combóio da "revolução"...); esses eram, dizia, gente sem vergonha que não hesitava em reclamar a trágica herança "allendista" ou, quando nada mais tinham para apresentar e vender na "feira dos embustes" que foi, para muitos, o ano de '74, a de Henri de Man, o "personalista" belga que foi o "abono de família" de muito órfão ideológico sem eira nem beira que nele achou um alibi inestimável.

Genericamente falando, pode sem errar afirmar-se que a brusca eclosão da ideologia entre nós em '74 obrigou, mesmo aqueles que da História não esperavam, de facto, outra coisa que não fosse "um bom lugar à mesa" da economia (leia-se: da desigualdade, da sociedade e da economia desiguais cuidadosamente "decoradas" com um discrero venerr de "democracia") de onde a sonsa filtragem "corporativa" do fascismo havia solidamente banido muito deles, a "terem" (oficialmente) uma ideologia, isto é, na prática, uma posição teórica sobre a realidade e, cumulativamente, a argumentarem (como podiam...) o seu próprio lugar na realidade---algo que a rígida ordem anterior (como a não menos rígida que lhe sucedeu e que vigora novamente hoje entre nós) tranquilizadoramente os dispensava.

E foram esses (os antigos "allendistas", os "comunalistas" teóricos de '74, os discípulos devotados desse excelente belga que foi de Man) que, como disse, mal lograram sentar-se à "mesa da desigualdade democratizada" manu militari em '75, se deram em banir objectivamente a reflexão política substituindo-as cuidadosamente por... campanhas eleitorais, muito mais "a seu jeito", com aventais de plástico e esferogáficas de "três-ao-pataco" a substituirem as ideias que era preciso justamente evitar que alguém pudesse vir a ter...

Perante isso, parece-me natural supor que a reactivação revolucionária estratégica da História passa hoje (eu diria:) 'passa hoje obrigatoriamente' pelo (re) despertar sistémico, prévio a tudo, da vida ideológica nacional, algo que (volto a dizer) poderia obter-se, desde logo, com o reactivar muito cuidado de muitas daquelas organizações como a "velha" U.R.M.L. (que só conheci de nome, aliás) ou da não menos "velha" O.C.M.L.P. (idem-idem, no ante-25 de Abril) ou ainda (sei lá! Podia citar tantas!...) do C.A.R.P. (m-l); da "velha" L.C.I. e por aí fora.

Todas elas organizações que (é preciso ter a coragem de dizê-lo uma vez por todas!) deram um contributo absolutamente essencial, pelo simples facto de existirem e de serem, de um modo ou de outro, ouvidas, por exemplo para a implementação de um processo de Reforma Agrária entre nós---proposta originalmente recusada, com receio de "aventureirismos" por muitos que vieram, afinal, a revelar-se essenciais na conduição do processo mas que (lá está!) só posteriormente vieram a aderir de forma entusiástica a ele, pressionados justamente pelo impulso poderosíssimo da acção da chamada "esquerda revolucionária" onde se integravam aquelas (e muitas outras, como a incontornável L.U.A.R.) organizações...

A atitude revolucionária passa hoje, numa palavra, pela reactivação estratégica dessas organizações, pois, ou dos herdeiros e herdeiras dessas organizações.

Passa com toda a certeza pela aposta determinada no enraizamento efectivo do Partido Comunista na sociedade portuguesa para o que, seria, a meu ver, fundamental a concretização prévia de dois pressupostos, desgraçadamente, ao que parece, porém, hoje-por-hoje, muito distantes:


a) a reestruturação das formas básicas, nucleares, elementais, de organização do Partido (falo especificamente da organização em células, com a análise cuidada da situação política em tempo real e a definição de estratégias e tácticas precisas a fim de lidar dinamicamente com os probemas e questões por aquela levantados
e


b) a implementação de uma imprensa própria (a venda da Editorial Caminho a um grande grupo económico pode ter tido, na prática, por um enorme tiro no pé relativamente à possibilidade ideal de se chegar directamente à sociedade portuguesa com uma mensagem e informação próprias); a implementação de uma imprensa própria com todas as dificuldades que o projecto implica, é verdade, mas destinada a fornecer uma visão das coisas naturalmente distinta (estruturalmente distinta!) da dos grandes grupos e interesses económico-financeiros situados, como se sabe, por detrás dos jornais mais lidos e relativamente a cujas propostas e pontos de vista não é possível, hoje-por-hoje, fazer chegar à Cidadania em geral resposta e verdadeiras alternativas.
Ou seja: o fechamento da via parece, hoje-por-hoje, um dado tão irrecusável como a realidade do próprio instante crítico a que o 'sistema' no seu todo actual chegou: a um autêntico "cotovelo" ou "esquina" da sua própria (conturbada!) História ou (acidentada, longa) 'crónica'.
A questão é que, se queremos abri-la, temos forçosamente de chegar às pessoas, às... "massas" como então (em '74 vulgarmente se dizia) com uma mensagem clara que deve, a meu ver, começar por ser 'pô-las a pensar', isto é, fazê-las (voltar a) sentir à semelhança do que ocorreu em '74, como uma necessidade poderos e inadiável a, a vontade de pensar mas, para tanto, é, por outro lado, essencial que recriemos, por todos os meios legítimos ao nosso alcance, os modos exactos de fazer-lhes chegar, a essas mesmas "massas", as matérias-primas para a reflexão, sendo absurdo pensar que elas lá vão ter" por obra e graça de algum, divino embora, Espírito (mais ou menos) Santo...
De fazer-lhes desde logo chegar a mensagem-revelação de que são efectivamente "massas" e disso não passam para o gélido, implacável, brutal sempre-metido-em-sarilhos "sistema" (ou "complexo") económico-político-financeiro...

Étienne Balibar, um exemplo de reflexão marxista 'independente'

quarta-feira, 29 de outubro de 2008

"A «Idade de Ouro» da vulgaridade?..."

Sean O ' Faolain

Num velho "Playboy" (datado de Janeiro de 1975)---a "Playboy" of all places"!...---deparo-me com um artiguinho do escritor irlandês Sean O' Faolain sobre Sherlock Holmes (melhor: sobre uma certa ideia de Sherlock Holmes e da Inglaterra Vitoriana onde ele se movimentava) ao qual adiro sem dificuldade.

A tese de O' Faolain (na imagem do topo) é simples e resume-se em duas palavras: defende ele que ainda hoje vale a pena re/ler Conan Doyle, desde logo (O' Faolain nada nos diz sobre a cionsideração em que tem os possíveis de/méritos literários presentes/ausentes da obra desse seu famosíssimo confrade vitoriano) pelo ensejo que a leitura dos textos versando as proezas do génio detectivesco de Baker Street nos fornecem de voltar a mergulhar numa espécie de idade do ouro da total (ou da ideal!) inocência inteleccional onde reinavam genericamente a ordem, o equilíbrio, a (ao menos, teórica...) "mesure" relacional e, em termos latos, cultu(r)al; uma era caracterizada, entre outras coisas igualmente sólidas ("dependable") e consistentes, pela circunstância de a "ciência" poder, em última instância, explicar literal (ou, pelo menos, na pior das hipóteses, potencialmente) tudo quanto, como indivíduos e como sociedade, nos rodeia (pôr ordem nas nossas dúvidas, angústias, etc. individuais e colectivas remetendo-as (eu diria: horizontalmente) para o rol tranquilizador das coisas condenadas a, mais cedo ou mais tarde, fazerem sentido por se re/encontrarem finalmente com os seus "alicerces ônticos" ou fundamentos "de episteme").

A Doyle e ao seu muito... "comtiano" ou "spenceriano" ("claude-bernardiano" e por aí fora...) detective, contrapõe O'Faolain a figura de "Pop" Doyle, o truculento polícia de "French Connection" do filme de Friedkin (à época em que o artigo foi escrito, um grande sucesso popular no cinema) epítome de um mundo sem verdadeiro mistério (leia-se: sangrado da empolgante magia da pesquisa---eu diria: ritual e/ou cerimonial) do desconhecido; um mundo nu (ou amputado?...) de sagrado (desvendar um "mistério", se é seguramente a admissão implícita da substancialidade última da própria 'Verdade' assim como da possibilidade teórica de atingi-la ou reencontrá-la numa ordem social, cultu(r)al e política dada, pode, de igual modo, ser cumulativamente, entendido, enquanto forma mais abstracta e ainda mais teórica, como uma metáfora subtil da iniciação sagrada do indivíduo num modelo cosmovisional preciso que não se questiona mas, justamente através das formas várias da Cultura, pelo contrário, continuamente se confirma e se celebra.

Faye Dunnaway no papel de Bonnie Parker em "Bonnie & Clyde" de Arthur Penn (um filme incompreendido por muitos e detestado por alguns, entre os quais José Régio)


Em "French Connection", diz O'Faolain (que, de resto, lhe junta também o soberbo "Bonnie & Clyde" de Penn e "In Cold Blood" de Brooks como outros modelos possíveis de 'objecto cultu(r)al' electivo da pós-sacralidade---a expressão, entenda-se, não é de O'Faolain: é minha); em "French Connection" dizia, reportando-me sempre às estimulantes reflexões de O' Faolain, o mistério perdeu-se já por completo: não há mistério---há criminosos e a tarefa brutal, completamente despida de subtilezas ou romantismo, de apanhá-los ou---pior ainda!---neutralizá-los, eliminá-los.

Pessoalmente, não me restam muitas dúvidas de que um dos traços mais estáveis e mais tópicos da pós-modernidade consiste (im) precisamente na alienação (no "estrangement") por parte dos modos mais característicos de (não) ver e de (não) ordenar a realidade de um sentido estável para as formas de que a 'cultura das representações abstractas' é genericamente feita, se assim me posso exprimir.

O surrealismo e a estética-teledisco que cultu(r)almente lhe sucedeu (ou mesmo essa coisa abominavelmente vulgar e imbecil que é a publicidade) dão um excelente-péssimo retrato do "fenómeno".



O surrealismo representou (a meu ver, pelo menos) no limite uma espécie de "consagração crítica" secundária ou mesmo terciária mas, em qualquer caso, consagração ("sacre") da ordem estabelecida que se proponha, em primeira instância, "questionar".

As suas ousadas e aparentemente "offbeat" formulações não vivem, no fundo, sem a integração nuclear, crítica e secundária embora, da própria ordem que diziam vir pôr em causa.

A "civilização surrealista", a 'época teórica' ou 'epistemológica' que gerou os surrealistas conhecia ainda (ou conhecia já?) os segredos da esclarecida técnica da "esquizofrenia crítica" ou "desdobramento inteleccional dialéctico" de que Brecht e Piscator farão, como se sabe, bandeira teórica no domínio da intervenção teatral.

As telas de Dali ou os poemas de Éluard representam uma espécie de "redescobrimento ou celebração militante" da ordem---que partilham, todavia (e não o ignoram!) com todos em quantos dizem ver os "símbolos" do conformismo e da reacção.


Salvador Dali (retrato de Paul Éluard)

A 'opus' surreal configura, no seu conjunto, diria eu, essencialmente um diálogo---um diálogo vivo, não isento de picardias formais e afectuosos, quase ternos e frequentemente cúmplices, sucessivos antagonismos---mas um diálogo, ainda assim.

O surrealismo possui, a meu ver, uma âncora cultu(r)al e até cosmovisional reconhecivelmente estável---situada, aliás, no mesmo exacto ponto onde os propugnadores assumidos da ordem situam a sua própria "âncora de episteme".

Os surrealistas são, numa palavra, uma élite pensante (senão mesmo uma consciência crítica activa e vigilante) do "establishment" que dizem combater.

Desempenham, em resumo, o mesmíssimo dialéctico papel que, no seu próprio tempo e espaço, desempenharam, em relação à cultura "ocidental" ou a aspectos importantes dela, um Zola ou um Sartre.


A "cultura" dos telediscos o que, por sua vez, se limitam a fazer é retirar à reflexão (e sublinho: reflexão!) surreal o seu fundamento crítico essencial: "vão-se a ela", cultura, e de "cultura em si" (de cultura como consciência consistente de si) convertem-na alegremente, com a pressurosa solenidade dos tolos, num mero adereço ou num simples (num, demasiadas vezes, simplório) ornamento de uma "cultura" que não têm, porém, a mínima ideia qual possa ser.

Num adereço vagamente (gravitacionalmente) cultu(r)al onde o culto das impressões "puras" (i.e. da "pura" impressionalidade como... "cultura" e como horizonte único do trabalho pardacento do "espírito") substituíu (ou substituiram) já as que podem idealmente obter-se, entre as pessoas e sociedades, elas sim, de espírito e de cultura, pela via do esclarecimento e da inteligência paciente, escrupulosa, crítica, dialéctica, da realidade.

Da publicidade nem vale a pena falar: se a estupidez soubesse desenhar ou filmar seria assim que fatalmente se manifestaria---como um daqueles "outdoors" com ditos e frases prodigiosamente ignaros e imbecis que submergem continuamente as nossas cidades num manto de cromática, omnipresente vacuidade onde alguns se obstinam em ver, teimosamente, "trouvailles" do mais excelso "wit" ou como um daqueles "filmes" assombrosamente idiotas que continuamente se atravessam na fruição do Cinema ou do Teatro que ainda vai sendo possível, hoje-por-hoje, ver e nos acometem ouvidos e inteligência com todo o peso da vulgaridade feita imagem e estridente, completamente vazio, som...

(Sempre pensei que é extremamente curioso o modo como os "apóstolos" da "legalidade proprietária" em matéria de Arte e direitos de Autor nunca se esqueçam de se insurgir---e com que usual ferocidade!---contra os "atentados à propriedade intelectual" cometidos pelo público mas se esqueçam imediatamente de tão louváveis escrúpulos sempre que se trate de exibidores televisivos que se dediquem a "espatifar" cobardemente filme atrás de filme mutilando-os com inimaginavelmente impertinentes "intervalos" para "publicidade"...

Passaria, por exemplo, pela cabeça de um desses iluminados idiotas a que comummente chamamos "publicitários" e---imagine-se!--- "criativos" fazer a uma tela de Picasso ou a uma escultura de Miguel Ângelo o que impunemente se permitem fazer regularmente a um Lang ou a um Kubrick, isto é, parti-los cirurgicamente "em quatro" a fim de encaixarem nos "espaços" criados pelo respectivo analfabetismo cultural doses maciças de "lavagens metódicas ao cérebro" a fim de venderem umas quantas caixas de meias de senhora ou meia dúzia de embalagens de fraldas para bébé?...

Publicidade: a vulgaridade ao poder

Singular preocupação com a Arte essa que se permite estraçalhar Fellinis ou Tatis por conta de detergentes ou preservativos, com a tácita cumplicidade da "cultura" institucional...)

Voltando, porém, um pouco atrás, termino expressando ainda uma vez a minha quase incondicional concordância com a visão que O' Faolain tem da cultura enquanto "território celebracional" electivo onde é possível operar com fecunda segurança o "desdobramento inteleccional" figurado, simbólico ou "simbológico", que nos permite reencontrar-nos com alguma da nossa identidade cultu(r)al, perdida nos meandros de uma sociedade (ou de um pós-socialidade) onde o exercício cuidado da inteligência como expressão autónoma nobre de humani(ci)dade que é suposto sermos (ou mediarmos) se perdeu já por completo.

Sempre disse que quem quiser hoje ser revolucionário deve começar por ser inteligente e por postar-se de forma decidida, contra a "cultura" da valorização, não da inteligência da realidade, das inúmeras formas que ela pode circunstancial ou circunstanciadamente assumir, mas dos meros usos , ainda por cima, trágica, miopicamente venais, dessa mesma inteligência.

É bom, é saudável, irmos ao cinema (mesmo com... "criativos" que se dedicam a estraçalhar metodicamente filmes que não compreendem e não respeitam a fim de os "decorarem" com o discutível produto das respectivas "destilações intelectuais"); é bom, dizia, mesmo que seja na companhia de um realizador comparativamente menor como Alfred. L. Werker celebrar os sólidos rituais de consagração da "ordem cosmovisional e política" em geral através das sempre emocionantes manifestações de "equlibrismo intelectivo" de Sherlock Holmes, como diz O'Faolain referindo-se especificamente aos romances e contos de Conan Doyle.

É bom ir ao Cinema celebrar (eu diria: simbolicamente) , nesse espaço celebracional comum, com um grande realizador como Howard Hawks, a heroicidade desesperada e, ao mesmo tempo, ideal do "sheriff John Wayne/John T. Chance" do condado de Presídio, do "grande estado do Texas" (onde ainda há pena de morte...).

Howard Hawks

É bom ir ao Cinema re/visitar um Paris que nunca terá completamente existido e já se perdeu por completo (o Paris, no fundo, apenas imaginado e imaginário dos Prévert, dos Carco, das Duras, das Varda, dos Sartre e das Beauvoir) com esse prodigioso 'palhaço da melancolia e da esclarecida desordem' que foi Tati.

Quando a vida dita real enveredou já decididamente "por maus caminhos" (inteleccionais, civilizacionais, críticos, políticos, etc.) resta-nos o Cinema (ou o Teatro, a Literatura) para nos reencontrarmos simbolicamente com aquilo que nos é possível ir conservando de uma identidade ideal, individual e colectiva que é vital que saibamos guardar para (quem sabe?) voltarmos a tirar do armazém da memória um dia em que voltemos a saber como utilizá-la de forma nobre e (porque) verdadeiramente humanista e inteligente...


Basil Rathbone no papel de Sherlock Holmes

terça-feira, 28 de outubro de 2008

"Sobre o conceito 'teoricamente primário' de 'falácia de composição' "

Aristóteles, autor de "A Política", uma referência absoluta do pensamento filosófico-político do "Ocidente"


Há um conceito a que, em matéria de "teoria da realidade" (uma "teoria da realidade" a que procuro em todos os casos e momentos dar corpo) presto particular atenção que é o conceito de "falácia de composição".
Tal como eu a 'vejo', a "realidade" pode ser teoricamente concebida (e descrita) em termos genéricos como uma 'sucessão globalmente funcionante de quantidades' (ou de "quanticidades") interagindo---"quantidades" que, é preciso dizer, a partir de dado ponto teórico de composição e interarticulação, ou: por um lado, se cindem (dando origem a novos sistemas secundários situados cada vez mais longe dos respectivos fundamentos e "explicação") ou são, à medida que a realidade cresce ou continuamente se des-integra (e degrada) acumuladas e concentradas nos corpos que a compõem ou protagonizam (que a medeiam) de modo a sugerirem mudanças substantivas de estado, na verdade completamente aparentes onde se origina e inscreve a noção, igualmente aparente, de "qualidade".

A "qualidade" das 'coisas' em termos do funcionamento normal da 'realidade' mais não configura, pois, em última e real instância, a meu 'ver teórico', do que um mero "encurtamento funcionante" drástico (i.e. uma concentração a-normal de "quantidade") na composição genérica do real, daí resultando que, na teoria, os 'atributos' ou 'qualidades' das coisas não existem de facto, fora destas (são as próprias coisas quantitativamente mutadas e ajustadas à sua própria "História" e ao seu próprio contínuo funcionamento) resumindo-se as "qualidades" dos objectos do real, na verdade, a ilusões de óptica composicional que é, por outro lado, vital denunciar a fim de podermos ter esperança de conhecer como opera a realidade desenrolando-se ("deploying itself") ou "existindo", isto é: essendo.

Voltando, porém, àquela relevante questão da "falácia de composição", aquilo que com toda a franqueza me parece é que (como recordo, aliás, noutro ponto deste "Diário-e") toda a observação confirma a ideia de que a realidade não tem apenas "horror ao vazio", como, resultando do modo como ela material ou fisicamente se origina, um "horror" paralelo e complementar, ao "demasiado grande".

Eu sempre defendi, por outro lado, que é importante (que é essencial!) radicar a Política (no sentido nobre e profundo que lhe é atribuído na Obra de um PLatão ou de um Aristóteles) na Filosofia (e na Ciência!) sem o que aquilo que de facto possuímos não é uma Política mas uma mera "política" ou simples pretexto para a legitimação gratuita e abusiva de toda a espécie de arbitrariedades e abjecções.

Reportando-me ao princípio teórico amplo que diz que a realidade tem "horror ao demasiado grande" (a realidade rege-se, diria eu, por um conjunto/teoria de 'princípios' básicos que estão presentes em todas as manifestações objectivas ou objectuais da realidade; 'princípios' como o da "continuicidade permanente" ínsita do real---que resulta, enquanto vária "mutação" da própria dinâmica expansional característica da realidade física original---sentida em todos os pontos e momentos do curso, da órbita ou do trajecto sucessional da "realidade"); reportando-me àquele princípio teórico, dizia, eu permito-me acreditar (substanciando pontualmente a minha... crença"...) que um capitalismo sem Estado (uma "economocracia" pura ) acaba invariavelmente disfuncionando por razões que se prendem com a própria estrutura natural da realidade, digamos assim.

Ou seja: tal como uma economia onde alguns poupam funciona mas passa a deixar de funcionar quando todos poupam (havendo um instante teórico em que o poupar, acumulando-se criticamente---crescendo, tornando-se 'demasiado grande' para a própria realidade que o cerca e onde se inscreve) passa naturalmente de um "bem" funcional indiscutível a um "mal" em si da "economia" onde opera), do ponto de vista "liberal" (que, devo dizê-lo com toda a clareza está muito longe de ser o meu...); tal como isso acontece, dizia, uma "economia" com pouco Estado funciona "bem" até um dado 'momento teórico', desunindo-se, todavia, por completo em seguida (como, de resto, a realidade "global" actual tem vindo a demonstrar e de forma absolutamente eloquente) a partir de um determinado "instante teórico" teoricamente demonstrável a partir do qual o "demasiado grande" passa a intervir no sistema.

E isto porque (regresso aqui a uma questão que não me canso de uma e outra vez voltar a abordar) o chamado "Estado social", em meu entender, nascido, embora, da generosidade civilizacional e política dos "revolucionários" de todos os índices e matizes, muito cedo na História moderna foi "recuperado" pelo "establishment" em cujos cálculos passou a operar de facto (embora não de direito) como uma "almofada de segurança teórica" (e prática!) reabastecendo o mercado quando o funcionamento normal do próprio sistema o conduzia a uma qualquer "crise" periódica ou entregando à própria comunidade onde se inseria o encargo de compensar as desigualdades inevitavelmentre geradas por aquele mesmo 'funcionamento normal' do sistema.

Uma vez encurtado o Estado até este se ver incapacitado de ir repondo alguma ordem global no sistema, as desigualdades e as disfuncionalidades ínsitas ao próprio operar 'normal' do capitalismo acabavam por ficar expostas, bloqueando o sistema.

É exactamente por isso que eu digo que o Estado dito "social" sempre foi (visto por liberais "hard core" tipo P.P.D. ou por liberais... "compassivos" como os que actualmente detêm o poder entre nós) incomparavelmente mais útil para o "establishment" económico-político que uns e outros configuram e não pretendem, em caso algum, ver no in/essencial alterado ("establishment" esse ao qual o Estado "social" fornecia, além de tudo o mais, um alibi político e supostamente humanista que visava "legitimá-lo" civilizacional e politicamente aos olhos da História) do que para aqueles aos quais era suposto defender e ao lado dos quais era suposto encontrar-se: a sociedade em geral.



Platão, autor d "A República", outra referência cultu(r)al incontornável da reflexão filosófico-política "ocidental".

quarta-feira, 22 de outubro de 2008

"Regresso aqui..."

...a alguns dos meus primeiros deslumbramentos: "M..." de Fritz Lang (vi-o, julgo já tê-lo dito algures---no velho "Rex" e fiquei extasiado---de imediato quis fazer eu mesmo um filme a preto-e-branco, mudo, "inspirado"---imaginava eu...---por esse terrível e nocturno Lang com Peter Lorre assim como, já agora, por "The Lodger", de Hitchcock que consegui ver no S.N.I. por especial condescendência de um porteiro que se comoveu perante a minha evidente...

obstinação em entrar numa sala para a qual não tinha "convite"...); e "Un Chien Andalou", de Buñuel e Dali, outra surpresa/deslumbramento precoce.

Por acaso, vi-o também no S.N.I. noutro ciclo, apresentado por Lopes Ribeiro. São, ainda hoje, dois filmes "da minha vida".
Juntemos-lhes "Mon Oncle" de Tati (mais ainda do que "Jour de Fête" ou "Les Vacances de Monsieur Hulot": em "Mon Oncle" tudo é (literalmente!) perfeito, desde a mitificação tão arrebatadora de um Paris interior e completamente subjectivo que o lado negro latente da própria França---da... "francidade"---não foi capaz de evitar acabar por matar...) à cor e à banda sonora, verdadeiramente sublime; juntemos-lhes, dizia, "Mon Oncle" de Tati...

e "Rio Bravo" de Hawks e um ou outro Kubrick ("A Laranja...", provavelmente) e estão aí os "filmes da minha vida"...

A que é imprescindível acrescentar um Hitchcock...

...que pode ser o kafkiano, definitivo,"North By Northwest", uma das jóias-da-coroa da obra do Mestre.

"Já que falei em Penn..."

Já que falei em Penn (esse soberbo Penn de "Bonnie And Clyde") não quero deixar de homenagear aqui, também, o fabuloso Ralph Nelson de "Soldier Blue", o mais impressivo filme sobre o Vietnam (ou será sobre o Iraque?...) que consigo assim de momento lembrar---com a possível excepção do muito mais intelectualizado "Full Metal Jacket", de Kubrick.

"Traduttore/traditore"

António Feliciano Castilho, o infelicíssimo "traditor" do "Fausto" de Goethe (verdadeiro referencial negativo da "arte" de verter ou "reidiomatizar" conceitos, sentimentos, ideias, etc.)...

Há erros de tradução e erros de tradução...

O mais famoso (e 'assassino'...) que me ocorre envolve uma legenda da famosíssima série "Twilight Zone", da qual um episódio ficou literalmente "ao contrário" no que respeita ao conteúdo devido à troca de um "take over" por um praticamente antónimo "take off". Foi o caso de uma invasão alienígena observada (e comentada) por uma personagem barricada no interior de uma casa (um bar ou coisa que o valha, se bem me lembro).

No écrã, ninguém conhece as intenções dos "visitantes" enquanto que nós, espectadores, apenas sabemos o que se vai passando justamente através do testemunho daquele observador.

A dado passo, alguém pergunta qualquer coisa como: "E agora? O que estão "eles" a fazer?

A resposta no original é: "I think they are going to take over".

E o episódio acaba com esse sugestão poderosíssima de ameaça pelo desconhecido: quem serão aqueles invasores? Que pretenderão fazer? E por aí fora.

Ora, confundindo os "prepositional verbs", o tradutor, completamente indiferente ao modo como subverte por completo o sentido do filme, "verte" imperturbavelmente a frase citada (ou aquela, em tudo semelhante, que constava, de facto, do 'script' para: "Acho que se vão... embora".

Como se a frase proferida tivesse sido, não a que efectivamente foi mas: "I think they are going to take off".

Um pequeno erro, pois...

Agora, do "Diário de Notícias" de 01.09.08, a propósito do divórcio da infanta espanhola Elena e Jaime de Marichalar, aparece em letra de forma o seguinte parágrafo: "Menos problemática parece ser a situação da infanta Elena, a filha mais velha dos reis de Espanha. Separada de Jaime de Marichalar desde Novembro passado, a infanta pretende dar um novo curso à sua vida."---escreve o jornal que acrescenta: "A reconciliação do casal parece impossível, sendo as relações entre os dois muito tensas: "Apenas se falam", refere a Hola. (...)" [sublinhado meu].

Ora, o que é grave é que "tradução" atraioçoa por completo a verdade dos factos. Não estando em causa a questão de determinar que interesse tem saber os reais ex-cônjuges se falam ou não (a mim, por exemplo, dificilmente me poderia importar menos se eles se falam ou se, pelo contrário, se andam à... "real pancada" todos os dias...) o que é grave, dizia, é que em castelhano "Apenas se hablan" significa de facto que NÃO se falam, sendo que "apenas" na língua de Cervantes é o exemplo acabado de um "false friend" como os ingleses "eventually" ou "presently" para citar apenas dois...


"Bonnie & Clyde recontextualizados"



Num "Público" (edição de 12.09.08, suplemento de Economia) detenho-me numa reportagem sobre 'a casa-forte mais poderosa do País' ou coisa que o valha (para confirmar o apodo basta consultar a imagem em anexo, reprodução da reportagem). Trata-se da casa-forte da empresa de valores Esegur, propriedade (informa o jornal da Caixa Geral de Depósitos e do Grupo Espírito Santo).

Faço-o (isto é, deter-me---incrédulo, fisicamente incomodado!---na notícia do "Público") indignado, como disse, perante a imagem incrivelmente escandalosa, irrecusável, material, da imensa desigualdade existente no (melhor dizendo: gerada pelo) supostamente "social" Portugal "socrático".

É, de resto, penso eu, difícil a qualquer pessoa (mesmo apenas com um mínimo) de formação humanista não sentir a mesma revolta e a mesma veemente indignação perante a imagem (volto a dizer: verdadeiramente obscena!) dos maços de notas ali entesourados bem como, noutro plano, perante a simples ideia da imaginação e da criatividade postas amoralmente ao serviço da, por sua vez, pornográfica acumulação de riqueza ali retratada.

De algum modo (bem real e bem substantivo, aliás!") é "aquilo" o mundo completamente "pós-moral" em que vivemos: um mundo que separou (ou dissociou ou desintegrou) já por inteiro a técnica (e o saber que ela necessariamente presupõe) dos respectivos usos sociais e políticos.

A técnica (o Conhecimento, qualquer forma de "inteligência efectiva da realidade") de qualquer juizo de valor (moral, social, político) que sobre ela possa (de facto, deva!) ser básica, elementar (elemental) e, por conseguinte, organicamente produzido.

A dissociação epistemológica e especificamente ética---eis a marca in/essencial da "nossa" época, "en fin de partie", como diria Beckett que (como Kakfa que evidentemente o "inspirou") sobre tudo isto escreveu com uma minúcia e uma clareza verdadeiramente cirúrgicas, 'definitivas' e exemplares.

Tudo o confirma, ilustra e objectivamente corrobora: o conceito de "Escola" ou de "escolicidade cultu(r)al e política, civilizacional": a Escola como grande armazém, em larguíssima medida passivo, onde vem ser continuamente depositado o conhecimento in/essencialmente inerte ou "inertizado", i.e. desactivado relativamente à sua "função"... neo-política e pós-democrática, pós-histórica, de re/produzir continuamente "valor" ou de se "mutar" continuamente nele; as grandes corporações, sobretudo multinacionais, essas sim, aparecendo na sociedade---e, de uma forma mais ampla: na História!---como as legítimas proprietárias das "enclosures" do conhecimento activo, autêntico, matéria-prima essencial de re/produção (como disse: contínua) de capital; o Estado (melhor dizendo: o pós-Estado!) emergindo, por sua vez, nessa mesma sociedade e nessa mesma História, como o "broker" (não sei se deva dizer "negligente" se, pelo contrário, "diligente" e activo!...) dos "interesses" privados; o Estado na versão "Estado almocreve" que é a forma que, para os diversos matizes do neo-liberalismo vigente, deve pós-modernamente assumir o "antigo" Estado-consciência saído dos ideais da Revolução burguesa de '89.

Um "Estado almocreve" gerido hoje por "desenvolvimentistas pós-morais" da mais... "pura" cepa, "fulaninhos neo-políticos" completamente amorais cuja única missão"... histórica é gerir ("com o prego a fundo", se possível...) a operatividade objectual contínua do 'sistema', para o que contam com a ajuda inestimável da "democracia" (completamente revista por eles e pelos seus pós-ideólogos do "comentário" político que dela fizeram já a "cola teorética" destinada a "grudar solidamente" a Política a uma Economia e ambas firmenente à "História" por eles concebida como um objecto global completamente imóvel no tempo.

A tal casa-forte da Esegur (ou lá como é que se chama "aquilo") trouxe-me à ideia tudo isto---e também esse belo "essor" de indignação e revolta cívicas (não! Políticas!) saído nos frustrados idos de '60 da visão (e da Cãmara!) de homens como Ralph Nelson (desigual como artista mas a quem devemos "coisas" verdadeiramente essenciais e admiráveis como esse fabuloso "Soldier Blue") ou Arthur Penn, o realizador de "Bonnie & Clyde" que vou hoje mesmo rever (e, de um modo muito particular, a sequência em que Clyde Barrow/Warren Beattie descarrega o seu revoltado revólver (a imagem 'alegórica' da sequência em causa podia perfeitamente ser: "Clyde Barrow's Act of Gratuitous Insubmission/Ejaculation: De 'L'Homme Révolté' À 'L' Homme Du Pistolet Revolté'"...

A essa esquência em particular vou revê-la, então, tendo presentes duas ideias/imagens: uma, a de uma sociedde onde há gente que vive com um euro (ou será um "neuro"?...) por dia; outra, a dessa casa-forte de pornográficos Tios Patinhas da vida real, criminosamente indiferentes à miséria que têm de sistemicamente semear a fim de construirem a ficção indecorosa da abundância e da "sociedade dela"...



[Os mais atentos visitantes deste blog não deixarão de observar o modo como eu ("à Godard", cf. "Histoires Du Cinema"...) "re/montei significadamente" as imagens apensas ao texto, 'pilhadas' elas mesmas da Net. Mostrando primeiro, os heróis do filme de Penn em plena glória, depois mortos (assassinados pelo 'sistema', um 'sistema que entesoura estolidamente fortunas indiferente à pobreza em volta...) e fechando através do recurso narrativo a fazer intencionalmente re/coincidirem ponto-por-ponto as personagens da ficção (ou da... subversão?) com os respectivos suportes reais, re/erguidos estes já, simbólica ou simbologicamente, do mundo dos mortos, de novo vivos, ressuscitados a fim de virem em pessoa ainda uma vez assombrar o próprio 'sistema' que os executou.

Já agora: quanto a mim, se, depois disto, não me prenderem, não sei francamente o que possa levá-"los" a fazê-lo...]

terça-feira, 21 de outubro de 2008

"The House of Solomon"


O deão Swift conhecia o Portugal pós-moderno saído das infaustas eleições de "não-sei-quantos" que nos puseram no estado social, cultural e político em que em nos encontramos hoje?

Se conhecia (ou se foi capaz de prever) qualquer dessas calamidades civilizacionais a que temos o extaordinário costume de chamar "políticos", não sei; agora que tem todo o ar disso, ai, isso tem!...

Senão, vejamos os seguintes excertos da terceira parte de "Gulliver's Travels" onde se evocam (e se satirizam convenientemente...) os brilhantes "iluminados" que, pelos vistos, em toda a parte e em todos os tempos se dedicam (se me é permitida a---humildemente o reconheço ---extrema vulgaridade da imagética...) "baixam periodicamente as calções" (expondo e activando, assim, de passo, a única parte do corpo com que são capazes de simular o acto ou actos de pensar...) para emitirem os brilhantes "juízos teóricos sobre a realidade" com que se empenham em martitirizar sociedades inteiras a eles por desgraça (melhor dizendo: por exclusivo efeito da imensa, insondável ignorância destas) submetidas:


"I had hitherto seen only one side of the academy, the other being appropriated to the advancers of speculative learning, of whom I shall say something when I have mentioned one illustrious person more, who is called (...) the universal artist. He told us he had been thirty years employing his thoughts for the improvement of human life. He had two large rooms full of wonderful curiosities, and fifty men at work. Some were condensing air into a dry tangible substance, by extracting the nitre, and softening marble for pillows and pin-cushions; others, petrifying the hoofs of a living horse to preserve them from foundering. The artist himself was at that time busy upon two great designs; the first, to sow land with chaff, wherein he affirmed the true seminal virtue to be contained, as he demonstrated by several experiments which I was not skilful enough to comprehend. The other was, by a certain composition of gums, minerals, and vegetables otwardly applied, to prevent the growth of wool upon two lambs; and he hoped in a reasonable time to propagate the breed of naked sheep all over the kingdom."


Com umas quantas (pequeníssimas) alterações de circunstância possuiremos, por exemplo, uma imagem espantosamente nítida de um certo tipo de "inteligente" ou mesmo "génio de carreira" que continua, hoje-por-hoje, imperturbável, indiferente a revoluções e democracias, a infestar os nossos iluminados ministérios---a começar por esse espantoso mártir da mediocridade dos políticos que é o da (chamada) Educação.

...da chamada "Educação" onde aparentemente pilhas e pilhas destes "especialistas em bizarrias e swifteanas inanidades" de todo o género conspiram afanosamente para tornar a Educação impossível e ensinar um luxo que não podemos de todo permitir-nos...

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Já agora, para completar este ponto da "Antologia" que aqui me proponho reunir ("agora" quer dizer: nestes estranhos tempos de neo-liBERAlismo "social" que todos os dias "deita alegremente fora" um lote inteiro de "professores usados", isto é, dos poucos que ainda vão sabendo "qualquer coisinha"); já agora, dizia, porque não completar, então, este ponto da "Antologia" com esta eloquente descrição do "professor rodrigueano tipo", o único apto a suportar a selvajaria epistemológica e profissional característica destes neo-modernos tempos de pós-História e trans-política...


"The first professor I saw was in a very large room, with forty pupils about him. After salutation, observing me to look earnestly upon a frame, which took up the greatest part of both the length and the breadth of the room, he said perhaps I might wonder to see him employed in a project for improving speculative knoeledge by practical and mechanical operations. But the world would soon be sensible to its usefulness, and he flattered himself that a more noble exalted thought never sprang in any other man's head. Every one knew how laborious the usual method is of attaining to arts and sciences; whereas by his contrivance the most ignorant person at a reasonable charge, and a little bodily labour, may write books ion philosophy, poetry, politics, law, mathematics, and theology, without the least assistance from genius or study. He the led me to the frame, about the sides whereof all his pupils stood in ranks. It was twenty foot square, placed in the middle of the room. The superficies was composed of several bits of wood, about the bigness of a die, but some larger than others. They were all linked together by slender wires. These bits of wood were covered on every square with paper pasted on them, and on these papers were written all the words of their language, in their several moods, tenses, and declensions, but without any order. the professor then desired me to observe, for he was going to set his engine at work. The pupils at his command took each of them hold of an iron handle, whereof there were forty fixed round the edges of the frame, and giving them a sudden turn, the whle disposition of the words was entirely changed. He then commanded six and thirty of the lads to read the several lines softly as they appeared upon the frame; and where they found three ou four words together that might be part of a sentence, they dictated to the four remaining boys who were scribes. This work was repeated three or four times, and at every turn the engine was so contrived that the words shifted into new places, as the square bits of wood moved upside down.
Six hours a day the young students were employed in this labour, and the professor shoed me several volumes in large folio already collected, of broken sentences, which he intended to piece together, and out of those rich materials to give the world a complete body of all arts and sciences; which, however, might still be improved, and much expedited, if the public would raise a fund for making and employing five hundred such frames in Lagado, and oblige the managers to contribute in common their several collections."

O acaso é, de facto, o grande mestre dos mediocres?

A mediocridade, a inteligência dos ineptos e dos social e politicamente--dos historicamente---inúteis?

Com certeza mas já nem sequer isso tem o mérito da novidade: Swift já o havia descoberto há três ou quatro séculos por tantos lugares por quantos andou.

De Lagado a Laputa.


"And back again"...
Jonathan Swift

sábado, 11 de outubro de 2008

"Diabruras preventivas"


Na revista semanal do "Diário de Notícias" (do de 14.09.08, para ser mais preciso) que acidentalmente me veio parar às mãos, dou com uma crónica, imagino que regular, da jornalista Fernanda Câncio incidindo sobre as alterações ao Código do Processo Penal e intitulada "Leituras Preventivas".

Devo dizer que não conheço a jornalista em questão e que, dela, que me recorde nunca havia lido o que quer que fosse que me permitisse formar sobre ela uma, mesmo apenas provisória e muito tentativa, opinião. A verdade, porém, é que, se pretendesse fazê-lo a partir do texto em questão, receio ter de admitir ("for all it is worth"...) que tal opinião não seria previsivelmente muito lisonjeira.

Há, de facto, subjacente à argumentação da jornalista (visando desfazer o nó de conexão entre as referidas alterações ao Código citado---designadamente no que se refere às limitações introduzidas nos pressupostos jurídicos para a prisão preventiva---e o aumento da criminalidade) um sofisma que, a meu ver, inquina, por completo, o debate pela jornalista proposto na sua crónica.

Ou seja: defende a Autora nomeadamente que,


não houve qualquer diminuição de presos em resultado das alterações introduzidas naqueles já referidos pressupostos para a prisão preventiva


e que, cumulativamente,


não é documentável qualquer aumento substantivo da criminalidade cometida por quantos dos presos preventivos terão sido libertados, desde que as alterações em causa tiveram lugar.

Perante isto, onde está, pois, o sofisma?---perguntar-se-á.

A meu ver, basta atentar minimamente nas aduções da Autora do texto para surgir, de imediato, a necessidade de, no mínimo, pôr duas questões:

Primeira: remetendo para a questão de que não tem de haver um aumento da criminalidade imputável aos preventivos libertados para se poder pensar que as alterações à lei possam, ainda assim, ser ou permanecer, em tese, más.

Porquê?

Porque aquilo que muitos (a começar por mim próprio) argumentam é que o "sinal" dado à sociedade é mau, é negativo, independentemente de os criminosos serem os antigos preventivos ou outros quaisquer que até podem por hipótese estar agora a iniciar-se no mundo do crime por se sentirem exactamente tentados a fazê-lo em resultado do tal "sinal" errado, facilmente confundível com demasiada tolerância relativamente à criminalidade, dado pelo legislador.

Ou seja: o facto de não serem os mesmos criminosos que cometeram os antigos crimes e estiveram preventivamente presos pela fundada suspeita de os terem cometido e o cometimento dos "novos" crimes não prova em si mesmo o que quer que seja, ao contrário do que argumenta a articulista que naquela (não) coincidência entre crime e criminosos incompreensivelmente centra em surpreendente exclusivo a sua defesa das alterações.

Segunda: surpreende (a mim, seguramente, surpreende) a adução de que não houve qualquer alteração nos valores ínsitos à população prisional em consequência das ditas alterações. E surpreende porque, se não houve, a pergunta só pode ser: então, para que diabo serviu ela?!

Não se compreende, com efeito.

A alternativa parece, nas aduções da Autora, limitar-se a ser: não sendo má, a medida é "apenas" e de facto insubstantiva, imaterial e irrelevante, senão mesmo objectivamente inexistente na medida em que não produz demonstravelmente consequências.

Surpreendente, no mínimo, não?

Termina a Autora declarando-se implicitamente incapaz de determinar (e cito) "uma causa directa para a criminalidade".

Pessoalmente, devo dizer que partilho, decididamente, com ela da referida (desesperante) incapacidade. Agora, uma coisa eu posso dizer: é que é, seguramente, consultando (e consultando com atenção, com rigor, com seriedade) as estatisticas da pobreza e do desemprego em Portugal, muito mais do que folheando, mesmo com atenção e minúcia, outras quaisquer que poderemos aspirar a aproximar-nos ao menos de uma resposta conclusiva e substantiva, capaz de nos ajudar a já não digo resolver, mas pelo menos ajudar a minimizar e a contribuir para que inflictam de forma relevante os números da criminalidade.

É mesmo, creio eu convictamente, a única possibilidade de fazê-lo.
[Na imagem: Protágoras, o sofista]

"À Carl Sandburg..."

Carl Sandburg é, desde há muito, um dos meus homens de letras favoritos. Escritor profundamente imaginativo, inovador ousado da escrita poética é autor de textos que o saudoso O'Neill traduziu, um dia, para português. Logo que se "encaixe" no espírito deliberadamente des-ordenado deste "Diário" voltarei a ele e a uma abordagem merecidíssima da sua estimulante Obra. Para já fica no que gostaria de poder acreditar é um pouco o 'registo' sandburgueano um texto meu, escrito, também ele, há muito e que evoco, aqui, a propósito do cerco (propagandítico e agora também legislativo) feito a um certo partido político que nem me atrevo a nomear...
"Pronto", disse o cientista, esfregando as mãos de contente. "Consegui, por fim, sintetizar o princípio activo que pode dar um contributo decisivo para que se extingam definitivamente as dezenas de povos índios estabelecidos desde sempre nas terras ricas em petróleo e diamantes de S. O mais difícil está feito! Agora é só demonstrar cientificamente que os povos índios estavam condenados a extinguir-se naturalmente neste início de século!..."


Como gostava de dizer um saudoso professor meu de Física da "velha" Luís de Camões, o Coronel Ramos e Silva, sempre que nos lembrava as atribulações de final-de-ano: "À bon entendeur..."

Também este texto é para "bons entendeurs"...

"Agilização curricular..."

Legenda:

"Os portugueses lêem pouco!..."

"Sim mas isso é devido à falta de imaginação e de iniciativa dos intelectuais, a começar pelos professores. Era só fazer como o Coelho fez com o Eça e o "Crime do Padre Amaro!..."

"?..."

"Pois! Modernizar! Agilizar! Como a ministra fez com os currículos! Imagina, por exemplo, o Canijo. Pegava na "Queda de um Anjo" do Camilo, rebaptizava-o como "A Queca de um Anjo", ia filmá-lo às Baldas da Rainha a uma SEXta-feira, estreava-o noutra em Angra do Erotismo e aí tens toda a gente a ler e o Camilo best-seller!

É preciso é criatividade que é o que "eles" não têm!...



[Pois---intromete-se o titular do blog, assim tipo Cónego Remédios do Herman José quando o Herman José tinha graça---"E qualquer dia estão para aí a defender os casamentos gay e a filmar o "Frei Luís de Sousa" com travestis, nas Calças da Rainha e a rebaptizá-lo de "Furei Luís de Sousa", não é? Ai! Ai! Como dizia o sapateiro: "Avé Maria, cheia de graxa...

Não havia nexexidade!...]

"Cartoon-5"


Legenda:

"O primeiro-ministro é que tem razão! É preciso cuidado com os professores: são perigosos! Vê o caso do Chico..."

"Mas o Chico não morreu de acidente?"

"Pois morreu mas o problema foi o modo como eles o ensinaram: ele fez o 9º ano nas 'Novas Oportunidades' e tirou a carta, tudo há pouco tempo. Depois foi para a estrada mas, como os professores são quase todos incompetentes e o ensinaram mal, não conseguiu ler bem a tabuleta onde dizia "Mantenha-se atento!", leu "Mantenha-se a... tinto!" e ele (que nem sequer bebia!) manteve-se o caminho todo a tinto até que se estampou!

Diz-me lá se os professores não são mesmo perigosos!...

sexta-feira, 10 de outubro de 2008

"A Minha Tia Graziela"


...Ou "Grazy" como lhe chamava o meu Tio Jack!

Da minha Tia "Grazy" (uma alentejana de Moura a quem a vida pregou uma partida terrível transplantando-a quase sem escala das planícies escaldantes do Sul europeu--do "meu Alentejo", como cantava, como só ele sabia, o Piçarra---para a blitz londrina onde lhe morreu um filho, aliás) guardo várias memórias invulgarmente ternas entre as quais destaco um riso literalmente "de vidro" ou "de cristal" que ainda hoje me parece ouvir, retinindo-me alegremente nos tímpanos; um feitio em muitos aspectos semelhante, de resto, ao meu, assim tipo "parte-se-uma-perna-canta-se-uma-canção-e-a-coisa-fica-logo-metade-resolvida"...) e de uma vez que me levou ao cinema, ao Império, ver "A Desaparecida" do Ford.
Eu re/vejo muitas vezes o filme (para aí umas três ou quatro por ano...) mas sempre que o faço, digo baixinho um "olá!" muito especial à memória da minha Tia e ela, lá de onde está, responde-me sempre com outro.
É uma coisa maravilhosa ter uma Tia assim---que nos responde lá de tão longe quando a saudade aperta e a memória nos impele a visitá-la, mesmo que tenha de ser apenas em saudade e ternura!...
Recordo-a (e homenageio-a) aqui (é a da esquerda, em pé, ao lado da minha Avó Elvira) numa fotografia muuuuuuuuito antiga que não lhe faz, aliás, justiça alguma: por ser demasiado pequena mas, sobretudo, por ser muda. Se as pudessem ouvir rir, à fotografia à minha Tia, perceberiam o que eu quero dizer...

Paz à sua alma!

E, oh Tia, guarde "lá" um lugarzinho para mim que já não deve faltar muito para eu dar "aí" um saltinho a vê-la...

"Eu disse... cowboys?..."


Se calhar disse!

Noutro lugar deste "Diário-e" falo, com efeito, desse universo mítico dos justiceiros, "drifters" e "lawmen" invencíveis do Roy Rogers ( "Roy Rogers, Roy Rogers/You were my hero/ A man made of steel/On a horse made of gold", como diz a canção... Dele e da Dale Evans, a mulher... que saudades) e do Clayton Moore (o "mascarilha" de quem tenho uma antologia de velhinhos episódios em DVD e a quem a mascarilha deu claramente a "volta ao miolo"...) ao Audie Murphy (dessa "coisa" fabulosa que é "Night Passage" que é um filme um pouco 'nocturno' que a mim, pessoalmente, me faz, de mais uma maneira, lembrar---ainda que remotamente---a "Long Day's Journey Into Night" do Eugene O'Neill), passando pelo John Wayne d' "A Desaparecida" (definitivos, um e outro, o Wayne e o filme); pelo Dean Martin de "Rio Bravo" (a quem o meu amigo Carlos chamava, com o seu inglês fluentíssimo... triunfalmente "Déané Martiné" e que, quer como cantor, quer como actor metia o "chefe" Sinatra num chinelo ...); do Jimmy Stewart (do meu favoritíssimo "The Man From Laramie" do Anthony Mann, um fulano que percebeu o Stewart como, tirando ele, talvez só o Ford: nem o Capra o 'apanhou' tão bem, é a minha opinião, pronto!); do Mitchum que está simplesmente soberbo no "River Of No Return" do Premminger; do Alan Ladd de "Shane" (que é possivelmente o mais esclarecido e o mais europeu dos filmes "de cowboys" que eu já vi); do Coop, o Gary Cooper de "High Noon" que (como sucedia também com a Bergman e a Mangano, nem precisava de representar: bastava a imagem trágica do seu rosto envelhecido surgir no écrã e a tragédia estava toda ali, muda mas pungente como uma lâmina afiada apontada ao espectador).

Pois, eu falei desses todos mas esqueci estes.

Vejam bem como fui injusto! Trata-se de dois dos maiores heróis do Oeste, aqui apanhados a treinar as respectivas heroicidades no telhado de uma burguesa moradia dos Anjos que já não existe...

Eu se fosse a vocês, acautelava-me...

O mexicano ainda vá-que-não-vá, vendo bem, até tem cara de bom "rapaz", agora aquele "menino" da esquerda!... Ui, Jesus!...