quarta-feira, 6 de janeiro de 2010

"Fellini sobre essa ninfa 'insondável e absoluta, Pina Bausch' "


Fellini falando sobre o seu encontro com Pina Bausch nos dias que antecederam o início das filmagens de "E La Nave Va" [contado em Giovanni Grazzini em "Fellini por Fellini", trad. port. de Helder Pereira Rodrigues, ed. port. Publicações D. Quixote, Lisboa, 1985]:

Entre as [...] personagens que eu ainda não tinha encontrado , na véspera de começar os trabalhos, havia uma importantíssima, a princesa de uma corte austro-húngara, cega de nascença. Nem sequer eu sabia bem o que procurava, o que queria, que rosto, que actriz. Não tinha pontos de referência exactos para escolher uma princesa austro-húngara. Nunca tinha conhecido nenhuma. Mas eis que ali diante de mim, uma noite, no vaivém confuso e suado dos camarins do teatro Argentina, entre um esvoaçar de toalhas de rosto e de portas a abrir e a fechar, tímida, descomposta, diáfana, vestida de escuro, estava a minha princesa austríaca. Era Pina Bausch. Uma freira com gelado, uma santa em patins de rodas, um rosto de santa no exílio, de fundadora de uma ordem religiosa, de juiz de um tribunal metafísico que, de repente, nos pisca o olho... Com o seu rosto aristocrático, terno e cruel, misterioso e familiar, fechado numa enigmática imobilidade, Pina Bausch sorria-me para se dar a reconhecer. Que lindo rosto! Um daqueles rostos destinados a olharem para nós, gigantescos e conturbantes [sic] dos écrans do cinema.
[...]
[...] Eu nada sabia de Pina Bausch. Por outro lado, confesso os meus limites, eu nunca soube quase nada sobre tudo o que diz respeito a óperas e a ballets... [...] Tenho vergonha de o dizer, mas tenho dificuldade em ficar até ao fim.
O espectáculo de Pina Bausch vi-o do princípio ao fim e gostava que tivesse continuado ainda.

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