sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

"Mère Salazar et ses Chiots Puants: L'Histoire Est-Elle Antropophage et Homossexuelle?..."


Le Portugal: de plus en plus, Mère Salazar se regardant à travers les temps dans un miroir impossible...
[Na imagem: "La Flexible Matière de L' Histoire" collage sur papier de Carlos Machado Acabado, dédié à Alexandre O'Neill]

Boris Vian- Le déserteur



Boris Vian par lui-même...

... Et si l'on profitait de son example et l' on decidait de déserter de cette imense poubelle que l'on a fait de notre pays?...

I giorni dell'arcobaleno-Nicola di Bari



Per me eranno senz'altro quei del '74 quando la Storia ci sembravra ancora possibile!...

Almeno ai stronzi e ingenui comme me!...

Brevíssima «Antologia» de «Lugares Selectos» da «Política» Nacional" [I]


Destinada a documentar aspectos vários de um vastíssimo conjunto de reflexões até ao momento produzidas aqui no "Quisto" [e recuperandoi de passo uma velha ideia que me foi comunicada em tempos por Alexandre O'Neill---no «caso» do autor d' «O Reino da Dinamarca» tratar-se-ia da recolha de uma série de «lugares selectos" da pasmaceira nacional que, aliás, ele fez na sua mais o'neilliana Poesia]; destinada, pois, dizia, a ilustrar documentalmente as referidas reflexões, aqui deixo hoje o início de uma «antologia de lugares selectos da Idade Mídia nacional» destinados a facilitar uma ideal séria reflexão sobre a vida nacional, chegados que fomos, como tantas vezes tenho insistido, a uma autêntica "esquina" ou "ângulo", "aresta viva", dela...

1. [Do "Público" de 20.07.10. Texto "Visita de Estado Presidente lembra que portugueses ajudam ao crescimento de Angola/Cavaco defende uma parceria estratégica para facilitar negócios", autor Nuno Sá Lourenço]

"No primeiro dia da visita de Estado a Angola, o Presidente da República foi directo ao assunto. Quer que os angolanos aceitem criar os mecanismos necessários para facilitar a vida aos portuugueses que têm negócios naquele país".

Nem mais! No primeiro dia da tal "visita" [que é suposto ser "de Estado" mas que, na realidade, se parece muito mais outra coisa bem diferente, uma "coisa" envolvendo privadíssimos---e chorudos negócios---com a elite económico-política de um dos petropaíses mais ricos do mundo"]; no primeiro dia da "coisa", ia dizendo, não fosse alguém, algum americano ou francês mais empreendedor ou mais abelhudo antecipar-se, o 'nosso agente em Luanda' vai-se aos tais "angolanos",---uma piedosíssima sinédoque do que até há bem pouco tempo ainda eram os "cleptocratas do MPLA"] e diz-lhes naquele "franco-inglês de Lagos ou Portimão" com tempero de "sepinha de massa" que apimenta o caldudo linguístico do mestre economista doublé de presidente atira-lhes logo: "OK, people! Let's get down to brass-tackles! Moi y en a vouloir des sous, heim?..."

Há muito que venho sublinhando a "volução" operada no clássico conceito de «Estado nação» que, por obra [e desgraça!] da pressão institucional exercida pela economocracia neo-liberal instalada e reinante no "Ocidente" sobre o sistema político "deslizou" já há décadas para uma outra realidade bem distinta a que poderíamos chamar, com propriedade, o "Estado broker" ou em bom [e... o'neilliano] português, o "Estado almocreve".

O "Estado recoveiro" ou mesmo "trapeiro",cabeça de ponte e de turco de negócios privados que é suposto estarem politicamente legitimados por "criarem riqueza e postos de trabalho", riqueza que, na realidade, criaram, sim, mas para uns quantos magnatas "with friends at high places" ["cala-te, boca"!...] e "postos de trabalho" que nunca ninguém viu e hoje, nestes conturbadíssimos tempos de leis laborais feitas e teleguiadas à podoa de um F.M.I.-governo mundial qualquer, menos ainda do que em qualquer outro momento da infelicíssima crónica do capitalismo neo-liberal pós-industrial...

Vale a pena reflectir no naco de prosa do "Público" e tê-lo, entre inúmeros outros que poderia [e hei-de!] citar aqui no "Quisto", sempre que estiver em causa reflectir com seriedade e rigor sobre a natureza [a de classe, seguramente e desde logo!] do Estado em Portugal hoje e sobre a 'ética republicana' do neo-neo-colonialismo [ou... "colonialismo democrático"] onde veio desembocar o velho colonialismo "hard-core" de outros tempos...

Ou sobre as muito tentativas formas de resgate [pós] moderno do papel de intermediação e recovagem em que a História nos permitiu ter em séculos passados e que terão, de resto, constituido o fundamento da desgraça produtiva e até, num certo sentido, da própria independência, nacional.

2. [Do mesmo "Público", agora de uma coluna intitulada "Menos povo na Constituição", da autoria de Leonete Botelho.

Trata-se, neste caso [or curiosiodade no mesmo número do jornal onde se reporta a visita "de Estado" de Cavaco à ex-colónia de Angola, a "jóia da coroa" do dispositivo colonial nacional] do que só pode ser visto como a tentativa por parte do poder neo-liberal "hard core" que ansiosamentre espreita na sombra o desabar dedfinitivo do seu próprio pólo "social" a cargo do "sidekick socialista" para fixar juridicamente o que este desastradamente tentou sem recurso a "mexidas incómodas" na Lei: a consagração do regime de "oligarquia economocracia", supostamente o "motor do desenvolvimento" nacional.

Com os resultados que se conhecem e que todos estamos a sentir na pele...

A citação é a seguinte:

"A proposta de revisão constitucional que Passos Coelho vai levar amanhã ao Conselho Nacional do PSD é, verdadeiramente, todo um programa liberal que altera o âmago do desenho da lei fundamental.

E isto, tanto pelo que lá inscreve e altera nos direitos sociais ou laborais, como pelo que suprime---e suprime grande parte do capítulo económico da Constituição. Assim, esfuma-se a reforma agrária ou a participação dos sindicatos e das associações patronais na definição das principais medidas económicas e sociais, como se fossem a mesma coisa
".

Dúvidas sobre a natureza do estado do Estado nas mãos destes senhores?

Só para quem não lê o "Público", como se vê...


[Na imagem: Desenho de Georg Grosz]

quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

"Da História e Seus Vértices---Algumas Breves Reflexões Pessoais sobre a Pobreza Hoje"


Há um conjunto de conceitos ou de conceituações de natureza pessoal que uso em geral para reflectir e por cuja introdução no nosso léxico crítico comum venho há muito propugnando---conceitos conceituações entre os quais incluo, começo já por dizer, aqueles dois sobre os quais me proponho fazer incidir as brevíssimas notas e reflexões que imediatamente se seguem.

Falo, desde logo, das expressões "pensar e pensamento orgânicos", sendo o primeiro o verbo [transitivo e intransitivo] e o segundo, obviamente, o substantivo, i.e., a subnstanciação dos actos mentais e críticos contidos no primeiro.

Pessoalmente, acredito que a minha formação marxista me sensibilizou para essa necessidade de, em geral, 'pensar organicamente' o real---algo que entendo, aliás, ser fundamental para dele podermos aspirar vir a possuir "imagens criticionais" [outro item útil de semântica pessoal que me atrevo a avançar aqui...] e "representações operativas" minimamente estáveis e fiáveis com as quais pensar com [lá está!] alguma segurança crítica mínima demonstrável, a realidade.

Ocorre-me trazer aqui ainda uma vez as expressões [e as conceituações!] "pensar e pensamento orgânicos" ao ver no "Diário de Notícias" [na edição de 23.12.10, num texto intitulado "Europa 2020 e pobreza", da autoria de Glória Rebelo] de abordada a questão da pobreza nas sociedades capitalistas de hoje.

Nele, começa a autora por recordar que o ano que agora chega ao seu termo foi por muitio estranho que pareça num ano em que ela se tornou, de forma alargada, política de Estado entre nós, com consagração orçamental e tudo, o Ano europeu do Combate à Pobreza e Exclusão Social para passar, de seguida, a constatar algo que é, de facto, inescondível, evidente, ou seja, a "realidade pluridimensional da pobreza", um eufónico eufemismo para referir algo que a mim, pessoalmente, repito, daquela perspectiva orgânica que utilizo como método de abordagem crítica para pensar, em todos os casos, o real se me afigura, de facto, absolutamente óbvio e incontornável.

A própria autora o diz lucidamente logo a seguir quando fala da necessidade primária de "reformar o sistema financeiro internacional" como pressuposto básico para sustentar com um mínimo de desejável eficácia o tal "combate" de que 2010 era, como comecei por referir, suposto ser o ano: o que deveríamos, como siociedade, estar todos a efectivamente empreender e não apenas neste ano que agora finda contra a pobreza.

O problema é que a pobreza não é hoje uma questão autónioma.

O problema é que a pobreza é hoje uma questão sistémica directamente ligada, como tantas vezes tenho dito, à ruptura nuclear da "ecologia producional" tradicionalmente vigente no Ocidente envolvendo formas objectualmente operativas de estase entre, por um lado, "propriedade" e "conhecimento" e, por outro, decorrente dessa mesma dicotomia primária, as que vigoraram em geral entre o que Marx chamou capital constante e capital variável.

Quer dizer: não é possível pensar hoje a pobreza de outro modo que não seja integrando-a organicamente no funcionamento normal do capitalismo pós-industrial e, por muitos "anos europeus de combate" que contra ela se organizem, não subsiste a mínima hipótese séria de contrapor-lhe alguma resistência minimamente eficaz sem que a consideremos integrada naturalmente no todo que é o edifício institucional e até mental do capitalismo tecnológico e mais: como uma resultante inevitável precisamente do modelo de funcionalização e tecnologização intensiva da produção que subjaz àquele e que, em resultado da própria dinânmica concorrencial primária que o anima [e que ele valoriza de forma expressa considerando-a um estímulo essencial ao seu próprio funcionamento] ele, ainda que o quisesse, em caso algum, poderia descartar.

Resulta im/precisamente, pois, de uma forma disfuncionalmente casuística e in-orgânica de pensar a tese de que a pobreza se pode combater de modo autónomo, isto é, isolando-a do funcionamento não apenas normal como, sobretudo, inevitável do sistema e tomando-a, para todos os efeitos, como um mero epifenómeno de circunstância relativamente a todo ele.

O que eu digo é que não há, de facto um "problema de pobreza" [uma... "question" naquele sentido falsa ou mesmo hipocritamente sério que o termo contém em contextos como o de "question juive"...] no Ocidente, hoje: há um modelo de "desenvolvimento" ou de "volução" global das sociedades pós-industriais que o compõem---um modelo baseado na privatização, por um lado, e na funcionalização intensiva do conhecimento, por outro; i.e. na transformação literalmente industrial dos modos de conhecer ou de cognicionar e representar abstractamente a realidade; de estabelecer com esta laços operativos que são continuamente convertidos em "valor", "valor" esse que acaba tornando-se não apenas o objectivo do "conhecer" como, mais grave, o seu próprio objectivo final

Gerar valor é, com efeito, hoje o projecto nuclear das sociedades capitalistas ocidentais: não apenas do capital---das sociedades onde ele determina a direcção e o sentido da História, no seu todo.

O capitalismo agregou a si, com efeito, as sociedades onde vigora envolvendo-as---usando-as---no seu projecto primário de produzir continuamente capital com recurso a formas intermédias, instrumentais, de produção---de bens de consumo, desde logo.

O grande problema [que nos coloca, de resto, hoje, em meu entender, num autêntico vértice da História] é que esse projecto de produzir continuamente capital [não "riqueza", não "bens": capital!] que, durante décadas, teve capacidade para envolver, genérica ainda que muito des-igualmente, as diversas classes sociais, emergindo à superfície da História, de um modo ou de outro, como um projecto social, político e até civilizacional, em termos objectuais, fundamentadamente comum, deixou, em resultado im/precisamente do modo como o capitalismo tecnológico pós-industrial integrou o saber na História [como uma propriedade ou uma propriedade instrumental destinada a produzir capital]; o grande problema, dizia, é que esse projecto de que falo e que esteve na base da relativa estase social, política e civilizacional, no Ocidente deixou de ser possível a partir do momento teórico em que as formas pré-existentes de equilíbrio entre o conhecimento e a tecnologia concretados um e outro num "proletariado mecânico" cada vez mais inteligente e, por isso, auto-suficiente e a sociedade humana se rompeu conduzindo ao absurdo do que chamo a eszifroneia sistémuica do capitalismo moderno i.e. coexistência impossível da prescindibilidade dos indivíduos como produtores, como proletariado e como capital variável com a respectiva imprescindibilidade enquanto mercado que um Estado falsamente "social" [de facto im/puramente instrumental] deixou [por um conjunto de razões que têm, de resto, tudo a ver, elas próprias, com aquele modo nuclearmente disfuncional de integrar continuamente o conhecimento no modelo económico e, de uma forma mais ampla, na História] de ser capaz de seguir recapitalizando, como até aqui.

Não por acaso, a autora do artigo que comecei por citar junta aos pobres 'clássicos' um tipo novo ["pós-moderníssimo'...] de pobres e de pobreza: não já aqueles e aquela que o sistema colocou nas margens estabilizadas de si, tentando sempre encontrar formas operativas de ultrapasssar aquela impossibilidade objectual que consiste em criar e manter, alimentar, um «des-proletariado sistémico», pago com des-salários de dinheiro público a fim de conservar-se estrategicamente fora do sistema, a montante, apenas reentrando nele como mercado; não já esse mas o próprio proletariado interno, o próprio Trabalho canónico, cada vez mais volatilizado e desfixado para além, obviamente, de mal-pago.

Um 'pensar orgânico' incidindo responsavelmenmte sobre a realidade sistémica do capitalismo pós-industrial dos nossos decisivos dias percebe tudo isto e percebe, em última análise, aquilo que eu próprio comecei aqui por afirmar: isto é, que não há maneira de enfrentar o "problema da pobreza" [com aspas por aquelas razões que atrás refiro envolvendo a in-existência de uma pobreza autónoma, marginal ou circunstancial, relativamente ao modo de funcionamento do sistema económico-político na sua forma actual] fora da consideração da necessidade [de facto, da urgência material!] em repensar desde a base todo o modo de produção e, dentro dele, as formas mais modernas da aliança objectiva das classes que tradicionalmente o faziam mover, tendo por base aquela «prescindibilidade paradoxal» de parte substantiva da sociedade humana para fazê-lo começar a funcionar mas a respectiva contraditória e dicotómica indispensabilidade dessa mesma sociedade para comprar os produtos inertes e pretextuais de que ele se serve para re/produzir capital permitindo que todo o modelo siga sendo materialmente possível.


[Na imagem: foto extraída com a devida vénia de yogadork-dot-com]

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

"Feliz Natal"


Um presépio muito especial para celebrar com quem, dos "quísticos amigos" aqui quiser vir, mesmo só muito brevemente, partilhar das minhas "filhós virtuais" e do meu "holográfico peru-e-bacalhau" natalícios, nesta época, diga a gente o que disser, sempre tão simbolicamente íntima e especial que faço absoluta questão de "passar" em espírito também com os Amigos leais deste bravo "Quisto" que sem eles, como diz uma conhecida figura mediática, não teria mesmo graça nenhuma...

quarta-feira, 22 de dezembro de 2010

"Kevin McCarthy, 1914-2010"


Texto a inserir

"Rebecca"

"A Rapariga Sem Nome" e 'Mrs. Danvers' relembradas aqui numa imagem icónica através de versão-revisitação atrevidamente colorizada... Um objecto magnificamente imperfeito, uma obra referencial, eternamente deslumbrante, hipnótica e insondável, fascinantemente permanente...

"De algumas formas comuns de «Pensamento Portátil» sobre Socialismo e a Atitude Socialista, em Geral"

No meio das inúmeras dificuldades de todo o género que inevitavelmente se põem a quem pretende pensar a sociedade humana e as formas possíveis do seu futuro "pela esquerda", por uma esquerda que não seja apenas 'funcional' e manipulativa; ou seja, para quem pretende lidar de frente com a História humana concebendo-a de forma despreconceituosa e intelectualmente ousada como um objecto completamente em aberto e sem "resíduações sistémicos" vindas da sua infra-estrutura económica que a condicionem e acabem sempre fatalmente fazendo refém de si; i.e. para quantos, como eu, pretendem contribuir para que a História mude pelo ângulo ou pelo lado da mudança humanizada mente sã e livre; no meio de tudo isso, dizia, há uma coisa que, mau grado a seriedade natural intrínseca do 'projecto', nunca deixa de me fazer sorrir: o modo como os advogados, os gestores de argumentos, os... "argumentistas" do 'regime' lidam com esse esforço praticado em larga medida objectiva e subjectivamente "sem rede", em especial quando ele procede das instituições e particularmente dos estados.

De Cuba, por exemplo.

De Cuba, a propósito da qual um editorial recente do "Público" [cf. jornal "Público", edição de 15.09.10, editorial intitulado "O líder da oposição no seu labirinto", 2ª parte, "Os despedimentos "bons" de Cuba"] tecia uma série de [invariavelmente arrasadoras] considerações que culminavam na conclusão de que "uma coisa é certa: Cuba deixa de ter razões para atacar o capitalismo. Mesmo o mais selvagem".

Assim mesmo: sem papas na língua.

Na pena.

No teclado do computador.

... que, a fim de evitar perigosas confusões e equívocos de mau gosto, não deve ser "PC" mas, repito, por uma questão de precaução, previsivelmente portátil...

..."Portátil", como o tipo de pensamento que está sempre mais ou menos reconhecivelmente emboscado no discurso de uma direita não apenas 'sistémica', 'orgânica' mas, sobretudo, canibalmente devorista e "sistematizadora" que tudo pretende ver reduzido a si, no projecto obsessivamente distópico ou diatópico de identificar-se definitivamente a si mesma com a História e de confundir-se no limite completamente com ou ela ou, se assim se preferir dizer, de, nesse mesmo limite. se disfarçar, por fim, para qualquer efeito, prático ou teórico, por completo, dela.

Devo dizer que não estou minimamente de acordo com a visão 'significadamente apocalíptica' do ou da editorialista do jornal.

Para mim, o marxismo, o marxismo-leninismo [é disso, no fundo, seja lá o que for que o termo signifique, aquilo de que estamos, aqui, realmente a falar] é, por definição, uma teoria da realidade e uma visão da História e encontra-se, por isso mesmo, igualmente por definição, idealmente forçado a deslocar-se e a evoluir com ela nunca se demitindo, porém, em qualquer caso, de nessa evolução ou a essa evolução agregar uma componente essencial de intervenção directa significadora, deixando, em todos os casos e momentos, a sua marca própria nesse movimento orgânico de coincidência estrita [mas não estreita] naturalmente resultante entre o ter-e-o-ser da própria História.

Admito, por exemplo, muito claramente, que num contexto geopolítico como aquele em que vivemos hoje não tenha necessariamente de fazer sentido [com o carácter impositivo, pelo menos, que assumiu noutros contextos históricos] a noção de "revolução".

Não se trata de acreditar que ela deixou de justificar-se ou de, num certo sentido demissionista e [as?] sistémico entender que a respectiva "revisão" em relação às formas do passado [e contra elas!] se impõe.

Trata-se de perceber como se relacionam, de forma natural e lógica, em si mesmas, 'História' e 'Revolução', concluindo que [para já pelo, menos, nas actuais condições históricas ou geo-históricas prevalecentes no Ocidente] aquilo que hoje é natural que entendamos por Revolução passa muito mais por formas, chamemos-lhes «induzidas», mediatas, e simultaneamente endógenas [ou 'realmente sistémicas'] dela do que por aquele entendimento físico e directo que a Revolução, por exemplo clássico, na Rússia do início do século passado ou na Alemanha espartaquista do pós-guerra de 14-18 assumiu.

A Revolução, hoje, tem de passar incomparavelmente mais pelo esclarecimento junto dos próprios motores essenciais da História que são as pessoas e as classes por elas formadas, das situações, designadamente, no caso do actual momento histórico muito preciso, dos fundamentos reais de uma "crise" que é, ela mesma, como não me canso de insistir, muito mais o resultado inevitável do esgotamento natural de um certo modelo de organização e, sobretudo, de utilização histórica do Estado do que uma simples "crise" pontual ligada 'pelo exterior' à recapitalização funcional do mesmo, como afirmam acreditar os respectivos advogados.

É preciso, volto a sublinhas porqwue se trata de um aspecto fundamental, que as pessoas em geral percebam [a fim de poderem trazer as naturais decorrências para o plano da acção política] que aquilo que está a minar a História hoje não é mais do que a consequência directa do modo como, de acordo com aquilo que tantas vezes aqui tenho repetido, os modelos de integração disfuncional e completamente assistémica do conhecimento na própria História acabaram por conduzir, como seria, aliás, de todo previsível, à ruptura da ecologia de todo o sistema fazendo com que, a partir de um dado momento teórico [que é aquele por que, suponho, estaremos a passar], todo ele, sistema, tenda cada vez mais a tornar-se, por um conjunto de razões perfeitamente demonstráveis, im-possível na sua forma anterior, trazendo, então, de dentro para fora, para a ordem do dia a questão essencial---a questão nuclear!---da Revolução.

O próprio sistema como tal está, pois, como eu o vejo, sistemicamente obrigado a evoluir a fim de conservar-se tão estavelmente quanto lhe for possível e pelo máximo de tempo que lhe for possível, à, diria eu, superfície da História e em condições de "mandar nela", forçando-a, como até aqui, em geral, "tant bien que mal", de uma maneira geral, a obedecer-lhe.

A questão, para mim, consiste, pois, basicamente, em saber "quem chega primeiro à História pela porta da Política", ou seja, quem deixa determinantemente a sua marca no edifício daquela, determinando o rumo da que há-de ser, daqui [ou daí] em diante, feita, construida, conseguida.

Nos tempos que correm, a Revolução, para mim, consiste, nmuma palavra, enquanto modelo teorético essencial, primário, na base em reapropriar-se do Conhecimento nas suas múltiplas formas---a começar pelo conhecimento, pela ciência, da própria História.

O que isto significa muito claramente é que, uma vez iniciada essa transferência de poder no plano político, a mudança iniciar-se-á idealmente, em tese, em consequência disso, como uma exigência ou um imperativo ínsitos e naturais [que, de resto, demonstravelmente são!] da própria realidade e será ela, "en fin de partie", a escolher o modo como---i.e. em que direcção e em que sentido---pretende ela [para usar um conceito e, em geral uma "conceituação" muito subtil mas, de igual modo, muito especificadamente marxistas] ver-se "transformada" assim, como, em última instância, por que classe ou classes sociais considera ela ela que a "transformação" em causa deva ter lugar.

No plano da organização económico-política não creio, ao contrário do que parece acreditar o ou a editorialista do jornal que comecei por citar---voltando, agora, a ele---que "venha mal ao mundo", ao mundo socialista ou a um dos recantos desse mundo [se calhar exactamente ao contrário!] do facto de o Estado, neste "caso", cubano entender que as modalidades do seu ajustamento tentativo à realidade do tempo passam por encontrar formas ulteriores de articulação da sua iniciativa e poder estratégico próprios com modelos de pequena propriedade complementar que facilitem não a reconversão mas, exactamente ao invés, a reagilização da solução socialista que, tal como eu a vejo, não é, de todo, incompatível com formas de auto-emprego e/ou organização cooperativa complementarizadores---a tal abertura à "inciativa privada" que gostam de insinuar, extrapolando das declarações de responsáveis e ex-responsáveis políticos cubanos, os inimigos do respectivo regime.

Fala o editorial em "despedimentos" e associa-os imediatamente a "capitalismo" e até, de forma expressa, do mais "selvagem".

"Já é vontade!" diria eu.

Pois, não fala ele ou ela, imediatamente a seguir ou umas linhas antes, de um conjunto de formas de possível complementarização organizativa a que dá o nome genérico de "auto-emprego" e que passam pela possibilidade [longo tempo reivindicada, de resto, pelos mesmos que agora acerbamente criticam a medida de que até há pouco achavam aquilo que um vendedor ambulante outrora muito popular entre os estudantes do liceu que frequentei em jovem chamava tão pomposa quanto misteriosamente o "suco-suco-do-calo-à-base-de-sucupira-e-cucuruto"]; pois, não foi ele ou ela, dizia, quem pouco antes enunciava essas modalidades complementadoras de organização económica e social que, devidamente enquadradas podem, de facto, representar um dispositivo de ajustamento e renovação/revitalização estrutural do modelo social cubano, sem que, ao invés do que conclui imediatamente o jornal, tenha necessariamente de constituir qualquer esvaziamento desvirtuador dessa natureza social e política que o caracteriza?

Volto a dizer, para terminar: a Esquerda em Portugal deve quase tudo à consistência política de homens com a dimensão intelectual, política, ética, etc. de Álvaro Cunhal que lograram amortecer a inércia do ímpeto desagregador generalizado resultante do fim da União Soviética com todos os seus profundos desvios e gravíssimos erros a qual arrastou consigo a desintegração de vários partidos comunistas europeus, privando as respectivas sociedades de um polo aglutinador importantíssimo no momento actual.

Isso não significa, porém, que o pensamebnto marxista-leninista que o informa deva permanecer inalterado e alheio à eviolçução da própria realidade em seu redor: fazê-lo seria, de resto, dada a natureza dialéctica estruturante do mesmo, negar-se, pura e simplesmente, a próprio.

Pelo contrário significa precisamente o oposto disso: significa estar atento à realidade nos seuss multiplos aspectos e formas e encontrar para cada um deles a resposta orgânica que um paradigma de pensamento igualmente orgânico como é o maxismo se encontra em condições especialmente favoráveis para poder dar.

Com uma condição ou uma cautela básica, de episteme, todavia: a de que quem pretender legitimamente intervir na História com esse propósito revitalizador essencial em mente não esqueça que a fronteira que separa a renovação da negação pura e simples, como a experiência histórica concreta de tantos países demonstra, aliás, à saciedade, é efectivamente, tudo menos menos fácil e tantas vezes, tudo menos clara, também...

Sobretudo para quem tem tendência para se... distrair sempre que se trata de intervir política e, de uma forma mais lata, historicamente em defesa de valores teóricos e ideológicos, porém, de um ponto de vista de Esquerda-com-maiúscula, essenciais...

[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de thehiddenmannah-dot-org]

terça-feira, 21 de dezembro de 2010

"«Mourir, dit-elle...», poème pour E."


De cette main féroce et indéchiffrable même pour moi
je brandis les rêves
les impitoyables rêves
la blessures des rêves
La clairière des rêves
les épaules fécondes du silence
où s'abritent mes rêves
en préméditée désordre .

la tache difficilement tangible de la mémoire enragée
cherchant comme un ciel ou un cible
la tête turgescente qu' elle bouscule
continument de bourdonnements funèbres délétères
et fidélités sagement involontaires.

les chuchotements je me mets alors à perpétrer que je trouve
un jour plus tard prisonniers de ma bouche éclairée
par la cage ombrée des dents comme des doigts fanés
comme un songe réveillé
comme un soudain éclat [ou phosphorescence...]
d' ailes abandonnées

la lumière verticale et autoritaire coupant l' après-midi
comme un dard intoxiqué
du jour acéré le bleu démoli
la purée de la lumière empoisonnée
touts eux comme des routes folles
des âmes oisives
des fureurs malades ou bien des démences fragiles et chétives
ou des fous définitifs
des coups surs
tâchant tous comme des arbres obsédées
ou d' impossibles rêves creux et impurs
d' ouvrir le soir comme un fruit mûr

............................................................................

et moi qui chante mon chant tout blanc illimité et cru
comme un chien dévasté de faim et dru
ou bien un voyage à deux faces en plus
ou encore un rêve providentiel sagement disparu...


Montemor-o-Novo, 22.12.10


[Na Imagem: "Composition grise", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]

"Um lugar com alguém um lugar..."


... onde o espelho criador da vontade longo tempo suprimida---
subitamente desmoronada
a casa insensata de cálculos e louvores---
pousa simplesmente e canta ou arde iluminada
de imprevistos opacos mas lêvedos rumores cor de tenra esmeralda...

sábado, 18 de dezembro de 2010

"Truth...

...will out!
Let's all see it does!

"Luís Garcia Berlanga, 1921-2010"


Faleceu escasso tempo antes de, por coincidência, termos podido rever no grande écrã para o qual foi naturalmente concebido, no âmbito de um ciclo recente de Cinema Espanhol ["III Ciclo de Cinema Espanhol, Contrastes, Entonces y Ahora"] com filmes exibidos no S. Jorge, a sua obra-prima, "Bienvenido Mr. Marshall".

Foi, como alguém, disse um "acrata" inspirado, um "não-integrado" ou um "apocalíptico", um "Homem Necessário" [se alguma vez me ocorresse a mim próprio cunhar um termo para designar aqueles 'indivíduos de lucidez e talento' que operam sempre, no limite, como uma espécie de "espelho móvel, consciencial e crítico" das sociedades onde (não?) se inserem, seria esse de "homem necessário", uma espécie de 'retoma significada' às avessas da expressão/ideia marcusianas do "Homem Unidimensional" mas, de igual modo, de paráfrase irónica dos homens "providenciais" que, em lugar de operarem como consciências das respectivas sociedades as fazem abusivamente reféns de si, parecendo, em algum momento, fazê-lo]; um "homem necessário", pois, de génio que pôs quase tudo na "hispanidade" em questão, desde a igreja católica ["Los Jueves Milagro"] a um certo "ibericismo" delirantemente provinciano e sempre mais ou menos alegremente alheio à realidade e à ciência ou aos modos políticos consistentes de transformá-la ["Bienvenido Mister Marshall"] passando pela análise lúcida de diversos aspectos das relações entre as classes ["Plácido"].

Possuía um estilo subtilmente irónico não isento de cordialidade, calor humano e compreensão, de uma profunda e comovida, humanidade e mesmo amorosa cumplicidade de que "Bienvenido Mister Marshall" é um exemplo imorredouro---um estilo que a necessidade de subtilizar exaustivamente as mensagens, imposta pelo franquismo, potenciou e obrigou a aperfeiçoar e a transformar numa prática ou mesmo numa... praxis cada vez mais estável e tópica e não exclusivamente, como é óbvio, do seu cinema.

Da sua colaboração com Azcona e com outro "B", outro "mosqueteiro" do cinema espanhol, Bardem---o grande Bardem de "Calle Mayor" e "Muerte de un Ciclista", fica uma obra magnífica [o terceiro "B" foi Buñuel, outro empolgante cineasta que o franquismo---com a sua típica pulsão fascistóide para "puxar da pistola repressiva, auto/censória, na presença da inteligência e da cultura...--- tratou caracteristicamente mal...]; da sua colaboração com Azcona e Bardem, dizia, nasceu uma obra única que o Tempo merecidamente consagrou, como ainda recentemente, através dessa obra-chave que, através dos tempos, nos fala da "europeização forçada" em curso que é "Bienvenido...", pudemos reconfirmar.

À semelhança do que sucedeu com tantos outros intelectuais e homens de cultura foi no franquismo que a sua obra atingiu o auge da sua capacidade de intervenção estética, cultural e [no melhor sentido da palavra] política, fornecendo , à sua perversíssima maneira, a ditadura o enquadramento ideal ao seu modo tão característica mas, como disse, sobretudo, tão subtilmente incisivo, de olhar a realidade social, cultu[r]al, mental e política espanhola do seu [e, de algum modo perfeitamente demonstrável, também do nosso...] tempo.

Faleceu em Madrid, a 13 de Novembro, de causas naturais.

"The Mechanics [and Ilogic] of Technocapitalism: the Capitalist Conundrum"


Confesso humildemente que ainda não consegui perceber quem vai pagar, no imediato, esse fundo de desemprego supletivo que resulta daquela "medida" do governo assente no extraordinário princípio que pretende que, para "combater o desemprego" [?] nada melhor que facilitar ulteriormente a sua emergência ou melhor: a sua disseminação por toda a sociedade.

Estou quase seguro de que foi António Peres Metello quem afirmou, na TVI, que o fundo ou "seguro" em causa sairiam de um imposto adicional sobre o trabalho.

Parece, no entanto, que quem, começará por avançar com as verbas necessárias para o "fundo" serão, afinal, os empregadores.

Di-lo o ex-director do "Público", José Manuel Fernandes no artigo inserido na edição de 17.12.10 do jornal com um título tomado de empréstimo de Irene Lisboa: "Uma mão cheia de nada e outra de coisa nenhuma".

Politicamente, a diferença, releva, como é óbvio: sistemicamente, muito pouco.

Politicamente porque é evidente que a "medida" [que parece resultar, sobretudo, do desespero de quem não sabe de todo como há-de resolver uma questão em si mesma sem solução como é a do «desemprego tecnológico» ou «desemprego natural» do sistema] vem contrariar frontalmente a lógica do capitalismo 'moderno' que é a de 'distribuir significadamente' de forma des/estruturalmente des-igual, os custos do modelo de "desenvolvimento", carreando continuamente do público para o privado os benefícios que o mesmo é capaz de gerar, descarregando, no sentido inverso, os respectivos custos.

É esse, em suma, o papel 'histórico' do modelo de "Estado funcional" para que degenerou na prática a ideação generosa do Estado nação ou, mais precisamente do «Estado consciência» que aqui, ao actual poder "pê-ésse" e às calças pardas em que ele se encontra [e nós com ele...] nos trouxe a todos...

Ora, tratando-se de uma medida que, a confirmar-se a exactidão do que diz o autor no artigo, onera ulteriormente o "lado certo", o "lado bom", da dinâmica de funcionamento ordinário, de funcionamento "normal", da máquina capitalista, levanta de imediato resistências de que o texto de Fernandes dá conta.

Ela, a "medida" [concebida, ao que parece, pelos teóricos "pê-ésses" para "aumentar a competitividade do mercado de trabalho"---pelo menos é assim que reza a "bula" ou "manual de instruções" da "coisa"] vem, pois, segundo o articulista, alterar o equilíbrio de poderes, a "ecologia" da máquina "producional" [não gosto, julgo que se percebe sem dificuldade por quê, em definitivo, do termo "produtiva" aqui usado, neste contexto...] despertando, do lado verdadeiramente organizado do paradigma que é o do investimento a reacção de que Fernandes [que por razões que não serão de todo as mesmas, gosta, porém, tanto do actual poder político como eu próprio...] dá conta no seu texto.

Sistemicamente, é todavia relevante a diferença---e pelas razões de que dou conta quatro parágrafos atrás, ou seja, a da insolubilidade social natural do próprio modelo de capitalismo tecnológico.

Do "tecnocapitalist conundrum", da equação matemática impossível do tecno-capitalismo.

Há muito, com efeito, que o "capitalismo social" vem comprando e reintegrando continuamente com recurso exclusivo ao Estado Social, ao dinheiro de todos [levando o modelo de "sociedede disfuncional" capitalista tópica a pagar-se a si mesma, para o que faz circular continuamente no seu interior os fluxos significados de capital público] as suas próprias margens "margens assistémicas", gerindo de forma globalmente satisfatória as dinamias potencialmente dissolutoras que o modelo interiormente gera e que, sem o Estado, levariam previsivelmente, a prazo, à implosão final de todo o paradigma.

Nesse quadro, a "deserificação económica e social" torna-se secundariamente parte do modelo regressando operativamente a ele praticamente sem ruptura.

Isto é: o modelo "gera riqueza", como ele gosta de dizer, na forma social de salários mas, a dado passo, só consegue gerá-la sem se desunir completamente gerando também secundária ou supletivamente des-salários pagos com o dinheiro de todos com os quais compra social e politicamente a disfunção de... ter de gerar 'desertificação'---disfunções ou deformações des/estruturais.

Gerando toda uma des-economia que ele vai depositando na base ou nas margens mas que reentra ulteriormente praticamente sem hiatos no próprio modelo como mercado exactamente porque foi abastecer-se de meios para tanto, ao Estado 'social'.

O grande problema do ponto de vista sistémico não é, pois, o de quem paga os custos da 'desertificação' mas que haja desertificação e custos de 'desertificação' e que a dinâmica ou a i/lógica do processo de geração dos mesmos tenha vindo [porque, a montante, no núcleo activo do modelo, a ecologia estabelecida entre o capital variável e o capital constante parece já ter-se de todo rompido] a tornar-se, de forma gradual, económica e socialmente incomportável e insustentável.

O grande problema prende-se, pois, com a in/capacidade de assegurar que os mecanismois de "des-inerticização" ou "des-bloqueio" do modelo possam ter-se naturalmente já, i.e., por razões sistémicas, des-equilibrado já a um ponto que, para utilizar uma expressão anglo-saxónica eloquente, se situa já "beyond repair", mesmo com recurso aos expedientes recapitalizadores keynesianos ou para-keynesianos mais ou menos clássicos.


[Imagem ilustrativa, "Capitalism and Alienation" de Daniele Pioli, extraída, com natural vénia, de fineartamerica-dot-blogspot-dot-com]

sexta-feira, 17 de dezembro de 2010

"Blake Edwards, 1922-2010"


Não era, definitivamente, um dos meus realizadores "de cabeceira" e nunca ultrapassou---em meu entender, pelo menos---o nível do profissional consistente com uma obra globalmente respeitável ainda que não propriamente equilibrada, não... 'orgânica', de que se destacam coisas como "Wild Rovers", um western razoavelmente interessante, por exemplo, mas acima de tudo "Breakfast At Tiffany's", baseado numa novela de Truman Capote, uma obra onde Edwards consegue, efectivamente, de uma forma particularmente notável e inspirada, criar uma atmosfera de sugestiva e discretamente crepuscular improbabilidade e, por vezes, de quase onírica e mesmo subtilmente desesperada imponderabilidade e solidão a dois, onde a diáfana Audrey Hepburn, no papel hoje clássico, de Holly Golightly é, de facto, inesquecível e até icónica.

Edwards foi casado vários anos com Julie Andrews, que dirigiu num dos seus grandes sucessos, "Victor/Victoria",um filme construido com alguma ousadia [a começar por essa de "sexualizar" abertamente e logo num registo de óbvia ambíguidade a 'imaterial' Julie Andrews] mas, para muitos, ficará, sobretudo, conhecido como o homem a quem devemos o pequeno acervo de filmes protagonizados por Peter Sellers na figura do inspector Clouseau, recentemente retomado por Steve Martin sem o mesmo sucesso.

O cómico da dupla Edwards/Sellers é um cómico algo previsível e mesmo consideravelmente fácil e estereotipado [curiosamente, tanto Sellers como Edwards foram, na vida real, pessoas "complicadas", Edwards num registo existencial que meteu tentativas de suicídio pelo meio e tudo], um cómico para "fiéis" de Sellars mas a verdade é que---talvez, até, por isso mesmo, pela sua facilidade e relativa previsibilidade---os filmes [onde foi lançada a "personagem" que viria, aliás, a quase "roubar" os filmes a Sellars da pantera para sempre ligada ao fabuloso tema nusical de Henry Mancini] conheceram um suceso popular notável.

Além de realizador e argumentista, Edwards foi, também, actor com pequenos papéis em filmes como "Thirty Seconds Over Tokyo" com Spencer Tracy e, sobretudo, no clássico de William Wyler "The Best Years of Our Lives".


Faleceu a 16 de Dezembro na Califórnia de pneumonia.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

"The Hippopotamus Polka"


Poderia perfeitamente descrever a dança da "Grande Europa" germano-francesa com o mais que vulnerável edifício da democracia económica portuguesa...

[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de pemberley-dot-com]

"Sobre a Alteração à Legislação dos Despedimentos"


Uma informação recentíssima diz-nos que sairá de uma percentagem descontada regularmente nos salários dos trabalhadores portugueses, à semelhança, parece, do que acontecia já aqui ao lado em Espanha a fim de custear o fundo de compensação para os trabalhadores despedidos ao abrigo das mudanças recentemente introduzidas na lei respectiva.

Não vou agora aqui pronunciar-me sobre o sofisma [para não dizer: o embuste...] que consiste em defender que despedindo, se emprega mais.

O princípio é manifestamente falso e só um rematado tolo deixa que o convençam de que possui um mínimo de substância argumentativa idónea e /ou fundamento mesmo só remotamente sustentável.

Na melhor das hipóteses leva às últimas consequências [ou até perto delas] a ideia de que compete ao aparelho económico, exactamente como está instalado e institucionalizado, em última instância, viabilizar a possibilidade material de existência dos indivíduos dentro de uma sociedade, consagrando na lei o princípio cientificamente aberrante [surpreendente numa sociedade supostamente estruturada a partir de um projecto ou de uma circunstância "gnoseotópicos"] que prevê a submissão praticamente integral dos ritmos biológicos dos indivíduos aos ritmos sistémicos completamente artificiais daquele mesmo aparelho económico.

Não é, todavia, esse aspecto [que serve, porém, é bom recordar, só por si para sustentar a minha tese da existência de uma economocracia---muito mais do que uma democracia---operando como sistema político real nas sociedades ocidentais de hoje] que aqui me traz agora mas o propósito de registar a nuance operada numa outra tese que venho há muito defendendo que é a que diz que o [impropriamente chamado] "Estado Social" [deveria, de facto, em bom rigor, designar-se por "Estado funcional"] é "comprado" ou "remido" ou "resgatado" com dinheiro do conjunto da sociedade que, em seguida, o coloca praticamente a custo zero [como se diz no futebol...] ao serviço das forças que lideram o aparelho económico e o conjunto do edifício económico-político que eles lideram e administram.

Desta feita, esse mesmo capital colectivo é, nas suas diversas formas, utilizado como um capital de suporte constante na compra, neste caso, do próprio desemprego gerado pelo funcionamento normal do sistema, evitando, desse modo, que os verdadeiros responsáveis pela emergência sistémica deste se vejam controntados com as consequências inevitáveis do modo intrinsecamente des-igual e des-funcional de operar económica, social e politicamente do seu modo de gerir o processo de transformação tópico do real em "valor".

No fundo, trata-se, ainda e sempre, de um velho dispositivo capitalista que está sempre, de um modo ou de outro presente nas sociedades onde ele vigora e que consiste em utilizar o Estado como um mero suporte instrumental, uma espécie de alfaia refinanciadora e recapitalizadora "estratégica" do modelo de economia privada que se encontra, por seu turno, na base, no centro ou no núcleo activo determinante de todo o sistema.

Aqui, no caso vertente, só varia relativamente à função primária de recomposição contínua do mercado pelo recurso prioritário à função complementar de garantir que não se verificam rupturas irregressíveis e insolúveis ou, pelo menos de muito difícil solução, de carácter abertamente social e político no modelo, que assim pode, em termos práticos. continuar a funcionar apesar dos gravíssimos sobressaltos sistémicos que o seu funcionamento de gforma regular está condenado a gerar.


[Imagem extraída, com a decida vénia, de cominidad-dot-elpais-dot-com]

"Lá Como Cá: Na Berluscónia como na Socratónia..."


Pasquale Di Carlo no "Facebook"
SALVIAMO LA SCUOLA PUBBLICA, NO AI FINANZIAMENTI ALLE SCUOLE PRIVATE, DIFENDIAMO L’UNIVERSITA’ E LA CULTURA.COME IN INGHILTERRA ANCHE IN ITALIA GLI STUDENTI SI RIBELLANO.

I tagli alla scuola pubblica significano tante cose negative per studenti e insegnanti.

Dopo la cancellazione di 143.000 posti di lavoro nella scuolaLe conseguenze sono: classi sovraffollate, fino a 32 studenti.

Indirizzi cancellati o non attivati.

La riduzione delle materie di insegnamento.

Tagli superiori ai 100 milioni di euro per gli studenti che hanno bisogno del sostegno e per quelli che usufruivano di sconti sui libri.

Negli ultimi anni per il funzionamento della scuola pubblica si è passati da 823 a 350 milioni, mentre lo stanziamento delle supplenze è diminuito nello stesso tempo del 72 %.

Non c’è una lira per gli acquisti e per l’innovazione degli strumenti e delle strutture scolastiche.

Ora vogliono affossare l’università mettendola in mano ai privati.

E mentre la scuola pubblica viene affondata, la legge di stabilità del governo ha aumentato di 245 milioni di euro i finanziamenti a favore delle private, che ricevono in regalo, alla faccia della Costituzione, 526 milioni per il prossimo anno scolastico.


ORA BASTA ! FACCIAMO CRESCERE LA LOTTA, IL TEMPO DELLA RASSEGNAZIONE E’ FINITO.


Associazione Culturale CASA ROSSA

[Na imagem: foto do Maio de 68 em França, extraída com a devida vénia de culturareligare-dot-wordpress-dot-com]

Leiturando sobre os Mecanismos de Formação da Memória e da Identidade Humanas"


Dois textos da edição de 30.10.10 do "Público" sugerem-e algumas reflexões pessoais breves sobre o modo como não exactamente a "cultura" mas os nossos [vou usar uma analogia saída da minha formação académica linguística] os nossos... "culturolectos", o universo nuclear dos nossos... "culturolectos" se forma e se consolida, consolidando, de passo, o edifício tópico das nossas "identidades" individuais.

O primeiro, é um texto da autoria de Pacheco Pereira, uma pessoa de que, devo dizer, não gosto especialmente e a cujas lucubrações, em geral, demasiado pomposas, retórias, irrelevantes e invariavelmente vazias de originalidade sou confessadamente pouco sensível.

Não é, todavia, qualquer identificação de aionda assim mera circunstância com ideias por ele veiculadas no texto intitulado "Há três anos atrás seria ficção científica" que me leva a citá-lo mas tão somente as freferências que faz a um tal iPad e o facto de o texto referido ter coincidido com um outtro sobre um tema que julgo saber o autor do texto despreza e que é o futebol.

Falando sobre o iPad, Pereira traz à colação uma circunstância que já se tornou uma constante [ou aquilo a que eu chamaria um específico objectual] da nossa época: a possibilidade de registar continuamente 'memória da realidade'---"em suportes objectuais" que a tornam ilimitadamente reutilizável, é verdade, mas que são, de igual modo, num certo sentido funcional directo muito preciso, muito... "cultu[r]al", "limitadamente objectuantes" na medida em que limitam---em que a sua utilização tópica limita; em que ela tende sempre, de um modo ou de outro, a aparecer associada a formas estáveis de utilização que limitam---os 'usos teóricos' do real fora daquele universo circunscritamente funcional que faz com o que em última instância define a nossa relação relação tópica com o real seja a prática de usá-lo continuamente reinvestido em si mesmo.

Ou seja: antes da invenção das formas de registo final, tecnologicamente inargumentáveis, das imagens que somos capazes de produzir ou de gerar da realidade, era possível ao ser humano, à consciência do ser humano, reinventar autronomamente muita dessa realidade e investir nessa reinvenção formas de "criatividade emocional e e de inventiva afeccional" que desempenhavam, a meu ver, um papel particular central absolutamente relevante na construção final da identidade cognitiva mas, de igual modo, afectiva ou afeccional.

Antes da introdução do video, por exemplo, os filmes [e os rostos, as circunstâncias, a imagética dentro deles] mesmo com cinemas chamados "de reprise" disseminados pelo nosso universo institucional e cultu[r]al, eram, em regra, vistos uma vez e reinventados subsequentemente na [sub] consciência um número teoricamente ilimitado de vezes até, muitas vezes, se perderem eles mesmos por inteiro da sua "identidade" própria, devorados que eram pela memória que deles tínhamos a fim de servirem de "alimento construcional" à nossa própria identidade.

Um processo em tudo análogo ao que ocorria no âmbito mais demonstravelmente intelectualizado da formação de conceitos, por exemplo, matemáticos antes da introdução das calculadoras no domínio da do/discência e, por conseguinte, da formação de consciência ou de consciencialidade objectiva---calculadoras eesas que permitem operar elisões angulares, verticiais, "sobres/saltos epistemeoformes" na nossa relação cognitiva e operativa imediata com o real e, portanto, também, noutro plano mais estável e inteleccionalmente identitário, na nossa maneira de perceber e auto/representar autonomamente, digamos assim, aquele mesmo real.

Ou ainda, noutra fase, com os computadores e a nossa capacidade cada vez mais reduzida de perceber abstractamente formas no espaço, i.e. de pensar com espacializações puramente críticas, instintivas ou instintuais, do próprio real.

Ou seja: todas as formas de "objectuar terminalmente" o real que são um traço dominante e tópico da nossa época mental surgem para reduzir a nossa própria capacidade educável para "subjectuá-lo" quer afectiva ou afeccional quer crítica ou, como prefiro dizer, de um modo mais amplo, criticionalmente mas, igual modo, para funcionalizá-la limitando a nossa aptidão natural para produzir o que, de novo com recurso a um léxico para-linguístico, gerar autonomamente "afectemas" ou "afeccionemas" com os quais, para o bem e para o mal, pensávamos topicamente ainda não há muito tempo mental e crítico---ou "criticional".

Era infiáveis muitas dessas imagens abstrctas que gerávamos do real?

Eram-no demonstravelmente: quantos filmes re/vi eu de um mesmo filme, na infância.

Mas o que eu quero dizer é que a possibilidade tecnologicamente sustentada de não fazê-lo não configura, por si só, um bem e que no nosso mundo 'tecnologicamente categórico' de hoje grande parte das tarefas de "revolução" e de "re-humanicização" passam por tentar não amputar a identidade do seu património original em matéria de "imaginação afeccional"---algo que constitui, em meu entender, em si mesmo, algo de absolutamente essencial no processo filogénico de "individuação funcionante" ou "filo-funcionante" onde se origina, em última instância, a própria identidade como "dado ou objecto natural".

E aqui surge o segundo texto, aquele ["O excêntrico que precisa da fama para viver"] em que Filipe Escobar de Lima fala do futebolista Maradona comparando-o a Pelé, outro jogador de futebol, brasileiro esse.

De Maradona, diz o autor, possuimos toda uma parafernália de imagens que nos permitem ver o que o futebolista realmente fez.

De Pelé, diz, muito pouco: Pelé foi um homem e um futebolista de uma era anterior à nossa era tecnológica em que a memória que possuíamos/construíamos das coisas era ainda, em larguíssima medida, no caso dele, "artesanal" e [utilizo aqui o termo com total intencionalidade!] "livre" e por isso se tornou num mito.

Uma era afeccionalmente fecunda---e criticionalmente [volto a dizer: para o bem e para o mal] "livre" que permitiu que o que hoje se "sabe" de Pelé seja, em larga medida, o mito que em torno dele construímos e que vamos, a cada novo dia [e a cada novo jogador que surge] reacomodando continuamente de acordo com a nossa vontade---ou, como diria um psicanalista, com o desejo.

Aplicamos aí ainda o modelo de "pensar mitogénico" que informou o modelo tradicional informal ou total e "transversante" de História ou de historicidade popular a partir do qual construímos ainda hoje, pois, os modelos da nossa historicidfade simultaneamente "objectiva" e "científica".

Uma 'era tecnológica' é, por definição, uma era não apenas sem identidade ou com a identidade [e os mecanismos geradores de identidade] amputados de uma parte significativa de si---um não-Tempo ou um não-lugar no tempo cultu[r]al---mas, de igual modo e por essa mesma razão, sem verdadeiros mitos.

Ou com os mitos---até esses---impostos: primeiro, pela tecnologia e pelo tipo de pensar tópico que ela introduziu na sociedade e, em seguida, pela Política de que a Tecnocracia se serve exactamente para introduzi-lo---e impô-lo.


[Na imagem: Salvador Dali, "O Nascimento da Filosofia" extraído, com, a devida vénia, de]

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

"Alterações Forçadas na Estrutura Operativa do Wikileaks"


Kristinn Hrafnsson é o novo porta-voz da Wikileaks. Trata-se de um prestigiado jornalista islandês que trabalhou na televisão pública da Islândia e que, com uma pequena equipa de TV, produziu algumas das mais importantes reportagens da situação de guerra no Iraque, tendo sido o responsável pela difusão recente de um vídeo feito pelo próprio exército norte-americano em que se vê um helicóptero das tropas invasoras a disparar indiscriminadamente sobre civis, inclusive sobre uma carrinha que pretendia socorrer os feridos atingidos.

[Apud Facebook, foto de Viriato Porto]

terça-feira, 14 de dezembro de 2010

"Leiturando Sobre a Realidade A Toda a Volta..."


Dois aspectos, duas questões da vida nacional, observados com base em matéria informativa constante da edição do "Pùblico" de 13.12.10.

Primeira questão: envolvendo a deliberação da Assembleia Legislativa Regional dos Açores de "neutralizar" [recorro à semântica de um artigo do jornal e da edição citados da autoria de Paulo Trigo Pereira, intitulado "A questão regional: cinco falácias e um problema"].

A minha formação académica e profissional não me qualifica para abordar responsavelmente os aspectos quer jurídicos, quer especificamente económicos e financeiros da questão.

A de cidadão, porém, permite-me [de facto, impõe-me!] que diga o seguinte.

Aparentemente não há, em última instância, coisa alguma de substantivamente ilegal na deliberação da Assembleias Regional açoriana.

O próprio articulista, com uma ligeiríssima hesitação embora, o admite num parágrafo que não vou agora, aqui, re-citar na totalidade devido à sua extrensão mas onde conclui que "o subsídio é eticamente condenável, [sic] mas pode ser constitucionalmente viável"; o próprio articulista, dizia, reconhece a admissível legalidade formal da deliberação.

Ora, para mim, a questão é muito claramente esta: não sei, volto a dizer, se ela é "en fin de partie", inargumentavelmente legal ou não; agora, sei o seguinte: sei que ela cria obviamente [além do evidente incómodo no seio de um governo que, por ter demasiado medo dos banqueiros e da grande finança em geral e/ou por ser demasiado inepto para encontrar uma solução equitativa para o problema orçamental e fazer outra coisa, corta a direito impiedosamente no Estado "social"] disparidades dificilmente explicáveis e dificilmente suportáveis sem revolta ou, pelo menos, sem debate sério, sem séria reflexão, entre os portugueses como eu---e que isso só pode significar uma coisa.

Só pode querer dizer que, mais uma vez, quem legisla, agora, em matéria de "descarga legislativa e administrativa regionalizante de poderes" não o soube fazer, criando a possibilidade de se estabelecerem [de forma ultimativamente de todo legal, pelos vistos] assimetrias e situações de objectiva arbitrariedade e material discriminação entre cidadãos de um mesmo país e isso é que para mim está óbvia e irregressivelmente em causa.

Se a deliberação fosse ilegal, é caso para dizer que "tudo bem": recorria-se aos tribunais e a "coisa", no limite, compunha-se.

Sendo formalmente legal, como parece ser, a questão é bem mais grave e permite [força a!] pôr o problema essencial da [in] adequação objectual da Ética e da lei que a serve ou devia, em todos os momentos e circunstâncias, servir; da [in] adequação entre a Ética e os mecanismos específicos concebidos pelas sociedades para trazê-la para o «concreto operativo» da vida das pessoas---que é, salvo melhor opinião, a razão de ser essencial e última ou ultimativa da Lei, dos sistemas jurídicos das sociedades civilizadas e o ângulo pelo qual os cidadãos, leigos em matéria da forma das leis que regem as sociedades onde eles se inserem, devem abordar as questões envolvendo aquelas, as leis, mas envolvendo, sobretudo, a sua própria relação estável e orgânica com elas.

Ora, aqui, tal como sucede, por exemplo, naquele outro caso, das escutas telefónicas em que a "forma" das leis bloqueia---mais do que sistemática: sistemicamente---a aplicação normal do respectivo conteúdo criando, desse modo, uma disfunção nuclear que é o impossibilitar legal-formalmente que situações de evidente imoralidade, a fim de que a lei se cumpra, [?] permaneçam impunidas e, por conseguinte, impunes--uma deformação consistente de episteme que afecta aquela função primária do uso social da lei que, repito, salvo melhor opinião, consiste em concretizar [ou em «concretar»] histórica e socialmente a própria consciência moral das sociedades que a criam---algo que é, diria eu, uma verdadeira "doença genética fatal" dos sistemas legislativos, com certeza, mas, muito especialmente, das próprias sociedades no seu todo, incapazes de seguir sendo, de forma concreta, demonstrável, objectiva, «sociedades [efectiva e operativamente!] éticas» e/ou/porque «eticamente íntegras e orgânicas».
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Segundo aspecto: a tenebrosa questão chamada comummente dos "voos da CIA".

Se o governo português tivesse ainda alguma credibilidade pública, nacional ou internacional, correria, desta feita, em resultado das flutuações erráticas da respectiva "argumentação/justificação" nesta matéria [como ainda ontem alguém lembrava num programa televisisivo, enunciado-as uma a uma] sério risco de perdê-la de vez.

Feliz ou infelizmente, não a tem---e por isso, por esse lado, o problema está [tristemente mas enfim!] "resolvido".

Sucede, todavia, que no editorial do "Público" citado, vem uma referência directa à questão numa abordagem onde se lamenta o brumoso secretismo que rodeou aquilo que poderia, porém, segundo o ou a editorialista, constituir "a reversão de uma decisão errada e violadora da lei internacional" [a detenção arbitrária e objectivamente criminosa de... "suspeitos" políticos; a respectiva submissão a um regime de encarceramento brutal com recurso a formas de confessa "tortura funcional"... legal (!) e genericamente a manutenção monstruosamente fora de um sistema jurídico civilizado de indivíduos politicamente seleccionados ("rounded up") por e também para forças exclusivamente policiais, tornadas abusivamente "polícia política"]; sucede, porém, dizia, que o ou a editorialista do jornal acham que fazer regressar as vítimas desta monstruosa iniquidade, deste verdadeiro crime, deste des/entendimento abjectamente... "pária" da Justiça e da Lei poderia ser uma 'coisa boa' [ou, pelos melhor, "reversora"] de algo que era inqualificavelmente perverso e repulsivamente imoral.

No Alentejo onde decorreu parte da minha meninice usava-se, com frequência, uma expressão irónica [dos tempos em que o Alentejo, além de latifundiários e respectivas vítimas, dava pão...] que, em minha casa, se utilizava muito e que era, quando algo de irreversível se achava feito, dizer: "Olha! Agora, desamassa que caíu o forno!..."

Claro que a farinha e a água, uma vez misturadas e convertidas em massa, deixam de ter regressão às formas originais: estão, nesse sentido preciso, condenadas a ser algo de novo que, no caso, por... acaso, até era bom: o [para alguns tão escasso e tão dificilmente conquistado!] pão.

Sucede que aqui, no caso dos prisioneiros dessa abominação que foi [e continua a ser!] Guantánamo [deixem-me que seja vulgar e violento como os próprios factos a que se reporta a minha reflexão!] só para a cáfila de alarves, bárbaros mal-enjorcados e abomináveis incivilizados que a criaram e para aqueles que com ela, a pretexto do "realismo político", foram objectivamente pactuando, não é.

Para qualquer ser minimamente civilizado, decente e humano, Guantánamo e tudo o que a ele se refere é uma monstruosidade sem nome que remete para um passado recente de concentracionismo, primitivismo, selvajaria e im/pura arbitrariedade que uns negam por palavras e são presos mas que outros cometem a abjecção de negar nas práticas e são poderes políticos [não sei se posso dizer: perfeitamente...] legais...

São os "negacionistas objectuais" do "bushismo" e seus cúmplices que, agora, por este entendimento impossivelmente "reversor" dos verdadeiros crimes praticados, veriam as suas malfeitorias... "desmalfeitoradas" ou o pão amargo que criaram para uns quantos infelizes que tiveram o azar de não lhes cair em graça... "dessamassado", como no sarcástico anexim familiar da minha infância...

Os "voos da Cia", mesmo os do "regresso", eram, foram e são manobras atabalhoadas de quem percebeu que "meteu o pé na argola" da desumanidade e do pariato jurídico e carcelário im/puro e simples e não sabe, agora, como há-de descartar-se da "mancada".

Não fazem reverter coisa alguma, não restauram humanidade perdida alguma, não "resolvem" rigorosamente o que quer que seja, no plano factual como no moral e civilizacional.

À semelhança do que acontece nos filmes policiais agora é tempo de o criminoso se desfazer do corpo e não sabe como...

A questão é: mas será que ajudá-lo a desfazer-se desse mesmo corpo faz quem assim procede menos co-autor, por cumplicidade objectiva, do próprio crime?...


Vale seguramente a pena "perder" nem que seja apenas uns brevíssimos instantes a reflectir sobre isto...


[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de moradasdedeus-dot-blogspot-dot-com]

domingo, 12 de dezembro de 2010

"A confirmar-se..."


...constitui uma infâmia inqualificável que diz tudo sobre a "ética dos negócios" e sobre o estado miserável a que, no plano moral e político, o País chegou!

Vale a pena ler [e que cada um tire as suas conclusões e faça o seu juízo moral sobre as personagens envolvidas] a notícia que me chega via Facebook e que não traduzo por uma questão de escrúpulo de exactidão e rigor.

Sem mais comentários, aqui fica:

"La relación entre negocios y política transita a veces por el filo de la navaja. Carlos Santos Ferreira, presidente del Banco Comercial Portugués, conocido como Millennium BCP, primera entidad privada del país, intentó cuadrar intereses tan contradictorios como hacer negocios con Irán sin que ello afectara la excelente relación de Portugal con Estados Unidos. Para ello, propuso poco menos que hacer labores de espionaje al servicio de EE UU, al proponer desembarcar en Irán y, a cambio, ofrecer a Washington información de las actividades financieras de la República Islámica. La operación, según un despacho remitido en febrero de este año por la Embajada estadounidense en Lisboa, cuenta con el conocimiento del primer ministro portugués, José Sócrates y de miembros de su Gobierno" [...].

[Na imagem: "Snitch/o bufo" extraído com a devida vénia de metroactive-dot-com]

"Utrillo"


É, juntamente com Renoir e Rouault o meu preferido da grande [e 'luminosa'!] família de artistas plásticos oitocentistas franceses.

Ao contrário de Renoir, que é o pintor das atmosferas das coisas e das pessoas vulgares, o mais pragmático e carnal dos três e de Rouault que é o trágico---e metafísico---da pintura moderna francesa, Utrillo é o artista dos espaços-espíritos, o homem dos fragmentos delicados das emoções---e também aquele que melhor capta o que Butor chamou "le génie du lieu"--- de uma certa Paris, muito mais interior e espiritual do que "a de" Renoir e incomparavelmente menos trágica e metafísica do que a de Rouault.


[Na imagem: Le Quartier Saint Romaine, por Utrillo]

"Renoir...."

...a fina inteligência da cor: toda uma classe cuja afirmação histórica se consolida e assume a forma de uma consciência reconhecível---que é também estética, que é também visual ou visualizável--- de si.

"Dio! Come Siamo Caduti in Basso!..."


No dia para que está marcada a derrota com o Braga, descubro no atuleirus-dot-com esta coisa com piada para quem como eu se vê, por vezes, compelido pela força das circunstâncias a ter do benfiquismo uma visão francamente mais masoquista [e até cinicamente auto-punitiva] do que gostaria...
[Oh! Diacho! Sinto-me enganado! Descubro, com surpresa, que afinal, não perdemos o jogo!
Meu Deus! Quem estará a... descaracterizar o futebol do meu clube?!...]

sábado, 11 de dezembro de 2010

"Vox Clamantis in Deserto..."


Vox Clamantis ("the voice of one crying out") is a Latin poem of around 10,000 lines in elegiac verse by John Gower that recounts the events and tragedy of the 1381 Peasant's Rising.

The poem takes aim at the corruption of society and laments the rise of evil. Gower takes an entirely aristocratic side in the poem, regarding the peasants' claims as invalid and their actions as following the anti-Christ.

Gower's earlier Mirour l'Omme had proposed the metaphor of the microcosm: man is, within himself, a miniature world and a metaphor of the world. As disorders occur in the man, they occur in the wider world. In Vox Clamantis, the same general trope is employed, but Gower emphasizes the role of the political, with a dire view of the effects of the polis and political on both the man and the cosmos. Gower outlines the proper duty of each of the three estates of society and argues that none of those alive were close to acting in a proper manner.

The poem is an important account of life under Richard II in London and the effects of the peasants' rebellion. Using the rebellion (which clinched several demands for the peasants) as an allegory, Gower expresses his concern for a future vacant of law and education. Gower, who frequently stressed the importance of each concept in his work, feared that either would be meaningless in a land rife with barbarism and chaos, and men of his position would have no purpose.

Gower’s Latin poetry is well executed by medieval standards, with both vocabulary and prosidy handled with competence. A very large number both of couplets and longer passages are borrowed from other writers, often from Ovid or a medieval writer, such as Alexander Neckam, Peter Riga, Godfrey of Viterbo, or the author of Speculum Stultorum.

Like the poem, Dartmouth College's motto, "Vox Clamantis in Deserto," alludes to the Gospel of John (where the voice is that of John the Baptist), quoting the Book of Isaiah.


[From Wikipedia]

"Lets wiki... lick them!"


Este blogue assume posição expressa e pública contra qualquer forma de "cover up" a pretexto de um supostamente "legítimo secretismo diplomático" designadamente de crimes de guerra e atentados aos direitos humanos e, nesse sentido e com esse espírito, o seu titular declara aprovar explicitamente a ideia de divulgar quaisquer documentos ou factos adequadamente documentados que contribuam junto da opinião pública mundial, para impedir que qualquer das formas de abjecção atrás referidas seja praticada sem que os responsáveis sejam tão rápida e tão eficazmente quanto possível expostos e devidamente denunciados àquela mesma opinião pública mundial em nome de quem e a pretexto da defesa de alegados interesses da qual os actos em causa são, na grande maioria dos casos, praticados.

Luciano Pavarotti - Montreal - 1978 - Adeste Fideles

"Ensino: Público ou Privado?"


Diz-se habitualmente que os números apenas provam, em última instância, aquilo que com eles pretendermos que seja provado.

Dois números, pontualmente contrapostos podem, em mãos hábeis, provar, afinal, "qualquer coisa e o seu contrário".

Um exemplo?

O mais recente estudo da OCDE sobre o ensino em Portugal.

Segundo um conhecido ficcionista político português e putativo licenciado, prova qualquer coisa em si mesmo aberrante e mesmo monstruosa do tipo de "Portugal estar, em matéria educativa, comprovadamente no caminho certo".

Segundo um reputado ex-director de jornal diário com contas a ajustar com o poder actual, um aspecto particular dele, estudo [o relativo---mas perfeitamente demonstrável] sucesso das escolas privadas sobre as públicas demonstra ou sugere a demonstração limite de que todas as públicas deviam ser privadas se quisessem ter sucesso, também ou coisa parecida [para Passos Coelho, o "próximo Sócrates" que vai sair na rifa aos portugueses, devem mesmo].

Ora, nem Portugal está infelizmente no "caminho certo" em matéria educativa, como pretende a celebridade académica e política que comecei por referir---bem pelo contrário, como qualquer professor, mesmo anónimo, medíocre e constantemente mal-tratado pelo poder que agora vem a público celebrar o triunfo do "seu" modelo... "educativo" que não perde um ensejo de mostrar que mais do desprezar e maltratar não faz a mínima ideia de para que serve; nem Portugal, dizia, está em qualquer "caminho certo" [a não ser, obviamente, para se desgraçar ainda mais cultutal, social e até económica e politicamente...] nem o problema das escolas públicas é não serem privadas ou coisa parecida.

O grande problema da Escola pública situa-se, a meu ver, fora dela: num projecto inexistente de "Portugal" e numa classe política do pior que imaginar se pode, em matéria quer educativa, quer ética, quer cultyural quer até especificamente política.

Muitas verzes o repeti: a ditadura, mesmo no auge do obscurantismo salazarista teve um projecto educativo.

Era mau, era intelectitual e intelectiva ou inteleccionalmente redutor, era económica e politicamente imobilista e era socialmente classista mas ela teve-o e teve gente com a discutível capacidade para implenmentá-lo e transformá-lo num sistema de ensino, no que chamo "um paradigma de educatividade".

Teve uma escola orgânica e, de uma forma mais lata, uma «sociedade orgânica».

Uma «sociedade orgânica» obrigatória?

Sem dúvida---mas teve-a.

Chegou a tê-la.

Teve-a... enquanto a teve e/ou pôde tê-la.

Teve um projecto de país---que era mau, que era péssimo, que derivava do projecto de "capitalismo total" ideado pelos autoritarismos tópicos do início do século passado---mas teve-o.

Há uma sequência no filme de Franklin J. Shaeffner, "Patton" que mostra o conhecido militarão norte-americano a "cumprimentar" ironicamente um soldado que dormia em serviço porque, dizia, "era o único que tinha uma ideia precisa do que andava a fazer na guerra" ou coisa que o valha...

Da ditadura se pode dizer outro tanto: teve o grande qualidade de "saber o que andava a fazer na História"----e como fazê-lo.

Sem ironia: a grande qualidade da Escola ou da "escolicidade" salazarista foi o de ser uma escolicidade tradicional que pôde e quis ter subscrito um "contrato social" e até, num certo sentido, "civilizacional" com a sociedade portuguesa.

De lho ter imposto?

Com certeza: era esse o seu modo normal, tópico, de proceder relativamente à História: impô-la por lei.

O grande defeito da "democracia" que históprica e politicamente se lhe seguiu foi o de tê-la, exactamente ao invés, abandonado.

Confessadamente ou não, a "democracia" [falo do período que, em termos educacionais se inicia com um tenebroso consulado Sottomayor Cardia] sempre partiu do princípio de que a História "estava ali para ficar", de que a História boa é a "que não se vê" e "se confunde completamente com" [sei lá!] com o céu, com a paisagem, com o próprio Tempo.

Uma História que "não se vê", não se discute, nem se questiona: tem-se por adquirida e segue-se em frente sem mais conversas...

Parece algo democraticamente aberrante e monstruoso---e é!

Mas nem por isso é menos verdade.

Como tantas vezes tenho dito, o sistema que, a partir do primeiro governo constitrucional se instalou e foi consolidando em Portugal não crê na História e imagina a Política muito... 'von clausewitzeanamente' como "um prolongamento natural [e, acrescento eu, sublinhando: e funcional] da economia por outros meios".

Um "revestimento politiforme móvel" do "caroço economocrata" do sistema que ela, "política", deve em todos os casos, "arguir" e demonstrar.

Para o sistema a política não é a "oficina" e [casa das máquinas] da História": é a sua "despensa argumentativa".

O único projecto de História e de país ou sociedade que tem é o... "ir vivendo assim que assim é que se está bem".

Realmente diferente do 'projecto de vida' da ditadura?

Não, de facto: diferente é a circunstância de, na ditadura, o "ir vivendo" e o deixar a História ficar tanto tempo tempo quanto possível [e se possível, 'eternamente'...] no exacto lugar em que se encontrava na altura em que cada um chega à História; o usar o presente como um grande e único futuro individual e colectivo constituia um projecto assumido, à sua maneira cuidadosa---estrategicamente---racionalizado---e minuciosamente institucionalizado.

Como digo: a ditadura impôs à sociedade portuguesa um contrato social e, especificamente,educacional onde os deveres e regalias ou 'direitos' de cada parte estavam perfeitamente claros e eram [obrigatoriamente] reconhecidos.

O Estado "dava a Educação": definia [de facto, impunha!] à "sua" sociedade um modelo, um paradigma especfífico de erudição [ou de erudições] e também, naturalmente, de ética assim como um quadro estável, reconhecível, de utilidade objectual, política, para todas essas realidades.

Mais: comprometia-se a criar um modelo operativo, um dispositivo de natureza formalmente técnica, para se pôr todo o processo em marcha, uma vez definidos muito claramente e, como disse, impostos à sociedade os limites conceptuais das ideias de "educação" e de "uso económico, social e político" da mesma: a Escola.

A grande questão, aqui, é: um "contrato social e civilizacional" imposto---não negociado: imposto---é político-juridicamente válido?

Claro que não é---e é por isso mesmo que as ditaduras são regimes repugnantes e, no limite, insustentáveis e que a sua educatividade quando funciona e porque funciona constitui uma entidade profundamente perversa e globalmente odiosa.

Porque ela, essa "educatividade" específica, funciona: à força mas funciona.

As ditaduras, sim: as democracias, idealmente, não.

O que acontece é que a democracia portuguesa não soube, não quis ou não pôde abrir o processo de renegociação do "contrato social" e especificamente do "contrato educativo" existentes na sociedade portuguesa, democratizando-os de raiz, consensualizando-os e abrindo-os mas, sobretudo, mantendo-os constantemente abertos.

Cardia [como estarão recordados os que, como eu, exerceram à época do seu tão tumultuoso como em geral lamentável consulado a respectiva prática profissional docente] "entrou na História" com um furor revanchista e programática [programadamente] "restaurador" que criou, no fundo, a matriz estável do paradigma de conflitualidade permanente que, de um modo ou de outro, nunca mais deixou de constituir uma constante da Educação em Portugal, num des/processo que culminaria, como é sabido, nessa medonha abominação técnica, social e até pessoal que foi o consulado Sócrates/Lurdes Rodrigues, um regresso colectivo disfuncionalissimamente triunfal à Idade Média e às práticas castradoras obsessivas, histéricas, da Inquisição, sob uma roupagem grotescamente "modernizadora".

Porque Portugal não conseguiu ou não quis conceber ter um projecto para além de "ir-se continuando assim, exactamente como está, sem mexer económica, social e politicamente em coisa alguma, enquanto for posível porque era exactamente aqui que pretendíamos que a sociedade portuguesa chegasse quando lhe ordenámos, com Marcelo Caetano e a sua frustre «primavera», que se aggiornasse"; e porque, no plano operativo sistémico do "paradignma global de desenvolvimento" assim ideado ou praticado, se deixou que se aprofundasse cada vez mais criticamente a insanável contradição entre o capital variável e o capital constante; porque assim [duplamente] foi, a escola deixou gradualmente de desempenhar o papel charneira que tinha mantido durante a ditadura.

Esse papel, no quadro da sociedade rural, pré-técnica ou proto-técnica e pré-urbana, que foi a da ditadura, tinha muito de honorífico [de quase neo-nobiliárquico...] e muito pouco de verdadeiramente prático?

É evidente que sim: um "doutor" ou um "engenheiro", salvas as devidas proporções, mais do que alguém que "sabe" e que éstá apto a intervir eficazmente no real a fim de transformá-lo satisfatória e, de igual modo, eficazmente é um "doutor" ou um "engenheiro", em larguíssima medida, aos olhos da sociedade do seu tempo, como antes se era um conde ou um marquês...--mas [lá está!] naquele quadro cultu[r]al todo o processo possui lógica e funciona.

Funciona todo o modelo, todo o edifício, toda a máquina de produção de "doutores" e "engenheiros"---ou "arquitectos".

Funciona ela, funciona o seu uso social e político, funciona o padrão de auto/reconhecimento.

Esse padrão é a maneira como cada um deles se integra na sociedade e especificamente no modo de produção do seu tempo.

De tudo isto, deriva uma ideia tópica de autoridade que é também ela implicitamente reconhecida---e quando não é implícita é obrigatória, é cumpulsivamente, reconhecida.

O problema, hoje, é que a escola "saltou" definitivamente não só do seu lugar no sistema como do próprio sistema.

Por um lado, ninguém valoriza [porque o próprio modelo económico-social e político em geral não valora] sistemicamente a posse de um "título" ou até de uma erudição teórica, de uma ideia de realidade, só por si, como antes; mas, por outro lado, como digo, cumulativamente, a própria sociedade, que durante décadas garantiu com o trabalho físico a operatividade da máquina producional, a sua ecologia global, foi gradualmente deixando de ser necessária para o efeito, foi-se tornando operativamente excrescencial e, naturalmente, aquele que era o grande dispositivo formador e dispensador de estatuto [e de autoridade ou de autoridades] em termos latos, a escola, foi-se, ela mesma, tornando economicamente inerte e técnica e depois, socialmente inútil---embora politicamente tivesse, até há relativamente pouco tempo, logrado conservar, em termos globais, uma utilidade política formal que força alguma se atreveu, durante décadas, a pôr em causa.

A grande questão da Escola, para mim, não tem, ao contrário do que se pensa fora dela e desconhecendo ou pretendendo desconhecer a realidade sistémica global em que ela está [des] inserida, é, por tudo quanto disse, esta: para que quer a sociedade portuguesa de hoje que a sua Escola sirva?

Para que quer ela uma Escola?

Mais: quer ela realmente ainda uma Escola?

Tem ela utilidade para a produção escolçar exactamente como a herdou do seu passado industrial e revolucionário---da sua matriz, chamemos-lhe: napoleónica?

A ditadura soube exactamente para que devia [não?] servir a sua e contratou, repito, com o conjunto da sociedade do seu tempo, recorrendo a toda a força política, jurídica, policial, etc. ao seu dispor um modelo específico apto a operativizar o seu próprio projecto assim obtido de "portugalidade".

E a "democracia"?

Se se tivesse dotado de um projecto---de um verdadeiro projecto que não fosse o de "deixar a História intacta", o de "deixá-la estar sossegadinha, sem se mover de onde está", o de "mexer nela o menos possível" e o de apenas lhe tocar naqueles lampedusianos termos de mexer-lhe apenas quando fosse necessário reconfirrmar ulteriormente o estatismo anterior global de todo o edifício social, económico, político, etc.---poderia [de facto, deveria!] ter subscrito, com a sociedade do seu [e, sobretudo, do nosso!] tempo, o seu próprio contrato livremente negociado e ter, então, recorrido aos técnicos a fim de conceberem o plano ou planos capazes de conferirem a esse desígnio nacional expressão operativa e operacional concreta numa Escola própria.

Como não há projecto, não há contrato.

Não há espaço técnico e espaço político.

Não há interacção dialéctica e verdadeiramente orgânica entre eles, desde logo, precisamente porque eles não existem enquanto entidades específicas.

De facto, como no título célebre de Saramago, a questão para o poder político é o "que fazer com este modelo eduucativo" que deixou de servir os propósitos específicos da sua infra-estrutura económica e financeira mas que ele não tem coragem pelas consequências políticas que inevitavelmente terria ou terá, de suprimir.

Com efeito, formar hoje continuamente quadros médios não tem qualquer utilidade porque eles não são obviamente absorvidos pelo modo de produção.

Este quer sim quadros selectos que ele pretende enxertar na produção de modo a potenciar até ao limite a sua natureza eminentemente concorrencial.

O resto, fá-lo-á sem dificuldade de maior a tecnologia aplicada, as máquinas, o capital constante cada vez mais inteligente e, por isso, auto-suficiente.

O grande problema do actual poder económico instrumentalmente político em Portugal consiste em criar uma escola---uma escolicidade---para formar esses quadros de excepção, de elite e "arrumar" o restante património humano num simulacro qualquer de escolaridade que o mantenha socialmente inócuo e producionalmente não-interferente---para o que tem de construir, por sua vez, quadros "motivacionais" que estimulem as pessoas a trabalhar para... coisa alguma, isto para um objectivo final que, no fundo e na realidade, se esgota no o próprio trabalho como tal.

É esse exactamente o papel [pós] histórico do "motivacionismo" "escolocêntrico e puerocrata" em vigor---o "escolês" ou "eduquês"---para gerir o qual existe hoje a tutela "educativa" em Portugal com as suas Lurdes Rodrigues e as suas Isabeis Alçadas seres bizarros e inquietantes que parecem saídos de uma fotonovela de Corin Tellado reescrita pela criadora do Noddy, no caso da actual ministra ou mesmo de um filme de terror de Wes Craven com o recentemente falecido Leslie Nielsen em travesti, no caso da que imediatamente a antecedeu...

O problema da escola pública, regressando agora ao início destas reflexões, não é, pois, volto a dizer, o ela ser "pública", pois, como comecei por referir: é o de ela ser o reflexo instituicional inevitável de um poder político que não sabe o que há-de fazer à educação ou, sabendo, não tem, como também disse, a ousadia suficiente para pô-lo em prática.

A escola privada, por seu turno, representa já, na prática, a consequência demonstrável daquele processo objectivo de re-elitização estratégica do modelo educacional que "sai por cima dele", que ainda garante, em geral, empregabilidade devido justamente à sua utilidade efectiva [é um paradigma estruturalmente selectivo, gera grandes quadros, com aspirações a operarem como os tais factores de diferenciação de que o sistema está ávido] e que pode, por isso, exactamente porque conserva uma ideia clara de função sistémica, rodear-se dos melhores docentes mas também e sobretudo das melhores condições materiais para que eles exerçam as suas funções com hipóteses de verdadeiro sucesso.

Ou seja: está longe de ser por acaso, isto é, estão longe de ser razões assistémicas e atípicas, meramente circunstanciais, a determinar que os valores de in/sucesso apresentem tão grandes disparidades entre o sector público e o sector privado no domínio da educação.

A verdade é que, juntamente com todo um conjunto de intervenções que vão progressiva mas, sobretudo, dissimuladamente desactivando o primeiro [o ensino profissionalizante, a entrega da gestão de paete significativa do sector ao alvítrio autónomo da Epe que gere o chamado parque escolar] o ensino, a Escola, em Portugal já se para-privatizaram no contexto de um processo gradual e mais ou menos "secreto" que há-de conduzir à privatização formal previsivelmente dentro de muito pouco tempo, provavelmente já após o fim do actual governo, em larga medida e sob diversos aspectos, "de transição".

É claro que o poder político ainda vigente reviu recentemente o actual modelo chamemos-lhe: "misto" [eu chamar-lhe-ia "dual" e "bipolar"] sem consultar, como recorsda José Manuel Fernandes no "Público" de 10.12.10 sem consultar sequer o Conselho Nacional de Educação mas não o fez, a meu ver, em resultado de qualquer inflecção política sua: fê-lo porque está desesperado, desorientado e foge em delírio para a frente destruindo tudo à sua passagem na vã tentativa de evitar o naufrágio final.

Assedia e violenta os sectores do social onde sente que não vai encontrar nem organização significativa nem verdadeira resistência e a divididíssima classe docente é um espaço, um território de caça, ideal para ele cevar na sua delirante procura de contenção orçamental.

Mas representa, com todo o respeito, não quero dizer uma mistificação mas seguramente uma ilusão perigosa o imaginar que, se ao invés, ele decidisse potenciar a contratação não com o conjunto do social como eu entendo que deveria ser feito [e como um governo sério e a sério obviamente faria] mas com a rede de ensino privado, o problema da educação em Portugal melhoraria fatalmente, em resultado em termos estruturais, efectivos, globais, desse facto e que, por exemplo, os valores de empregabilidade pós-escolar aumentariam proporcionalmente.

É possível que houvesse alterações, flutuações episódicas naqueles domínios pelas razões que apontei ligadas às condições em que é exercida a profissão docente na maioria das escolas privadas; a minha tese, porém, é que o privado só é realmente bom porque é selectivo.

Porque representa a coroa funcional de um processo onde é óbvio onde nem toda a gente cabe.

Onde por razões profundas de importe e integração tecnológicos cada vez menos gente cabe.

O privado só é bom porque representa, no limite, a dinâmica anti-massificação que se deixou que, não me canso de dizer: por razões sistémicas, infectasse o público.

A solução para os problemas da educação em Portugal não passa pela aposta e pela insistência em qualquer forma de promiscuização ulterior, institucional, dos sectores público e privado.

Passa pela assunção corajosa da ideia de que ao modelo de capitalismo tecnológico pós-industrial correspondem fatalmente valores exponenciais de desemprego, i.e., de in-empregabilidade estrutural, de desinvestimento igualmente estrutural no capital variável e por conseguinte no irregressível repensar do próprio modelo escolar anterior de produção maciça de quadros médios que não têm, hoje, já qualquer utilidade ou luigar na dinâmica primária, nuclear, do modo de produção.

Quero dizer, muito claramente: passa pela assunção da ideia de que a solução para os problemas da educação não está na escola mas na sociedade ao serviço da qual ela [não] opera.

E ainda que uma "boa educação" fosse concebível fora de um quadro de ligação causal e orgânica uma "boa sociedade", passaria seguramente pela requalificação das condições em que a Educação é praticada nas escolas públicas antes de se chegar facilmente à conclusão que as privadas são por "direito providencial ou intervenção e privilégio divinos" "naturalmente" melhores...


[Imagem ilustrativa, "Victorian Classroom", extraída, com a devida vénia de giveusthefish-dot-org]