segunda-feira, 25 de janeiro de 2010

"Deixo-vos, por hoje, com Magritte..."


Termino com uma das minhas maiores 'paixões espituais': Magritte.
Em Bruxelas cheguei a morar [sem saber] a dois passos [poucos mais seriam, na realidade, sobretudo para mim que ando depressa] de uma das casas em que Magritte habitou, em Ixelles e que hoje é Casa-museu.

Viria a visitá-la mais tarde, quando nos anos '90 voltei a Bruxelas exactamente pela mesma via [mas agora de carro] que utilizei em '72, para lá chegar: Madrid, Barcelona, Paris via Port Bou e Cerbère, Bruxelas, Amsterdão e, de novo, Bruxelas.

Magritte: Magritte é, para além de um pintor cuja "loucura" coincide ponto por ponto com a minha própria [como talvez só aconteça com mais Miró e algum Bascon...] é uma das mais estimulantes provas de que todas as generalizações são, no limite, uma forma de imperdoável violência cometida sobre a realidade.

Na verdade, tudo quanto de injusto ouvi sobre a pretensa "estupidez natural" dos belgas ["Les belges? Ah! Mais que c'est quand même con, ça, quoi!"] se esboroa por completo perante essa torrencial mas, ao mesmo tempo quase comovedora, quase "geometricamente" "naïve" verve magritteana, com os seus "trompe-l'oeil" conceptuais deliciosamente cândidos e excitante---amorosamente!---'previsíveis', marcados por uma espécie de ofegante, intensamente juvenil, 'excitação" ou "entusiasmo" plásticos ["visual elation"] emocionantemente inocentes, quase tímidos [daí a proximidade da "festa"---da "romaria visual" que é Miró] quase infantil mas invariavelmente feliz [a de Magritte é, definitivamente, uma "arte feliz"!] eco estético e conceptual de uma época onde a infância---inclusive a da própria consciência que é indiscutivelmente a mais difícil de encontrar e, sobretudo, de conservar---era ainda algo não só de geralmente possível como---melhor ainda!---de social e politicamente apreciável.

Claro que, para "justificar" e "legitimar" definitivamente a Bélgica e os belgas, haveria ainda, além desse "brave René d' Ixelles", por exemplo, Hergé, "cet espèce de salaud fasciste et raciste", "ce type affreusement opportuniste, coventionel et degrellien"; Jacobs e os seus Prof. Mortimer, Capitão Edgar, "fiel Nasir" e o tenebroso Olrik que felizmente atormentaram a minha infância o tempo suficiente para que ela ficasse sendo, também por isso, algo de definitivamente habitável e digna de ser ocasionalmente recordada---e, sobretudo, num plano mais sério, o exaustivo e intelectualmente minucioso Ernest Mandel, uma das poucas pessoas [tirando, possivelmente, o próprio Trotski] capazes de me tentarem, com alguma hipótese de sucesso, no sentido de que me convertesse, um dia, ao trotskismo...

Não foi, todavia, necessário recorrer a qualquer deles: felizmente, Magritte, esse vulcânico, imensamente divertido "geómetra dos sentidos", esse "Escher humanizado" e resgatado do cepticismo pela sua admirável 'propensão para a fragilidade', pela sua tão característica e distinta "vocação para o prazer"---e a prodigiosa "fête foraine" dos sentidos, esses rituais incrivelmente envolventes e estimulantes, empolgantemente vitais que ele foi um dos poucos a possuir o segredo e que com ele recomeçam sempre, infatigaveis e certos, a cada novo olhar!

Sacré René!

Sacré Belgique, ma deuxième patrie de circonstance!...

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