terça-feira, 19 de janeiro de 2010

"Pares célebres do Cinema: Paul Newman e Julie Andrews em «Torn Curtain», de Alfred Hitchcock"


Antes ainda de completar a 'entrada' imediatamente abaixo envolvendo as minhas Amigas Tanas e Nocas ['entrada' que requer, para ser convenientemente feita, um conjunto de circunstâncias que neste preciso momento, por razões várias, se não verificam] "entretenho" a gestão deste 'bravo' "Quisto" com um terceiro par clássico do Cinema----aquele que Alfred Hitchcock reuniu num filme politicamente pouco 'simpático' [ainda que não tão pouco 'simpático' quanto o esquecível "Topaze" que Hitch dirigiria já na fase final da carreira] mas, de modo algum, apesar disso, desprovido de encantos [eu, pelo menos---na lisonjeiríssima e insuspeita "companhia" de João César Monteiro, por exemplo---assim penso!] que se chamou "Torn Curtain".

"Torn Curtain" é já um filme [quase?] "pós-McGuffin" quando Hitchcock pôs claramente de parte aquela espécie de escrúpulo [ou de subtilíssima intuição?] que o tinha sempre levado a evitar usar o Cinema para fazer abertamente política e enveredou por uma via que o levará a "entrar cinematograficamente", de forma ostensiva, por exemplo, na Guerra Fria com aquele mesmo "Topaze", baseado num romance abertamente anti-comunista de Leon Uris---algo que se sente claramente nesta "Cortina..." onde, apesar disso, Hitch consegue, ainda, evitar cair de forma demasiado óbvia e grosseira na apologia confessa de um dos "lados" em presença, logrando, em meu entender, relevar, em última instância, sobretudo, os aspectos "obsessivos" e abstractamente para-oníricos que já tinham estado assumidamente presentes em 'coisas' como "Spellbound" e haveeriam de estar, de uma forma prodigiosamente subtilizada no definitivo North By Northwest".
Sob muitos aspectos, com efeito, tal como eu o vejo, "Torn Curtain" 'fala' muito mais---e fala, em geral, eficazmente---de um 'pesadelo' ocorrido adequadamente num não-lugar muito 'oniricamente paradigmático' [que até fica na extinta RDA] do que própria ou do que exactamente de um cientista do "Ocidente" que simula uma fuga, por razões que não vêm ao caso, exactamente para essa mesma RDA.

Neste sentido, chamemos-lhe: 'paradigmático', "Torn Curtain" é ainda, como disse, um filme cinematograficamente considerável e digno que juntou um fabuloso actor, Paul Newman [que, por sê-lo entrou, a dado passo, em choque frontal com o cineasta 'manipulador' e impositivo, sob diversos aspectos, intratável e 'totalitário' que foi Hitch] e uma actriz que manifestamente não agradou ao realizador mas pela qual eu, pessoalmente, confesso uma atracção muito particular com algo de dificilmente explicável em termos estr(e)itamente lógicos e racionais ["le coeur a des raisons que...", como todos estamos fartinhos de saber...] mas francamente irrecusável: Julie Andrews.

Com esta, não rezam as crónicas que tenha havido quaisquer choques, frontais ou não, com o 'autoritário' Hitch que por ela, todavia, manifestamente não nutria, ainda assim [longe disso!] a mesma atracção do que por ela nutria e nutre o signatário, circunstância que terá, de igual modo, ocorrido, por exemplo, com Tippi Hedren, de "The Birds" [uma actriz, aliás, com uma carreira quase episódica, pelo menos "ao mais alto nível"] e com Kim Novak, de "Vertigo", intérprete à qual, com o é sabido, Hitch preferia [a meu ver, de um modo muito particularmente injusto mas enfim...] uma das suas estrelas-fetiche, Vera Miles, que não pôde fazer o filme por estar, na altura, grávida.

Porque Newman era, de facto, um actor soberbo e porque Andrews era, por outro lado, uma intérprete imediatamente improvável para o papel da colaboradora que vive "em pecado" com o cientista [Andrews era uma intérprete improvável para o papel de alguém que vive "em pecado" seja com quem for...] e porque a situação em que Hitch a coloca, no filme, tem, precisamente por isso, algo de subtilmente iconoclasta e até, ainda mais subtilmente, sádico e profanador que conferia expressão material ao desejo que, de algum modo, pairaria nas plateias de todo o mundo [de Grace Kelly e Catherine Deneuve, por exemplo, alguém disse, um dia, que a tentação de profanar a respectiva perfeição era algo de tal modo irresistível que ninguém podia ficar indiferente ao cineasta que, como Buñuel fez com Deneuve no fabuloso "Tristana" ou Truffaut no não menos deslumbrante "La Sirène du Mississippi" o lograsse fazer com um mínimo de inteligência e bom gosto]; porque, dizia, assim é e entre os dois no filme se desenvolve, apesar das reservas de Hitchcock, uma química irrecusável, aliás, a meu ver, extremamente bem trabalhada e bem conseguida, "Torn Curtain", mesmo não sendo [longe disso!] o melhor dos Hitchs é, ainda assim, um filme susceptível de ser, como dizia Godard, "amado" até precisamente pelas suas imperfeições e aspectos mais discutíveis---entre os quais não se conta, porém, a escolha deste par de intérpretes, de registos e até de valimentos técnicos distintos, porém, em última análise, equivalentes no contributo que cada um deles dá para a justíssima "réussite" cinematográfica que, mau grado tudo quanto disse, é, em termos globais, o filme.

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