quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

"Una Bella Confusione" [Text in the making]


Um 'epustuflante' texto «midiático» assinado por Luís Silvestre que recortei da "Sábado" de ? refere um "plágio" de Fellini [de quem, aliás, volto a falar já a seguir a propósito de Pina Bausch] constante do seu "clássico dos clássicos" "La Dolce Vita" [que, já agora, Fellini começou por imaginar que deveria intitular-se... "Una Bella Confusione"]

É um daqueles casos de "não-consigo-imaginar-como-teria-sido-nem-que-esteja-aqui.o-dia-inteiro-a-tentar"...

Não consigo imaginar "North By Northwest"/"Intriga Internacional" de Hitchcock [para mim, ainda hoje, «O» Hitchcock...] com o título improvável de "The Man On Lincoln's Nose"; "Vertigo" com Vera Miles no papel da sublime e 'caleidoscópica' Kim Novak e Charles Boyer [como pretendia Bernard Herrman...] no do torturado, envelhecido e fatalmente frustrado "caçador de fantasmas interiores" que, no filme, foi James Stewart/'Scottie' ou, ainda, "Gone With The Wind"/"E Tudo o Vento Levou", esse gigantesco "naco de pizza cinematográfico" que o próprio tempo tornou omnipresente e incontornável com a 'bovina' Bette Davis no papel de 'Scarlett'.

São coisas que não se imaginam, pronto!

Pois, voltando um pouco atrás, parece que Fellini terá "roubado" a celebérrima sequência do banho de Anita Ekberg/'Sylvia' nas "Fontana dei Trevi", segundo uns, diz Silvestre, de um romance, "Le Lettere do Ottavia" [1956] de Luigi Malerba onde há também uma jovem que imerge nas águas da fonte para chamar as atenções dos produtores de cinema, Arte de que pretende tornar-se ela própria "estrela"; segundo outros [sempre citando Silvestre] o "roubo" teria sido perpetrado sobre uma obra de 1947, da autoria de Ennio Flaiano [um autor que pessoalmente aprecio bastante, aliás] intitulada "Tempo di Uccidere", "Tempo de Matar".

Pessoalmente, devo confessar que ligo pouco a esta espécie de "paparazzismo reflexo" ou "terciário" de que este jornalista Silvestre se faz aqui eco numa publicação que "vende" os respectivos "produtos" como pãezinhos ou outra coisa qualquer "de comer".

"De comer"... "ao balcão" para se mais depressa...

No "caso" dos "roubos" de Fellini, vejo sim [sem prejuízo do respeito devido à criação intelectual e artística, note-se!] uma coisa terrível que é "a inteligência como indústria", o "comércio da criatividade".

É chegar a Salzburgo e ver T-shirts com a imagem de Mozart em jeans ou desembarcasr em Moscovo e ser Lenine que nos "aparece" em pulovers coma popa e as patilhas de Elvis e a menção "reprodução interdita".

Onde começa e onde acaba a originalidade e, num certo sentido, sobretudo, que têm o comércio e os tribunais, em última instância [em primeira, no caso do comércio...] "a ver com isso", alguém sabe dizer-me?

Uma mulher mete-se vestida numa fonte das cidade 'mais sólida e faladora' do mundo: a quem pertence "isso"?

Quem determina fundadamente que "deve" pertencer seja a quem for?

E "isso" é o quê: a mulher? A fonte?

Uma mulher a mergulhar numa fonte "tem dono"?

Tem, como dizer, um "agente" ou "empresário" pessoal para toda a "vida", mesmo sendo personagem de ficção?

Que raio de mundo é este em que vivemos que se apropria [ou pretende 'apropriar-se legalmente', i.e. pretende que se converta num "comércio legal" depois de tê-lo sido supostamente "moral"] das próprias imagens e representações cultu(r)ais que, como sociedade continuamente geramos, mesmo antes de serem-no exactamente?

Podemos "consumir" essas imagens como produtos mas não podemos possuir pontos de vista pessoais sobre elas e emitir juízos críticos [e estéticos ] em torno delas---e envolvendo-as?

Não somos então, a esse ponto, donos da "nossa" própria "cultura"?...

É claro que, ninguém, em seu juízo perfeito, nem Flaiano, já falecido, de resto, nem o menos conhecido [por mim, pelo menos] Malerba [que, com toda a franqueza nem me dou ao trabalho de ir à Net ver se, por qualquer milagre, é vivo] vão exigir direitos de autor a Fellini.

Nem Virigina Katherine McMath ou Frederick Austerlitz---"Ginger" e "Fred"---já agora...

Mas que a "questão" possa pôr-se [ou, no mínimo, insinuar-se] em termos de "roubo" diz muito sobre uma sociedade onde a propriedade constitui, de facto, sempre um tabu e um fétiche---um domínio cultu(r)al intocável que, pasra além de se impor à própria vida das pessoas, tende a limitar impiedosamente também a respectiva inteligência.

A respectiva "inteligência da realidade"---o que é ainda mais grave.

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