segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

"António dos Santos e Luiz Gois: uma justíssima homenagem pessoal" [Text in the Making]

Luiz Gois

Confessadamente inspirado por uma prática, aliás extremamente louvável, do "Cantigueiro", o blogue do Samuel, que consiste em divulgar nomes de intérpretes, para alguns menos conhecidos mas relevantes da música popular de todo o mundo, decidi hoje, eu próprio, recordar aqui dois nomes [e duas obras] que, para mim, pessoalmente, constituem referências absolutas em matéria poética e musical: Luiz Gois e António dos Santos.

De ambos é seguramente Luiz Gois o mais conhecido: excelente poeta, cantor dito 'de intervenção', músico notável e cidadão digníssimo foi, durante anos barrado pela censura fascista sendo, entre outros, autor do poema admirável [admiravelmente musicado, também] que abaixo se transcreve e recorda---a célebre e notabilíssima "Cantiga para Quem Sonha".


António dos Santos

De António dos Santos, senhor de uma voz inconfundível e de um registo intimista e "artesanal" no melhor e mais genuíno sentido da palavra; não rigorosamente fadista mas originalíssimo intérprete de um tipo de Música que remete directamente para a balada coimbrã [mas muito criativamente revista de modo a ajustar-se primorosamente a essas mágicas "sombras da cidade", de que fala um dos mais belos poemas que cantou] ou mesmo, de uma forma mais remota para uma visão pessoalíssima do canto que evoca, por sua vez, a uma certa distância embora, cauntautores e intérpretes em geral como Pete Seeger, Burl Ives ou, entre nós, o próprio Zeca na sua vertente mais teluricamente 'folk' ['folk' urbano, no caso de A. dos Santos, mas, ainda assim, num sentido muito lato, 'folk'] e menos interventivamente social; de António dos Santos, repito, diria eu que poucos intérpretes [alguma Amália, alguma Maria da Fé, alguma Lucília do Carmo, alguma Hermínia e pouco mais] me fazem tão visceral ou tão seminalmente sentir [ou "com-sentir"?] a cidade de prata onde nasci e à qual, devo dizer, estou ligado por laços de um amor tão estrénuo, entranhado e profundo que nunca morrerá e que se distingue, entre outras igualmente apaixonadas e até um pouco 'loucas', pela característica singular de não suportar ausências demasiado longas---que, no caso da minha história de amor com a Cidade, são, literalmente todas as que excedam... um mês...

Noutra entrada do "Quisto" virá a ser incluída uma letra/poema cantada por este intérprete singular, cantor de uma "liboicidade interior" e "musicalmente escura e afectivamente rouca" só possível de ser realmente sentida por alguns [como, a outros níveis, todos eles muito distintos entre si embora, Cesário, Ary ou esse "bom malandro verdadeiramente irrepetível" que foi o "iluminado da palavra" que dava pelo nome de Alexandre O' Neill]; tudo gente... "lisboeta por vocação" no meio da qual possui, para mim, seguramente um lugar de honra este singularíssimo e assumidamente muito pouco comercial ex marinheiro cujos "cantos" [meio fado, meio confissão, meio... lamento e desabafo e ainda---como se não bastassem... três metades a esta, por isso, singularíssima unidade---meio declaração de amor...] ouço regularmente e sempre com os mesmos comovidíssimos atenção e sentimento da primeira vez.


Cantiga para quem sonha

Tu que tens dez reis de esperança e de amor
grita bem alto que queres viver.
Compra pão e vinho, mas rouba uma flor.
Tudo o que é belo não é de vender
Não vendem ondas do mar
nem brisa ou estrelas, só a lua cheia
Não vendem moças de amar
nem certas janelas em dunas de areia.

Canta, canta como uma ave ou um rio
Dá o teu braço aos que querem sonhar
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
nem é preciso que saiba cantar.

Tu que crês num mundo maior e melhor
grita bem alto que o céu está aqui.
Tu que vês irmãos, só irmãos em redor,
Crê que esse mundo começa por ti.
Traz uma viola, um poema,
um passo de dança, um sonho maduro.
Canta glosando este tema,
Em cada criança há um homem puro.

Canta, canta como uma ave ou um rio
Dá o teu braço aos que querem sonhar
Quem trouxer mãos livres ou um assobio,
nem é preciso que saiba cantar.



Luiz Gois

2 comentários:

Ana disse...

Obrigada, amigo Carlos, por me mostrar este belíssimo poema. A voz de Luiz Gois é um marco entre quem gosta de fados de Coimbra, mas desconhecia ser ele o autor das palavras belíssimas que canta.
Gostaria de publicar este poema na Encosta, se me autorizar a que o faça. É evidente que farei referência ao local onde o encontrei.
Um feliz ano de 2010 para si e um beijinho com amizade.

Carlos Machado Acabado disse...

Ana: o poema já está na "Encosta".
Tenho muito gosto em que o reproduza nesse seu interessantríssimo espaço [de que sou, muito gostosamente, aliás, "visita habitual] porque também eu admiro, como é fácil, de resto, perceber pelo texto que enquadra a sua apresentação asquii no "Quisto", o Luiz Góis, nomeadamente esta maravilhosa canção bque [com o meu "ouvido de latta" e a minha voz... "de latão"... tento] todos os diasv descantar, com o sucesso que aquelas premissas deixam adivinhar....
Não tem, no entanto, de fazer qualquer referência ao "Quisto": a canção é do Luiz Góis e eu não tenho o mínimo direito de colher quaisquer louros por ela, Amiga!
Um óptimo 2010 para si também!
Volte sempre e... intervenha mais activamente, ouviu?...
Fico à espera!