Embora, para alguns a diferença entre a Esquerda e a Direita tenha [magicamente?] deixado de existir, a verdade é que poucas vezes como hoje ela terá sido tão relevante [e, até, a seu modo]clara mas, sobretudo, tão necessária.
As diferenças começam, aliás, logo aí: já estamos claramente no domínio conceptual---numa espécie de "círculo cosmovisional" demonstravelmente de Direita quando acreditamos que entre ela e uma suposta "Esquerda" que só ela é capaz de reconhecer deixou de haver quaisquer barreiras dignas de relevo.
A verdade é que, volto a dizer, a diferença existe e constitui hoje tarefa histórica central da Esquerda---da verdadeira, não dessa pseudo-esquerda 'bernsteiniana e funcional' onde se integram os diversos "pê-ésses" de hoje pelo mundo fora cuja missão histórica é, exactamente ao contrário da verdadeira Esquerda; da Esquerda genuína onde quer que ela esteja já ou venha, um dia, a estar, "argumentar " e "justificar" politicamente um status quo económico [geo-económico] e financeiro [geo-financeiro] que ele tem por "dever" teórico, chamemos-lhe assim, apresentar à História tão completamente "limpo de máculas" de ordem económica, social e política quanto possível ou, na pior das hipóteses, como o tal sistema político "pior de todos tirando todos os restantes" de que falava Churchill...
Aquilo a que chamo, "o formato político último e natural da História", em qualquer caso.
Ora, a verdade é que tudo isso não passa, na realidade, de ficção.
O papel histórico e político da Democracia não é, em caso algum, o de "aparafusar" um modelo ou modo de produção à História mas, precisamente ao invés, criar as condições básicas para que seja a História a encontrar o modelo ou o modo de produção que mais convém às pessoas que a "habitam", se assim posso dizer.
O papel da Democracia, nunca será de mais repeti-lo, não é o de "fechar" a História e entregá-la inteirinha, assim artificialmente "fechada", nas mãos de um modelo de exploração económica da realidade mas, pelo contrário, o de abrir incondicionalmente essa mesma História no sentido de tornar primária e autonomamente acessível às pessoas que a "usam" e, como disse, "habitam" a ciência necessária para mudá-la---os mecanismos sociais, políticos, mentais, etc. essenciais da mudança histórica onde e quando ela se revele em si mesma necessária.
Esse, um primeiro equívoco---e uma primeira diferença: a Direita quer gerir o que há sem sair do que há; a Esquerda, pelo contrário, admite todas as hipóteses---todas as formas possíveis de História desde que respeitando princípios básicos de humanidade e dignidade pessoal e política---achando, todavia, sempre que a História não é 'propriedade da Economia', i.e. que a Economia não é a proprietária legítima da História mas sim as pessoas, os indivíduos e as suas comunidades humanas, as sociedades por eles formadas.
Outro ponto de separação e até---por que não dizê-lo?---de ruptura entre a Esquerda e a Direita prende-se com a questão-chave da propriedade.
Na natureza, a propriedade é algo de funcionalmente infixo e gerador ou opossibilitador de vida.
A propriedade animal coincide, em muitos casos, rigorosamente com o território e obviamente com aquilo que ele contém em matéria de produtos necessários à sobrevivência.
Todas as funções animais secundárias [e, mesmo, em meu entender, "terciárias"...] têm, em tese, o seu fundamento último e real nessa funcionalidade nuclear da matéria de onde deriva, aliás, nos animais superiores, muito [a base determinante, seguramente!] ]do que chamamos "consciência", "identidade", "inteligência" e até as diversas formas de "moral".
O que eu quero dizer é que, entre os animais vivendo em liberdade, a propriedade dos territórios de caça nunca é "teoricamente separável" de uma função básica de possibilitação da vida que torna, por sua vez, não apenas estáveis como, sobretudo, inextricáveis---e 'lógicos', necessários---os laços lógicos que ligam essa mesma propriedade e a Vida.
A força animal é o elemento que "justifica" no concreto a "propriedade da propriedade sendo essa força ela mesma uma função que não pode dissociar-se das ideias básicas, essenciais mas também 'essenciantes' de Vida e de defesa da vida.
Há, em meu entender, uma espécie de "propriedade continuacional nuclear e básica da matéria", de toda a matéria ["propriedade" essa entendível como uma mutação do próprio movimento de expansão e dissipação básicos do real tal como decorre do próprio modo como esse mesmo real e a matéria que o compõe se originaram e] que vai "mutando" continuamente e dando, desse modo, origem à maior parte do que existe [a causalidade, por exemplo, mais não é, tal como a entendo, do que uma mutação muito secundarizada ou terciarizada daquele movimento puramente físico de expansão da matéria impedida pela própria estrutura física, pela dinâmica, da matéria como tal de organizar-se autonomamente noutra direcção e noutro sentido daí resultando a aparência de "atributo" que é a causalidade].
Tal como teoricamente a entendo, a matéria está, diria eu, "obrigada" pela sua própria natureza e estrutura, a continuar o que na origem era apenas um movimento expansional e vai, em seguida, integrando continuamente e conferindo estrutura material própria adequada a essa "ciência nuclear" que foi buscar ao próprio movimento como tal nos sucessivos modos ulterior e continuamente "mutados" como protagoniza pontualmente, ela mesma, na forma de "espécie", a realidade.
Aquilo a que chamamos, por exemplo, nos animais, o 'instinto de sobrevivência' mais não é, em tese, do que precisamente uma mutação secundária do movimento integrado à própria destrutura atómica do ser e adaptado às condições específicas do universo em que se desloca o ser.
O que eu pretendo dizer com esta tentativa de contextuar objectualmente a realidade---aspectos específicos que dela que, enquanto espécie, herdámos como a "propriedade", é que, na natureza, essa mesma propriedade e a possibilitação pontual de vida são, tal como atrás dizia, componentes inter-indissociáveis e, a seu modo, lógicas, filosófica e/ou teoreticamente necessárias, no contexto do que chamo "os paradigmas vitacionais" específicos e concretos.
É, ao passar, dessas formas ou "paradigmas vitacionais" pré-conscienciais para o domínio terciário da "cultura" que o "erro" no que respeita à representação objectiva da componente "propriedade" tem lugar.
Na realidade, nesta passagem, ela, propriedade, perde a sua natureza possibilitadora intrínseca original; perde a capacidade para adaptar-se formal e pontualmente à função e passa a determinar a partir de uma forma já completamente extra-contextual e, por isso, já objectivamente disfuncional de si mesma os "paradigmas vitacionais" subsequentes.
Naquela passagem, ela perde a natureza 'funcional', o essencial da sua "lógica" e o carácter infixo de necessidade que lhe estava originalmente associados; perde, numa palavra, a sua natureza ideal de "variável nuclear de vitação"---o seu fundamento "de episteme"---e passa a constituir supra-funcionalmente uma "constante objectual pura de vitação" em si desenvolvendo no processo uma espécie de "gravidade epistemológica" própria e específica que atrai a si o conjunto da realidade, vinculando todas as formas ulteriores de "volução" desta a determinantes que se ligam a si como objecto mas já não a si como função.
É a percepção deste "erro" e da lógica que, na natureza, preside à definição concreta de propriedade que subjaz ao projecto de Esquerda de "reoperativizar" integralmente a propriedade, devolvendo-a à sua condição natural original de "variável cde vitação" queb perdeu ao fixar-se num modelo disfuncional artificialmente subtraído à lógica global de funcionamento da realidade e da Vida.
É esse fundamento teorético natural e lógico ['naturalmente lógico'] que preside à ideia de Esquerda de que a "propriedade"; as formas existentes de propriedade podem [de facto, devem!] legitimamente ser redistribuídas sempre que se encontrar em crise a sua vocação natural para possibilitar global e funcionalmente a Vida, como sucede, de forma, aliás, muito aguda, hoje quando o Conhecimento necessário para transformar objectivamente a realidade se tornou já, ele mesmo, numa propriedade e num proto-capital usado para gerar mais capital e não a vida como tal.
Aquilo que a Esquerda faz ao colocar-se nesta perspectiva precisa de "mobilicização estrutural" e/ou "reoperativização integral"---de "refuncionalização objeciva"---da propriedade é desmodelar aquilo a que poderíamos chamar os próprios "paradigmas naturais de proprietação", entregando-os à "cultura" e às "culturas" com a sua estrutura lógica e funcional integralmente restaurada, através da substituição, chamemos-lhe: angular ou verticial do factor "força física" [que constituía, num dado passo, a componente operativa básica no contexto da conservação da proprietação como entidade 'lógica' no contexto de todo o processo de vitação] pela componente "inteligência" que é suposto constituir um aperfeiçoamento estrutural e estruturante daquela.
Esta questão da "recientificização cuidada da Política"; este problema da"filosofia da proprietação" e da sua consideração num quadro amplo que visa "recolá-la" pontualmente à própria estrutura específica---física, material---do real é algo que apenas a Esquerda faz---algo que apenas ela pode fazer na medida em que apenas ela admite, como comecei precisamente por dizer, que a realidade é móvel e, em mais de um sentido, completamente aberta; que ela, não sendo algo que propriamente "evolui" num sentido horizontalista e finalista, é, com certeza, alguma 'coisa' que "volui" em resultado do movimento que lhe foi originalmente imprimido pelo próprio modo como se originou e que faz com que, muito mais do que dirigir-se para um futuro alvo qualquer situado diante de si e daí retirar qualquer fundamento epistemologicamente fiável---e demonstrável---ela tem todo o essencial do seu próprio 'futuro' concentrado num ponto teórico preciso do passado que a explica e, em última [mas real] instância, determina em todas as formas e circunstâncias que vai continuamente assumindo; que ela nesse sentido, é "orgânica" e está, enquanto, no fundo, único fundamento determinante ou determinacional de si própria, sempre toda ela presente naquelas sucessivas formas ou mutações que vai tendo de assumir a fim de se ajustar ao seu próprio movimento e às formas materiais objectivas que ele determina que ela vá possuindo; que ela, porque naquele sentido preciso atrás referido, possui, como disse, uma espécie de organicidade global própria continuamente ajustável a si mesma, possui "leis" próprias de funcionamento que não são gratuitas mas operam, ao invés, num quadro operativo muito amplo que transcende a mera "política" antes remontando [esta é que é a questão chave, o pressuposto epistemeoforme básico de uma Esquerda verdadeira, em meu entender, pelo menos!] à própria essência material última da realidade situada toda ela, volto a dizer, naquele ponto teórico---e suimultaneamente fundamento objectual da realidade---situado no passado desta.
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