Vou começar como num célebre romance de Peter Cheyney, um dos autores ditos policiais cuja obra mais me agrada volta-não-volta revisitar: "Não me interpretem mal"!
"Don't get me wrong", diz e rediz [num dos mais "espumantemente" divertidos e deliciosamente superficiais livros que conheço desde que travei conhecimento com os de P.G. Woodhouse] um fabuloso "Lemmy Caution" [trocadilho caracteristicamente irónico, muito "cheyneyano" com a expressão anglo-saxónica "Let me caution!"] papel interpretado no cinema pelo actor Eddie Constantine---na série de filmes tendo Lemmy Caution por herói; 'Lemmy Caution' que era uma espécie de Clint Eastwood/'Harry Calaghan' europeu e incomparavelmente mais faceto e divertido, meio sério, meio cómico, meio "durão", meio desconstrução do cliché do "durão" ["Noi duri, siammo duri, duri, duri", dizia uma paródia italiana ao "tipo"...]---Eddie Constantine, já agora, que Godard elevaria ao estatuto de actor "sério" no seu "Alphaville".
Não me interpretem mal, pois!
Eu até acho que a ignorância atrevida é "gira", tem uma certa piada!
Acho que, se por exemplo, o "Correio da Manhã" ou a TVI perdessem, de repente, aquele encanto kitsch da extrema vulgaridade e do tremendismo boçal que caracteriza um e outra seria como, subitamente, num certo fado, dito castiço, alguém deixasse de "ir aos touros e bater na mulher" ou se um daqueles inimagináveis cozinheiros da revista dominical do "Público" se lembrasse, um dia, de apresentar [eu sei lá!] um "bacalhau cozido em leito de passas de corinto com rodelas de ananás e petits fours de chocolate" em vez das batatinhas e da couve da praxe!...
Seria como se o primeiro-ministro Sócrates decidisse, de repente formar-se numa coisa tão invulgar como a engenharia ou se o governo a que ele pertence deliberasse, de repente, criar um ministério da Educação e, como se não bastasse, decidisse ainda destacar para lá alguém que soubesse ler e tivesse realmente uma noção, mesmo remota, do que andava a fazer por ali...
Uma subversão radical da sã normalidade---uma inimaginável eversão da ordem natural das coisas, portanto!
Vem isto a propósito de o já referido jornal "Correio da Manhã" ter publicado no Domingo, dia 03.01.10 um texto intitulado "A grande vedeta do teatro de Revista", dedicado à actriz e recente "futuróloga", Florbela Queiroz.
Até aqui, tudo bem!
Eu não tenho nada contra a senhora, pelo contrário: é uma pessoa que pessoalmente até me parece simpática; que terei visto num ou noutro espectáculo, sobretudo, de facto, de revista; que é um nome que faz, queiramo-lo ou não, incontornavelmente parte de uma certa época da [sub] cultura dita "popular" em Portugal, enfim, por que não homenageá-la, pois?
O problema é que, precisamente por quanto disse sobre o lugar que a actriz ocupa no que talvez pudéssemos chamar a "arquelogia" da tal subcultura pop entre nós não seria [longe disso!] necessário, de uma vez só
Primeiro: virar "do avesso" a bibliografia de um escritor, Henry Miller, que "já teve, no seu tempo, chatices suficientes" com ela para precisar agora de lhe inventarem ainda mais uma obra pela qual, se calhar [agora no outro mundo] ter de responder---mas agora, dada a sua condição de morto, com a coisa a fiar mais fino, perante o próprio Criador!
Segundo: inventar, de passo, outra a outro Miller, Arthur esse, a quem, coitado, não terão bastado as peripécias de um casamento tardio com um símbolo sexual do calibre dessa loira irrepetível mas ao que dizem inimaginavelmente "complicada" que foi Marilyn Monroe [na idade com que o pobre Miller casou, meu Deus, deve ter custado e não foi pouco, com certeza!...] também a ele uma obra mais---ele que, depois dos clássicos "The Crucible" "As Bruxas de Salem" e "Death of a Salesman" ["A Morte de Um Caixeiro-Viajante"] viu a fonte da sua inspiração secar brusca e definitivamente e, por fim,
Terceiro, a um escritor comparativamente menos conhecido como Georges Axelrod retirasr uma daquelas que foram, seguramente, das suas coroas de glória dramáticas: a peça "The Seven-Year Itch", celebrada entre nós como título hoje clássico de "O Pecado Mora ao Lado".
Não era preciso fazer "isto tudo" mas... fizeram-no!
Fê-lo um tal Carlos Castro [que assina a "coisa" e para quem a Internet obviamente ainda não foi inventada] e fê-lo o próprio jornal que acreditou que ele, Castro, percebia alguma coisa daquilo e nem se deu ao trabalho de confirmar...
Mas, agora digo eu: oh! Homem! Olhe que aquilo é fácil: você não sabe uma coisa---aparentemente, não sabe muitas mas enfim, pronto, melhor ainda...---clica num botãozinho chamado tecla, fica una segundinhos à espera da resposta, escreve o que lá lhe disseram como se fosse seu e tivesse saído da sua privilegiadíssima e culta cabecinha, manda e pronto! Já não diz asneiras nem chateia a gente com o atrevimento que só a ignorância e pouco mais dão!...
Que raio, homem!
Dizer, como você disse, que "Ao representar 'O Pecado Mora Ao lado' de Henry Miller arrebatou os aplausos do público" e por aí fora, você não é tanto a si mesmo que se desacredita [eu sou, de meu natural, generoso: não lhe vou dizer por quê...] como, sobretudo, à pobre da Florbela a quem, coitada, já não bastava o esquecimento do seu próprio público...
"Ele" há, de facto, dias em que---meu Deus!---ajudam-nos mais, por exemplo, insultando-nos e chamando-nos nomes do que... homenageando-nos ! Livra! Cruzes canhoto! Oh! Sorte...
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