A oportunidade de ver em DVD a adaptação cinematográfica de uma conhecida novela deste autor---"Painted Veil"---levada ao cinema [sem grande brilho, alías, e em claro registo de telefilme por um obscuríssimo John Curran , integrando no elenco um actor invulgarmente inexpressivo como Edward Norton]; essa oportunidade, dizia, de passo com a estreia de uma outra adaptação de Maugham [o, a seu modo, clássico "Of Human Bondage"] forneceu-me o ensejo imediato para reler a obra deste autor britânico, em tempos muito popular entre nós, também.
Como recordo noutro ponto deste "Diário", li-o, em tempos, autenticamente fascinado com muitas das coisas [algumas, de facto, literariamente consideráveis] que escreveu em ficção.
Este "Of Human Bondage", sob diversos aspectos, a sua obra máxima é, a meu ver, indisputavelmente, uma dessas coisas e um livro interessantíssimo por diversas razões não apenas especificamente literárias ou, digamos assim não pessoalmente literárias.
Não que, como romance, a obra não mereça, em meu entender, o nosso respeito leitor, digamos assim.
Merece-o, indiscutivelmente: pode-se gostar ou não de Maugham; pode-se acusá-lo de não dizer coisas realmente profundas; podem-se censurar alguns maneirismos da escrita e, de um modo mais lato [ainda que aqui tenda a permanecer oculta] uma certa superficialidade global e um certo tom nefelibata e cínico, caracteristicamente "nonchalant" e "dettached", que torna a sua obra, por vezes, excessivamente 'temporal' e, em inúmeros momentos, francamente datada, se assim se pode dizer mas o facto de ela continuar, desde logo, a ser adaptada ao cinema tendem a provar a possívelm actualidade de que, de um modo ou de outro, se revestirá.
Pessoalmente, confesso que nunca superei por inteiro o encanto original com a obra do autor de "The Razor's Edge" ou "Creatures of Circumstance".
Tenho-o, mesmo, por um autor diversamente relevante na cultura europeia--independentemente, repito, do seu valor valor literário intrínseco que, se é discutível [no duplo---e positivo---sentido em que é questionável mas, de igual modo, legitimamente argumentável] .
Primeiro, diria eu, porque a sua é globalmente uma obra que faz demonstravelmente uma ponte clara entre a literatura do século XX---onde avultam os nomes incontornáveis de um Dostoievski, de um Proust, de um Kafka e/ou de um Joyce---e o grande passado ficcional e novelístico burguês, de Stendhal e Madame de Lafayette [ou de Sade! De Sade que foi, em meu entender, um escritor soberbo, com frequência verdadeiramente empolgante, um iconoclasta de génio e um inovador, torrencial e fulgurante---às vezes, sobretudo instintivamente fulgurante, um revolucionário, muitas vezes, "malgré lui-même": um "pré-buckowskiano", um iluminado precursor, por exemplo, do Teatro de Artaud---ele que, como dramaturgo, foi reconhecidamente "esquecível"...---do cinema de Pasolini ou da novelística de Burroughs, um homem que Freud, intelectualmente mais resguardado e, em termos genéricos, incomparavelmente mais conservador do que ele, adoraria, seguramente, apesar disso, ter conhecido...---no modo como "dinamitou" muitas das barreiras, literárias mas também especificamente morais e, num sentido mais importante e mais profundo, cosmovisionais, em geral---segura entre as quais vivia a literatura europeia até ele].
Esse, um aspecto, pois, da importância histórica e cultu(r)al da obra de Maugham: o de trazer a grande novelística burguesa europeia; o seu espírito, a sua concepção fortemente centralizada e "autoritária"---num certo sentido específico, orgânica---de ficção em prosa ["Of Human Bondage" é ainda, acima de tudo, um romance "clássico", conceptiva e conceptualmente 'convencional' e perfeitamente respeitador da 'ortodoxia composicional' característica do "genre" durante todo o século XIX]; para um meio onde o "Zeitgeist" ia já todo ele no sentido da ruptura determinada, assumida, com aquele mesmo paradigma estruturalmente... "figurativo" [por analogia com a pintura] e firmemente lógico.
Mas, por outro lado, lendo, por exemplo, os capítulos onde se descreve o ambiente familiar de 'Philip' são já reconhecíveis as marcas de uma espécie de subtil distanciamento obtido [curiosamente, de algum modo, na prática, à semelhança do que, em Portugal, v. g. Camilo faz com o romance 'realista' mas, de igual modo, com o que, num espírito, aliás, muito mais, visionário e verdadeiramente inovador, Cézanne faz com a pintura e, até--por que não?...---um cineasta como Sergio Leone fará, por sua vez, com o "western" clássico]; por outro lado, dizia, há, por exemplo, nos referidos capítulos envolvendo a infância de 'Philip' um alongar tal da própria "máquina narrativa" que---como numa ópera...---o próprio modo como somos levados a considerar a nossa relação não apenas com a ficçãso mas, visando mais longe, com a própria realidade em geral---a dado passo e sem que o autor se dê, talvez conta do facto, um elemento ínsito de opressão e mesmo de absurdidade se pôde já interpor entre nós e aquela mesma realidade como tal.
O modo como a obra "trabalha" a reconstrução do real, com efeito, é por vezes, de tal modo obsessivamente lenta e, por efeito disso, deformante em relação ao duplo tempo da ficção e do próprio conhecimento que, por via dela, deve chegar ao leitor que é já de [involuntária?] "ironia" e [in-consciente?] "des-integração" que se trata e de que estamos efectivamente, de um modo ou de outro, a falar.
Sem querer ser "sobre-interpretativo" e abusivo na "leitura" que faço de ambas, diria que [volto a dizer: por exemplo, desde logo, nos capítulos que referi] há já, em potência, muito do modo como um Beckett, por exemplo, concebe a sua própria---e assumida, sem que nesses precisos termos, como se sabe, recusada...---relação com o "absurdo".
Daquele mesmo modo, no fundo, como [num ensaio que gosto muito de citar, ainda que não o tenha, de momento, presente para o identificar pelo respectivo título] Vergílio Ferreira diz que Kafka faz com esse mesmo absurdo: levando a componente descritiva até perto do limite, de um 'ponto teórico' de saturação mas tendo o cuidado de previamente e de forma assumidamente "estratégica", retirar do texto a "chave" de uma lógica, chamemos-lhe intencionalmente "formal", que mantinha todo o "edifício narracional" coeso e consistente com a sua 'vocação' realista ou naturalista 'clássica'.
Num "processo" onde a componente da culpa ou da responsabilidade individuais não assenta em informação clara e [auto] conhecida e [auto] reconhecível, o absurdo nasce precisamente da brusca tensão que passa de imediato a estabelecer-se entre "forma" e "conteúdo": nesse caso, e de forma absolutamente paradoxal, quanto mais detalhe, menor clareza e, por conseguinte, maior absurdo.
O que, consciente ou inconscientemente, faz Maugham é [repito: à semelhança, repito, do que, por exemplo, Sergio Leone fez em "Once Upon A Time In The West", num filme que é já, na realidade, uma "ópera" sobre o "western"] transformar a descrição na sua própria crítica, na sua própria, implícita, "posta-em-questão" [na sua própria "mise", não "en scène" mas "en question"] e, nesse sentido, num ponto de vista já admissivelmente filosófico, teórico, não apenas sobre a ficção mas, sobretudo, sobre a realidade de que ela, de um modo muito claro, opera aqui como um espelho deformante, introduzindo naquela descrição um elemento [objectivo? Subjectivo?] de inquietação e, especialmente, de des-integração que vai, muito subtilmente, sendo libertado---não encontro, mesmo correndo o risco de poder ser acusado de snobismo, outro modo de exprimir a ideia que pretendo veicular: "released like a redolence or a flavour"---do próprio modo como a descrição vai sendo progressivamente feita e, ao mesmo tempo... desfeita.
Desfeita... por si própria.
Ora, isto, tresulte ou não de uma intenção perfeitamente deliberada, é já é muito moderno.
E aí, estaríamos "à la longue" a falar, por exemplo, de um Beckett, claro, na escrita mas, de igual modo, de um Oshima, de Um Godard ou de um Straub.
Repare-se---e sublinhe-se!---que eu não pretendo afirmar que Maugham "é" Godard ou Beckett.
O que eu digo é que algo deles, i. e. do modo como eles chegaram, nas respectivas "opus", a ver, cada um deles do seu modo pessoal, a epistemologia da própria função narrativa em si estará já admissivelmente nos paradigmas mais ou menos implicitamente teóricos ou "teoréticos" da narratividade anterior---e designadamente na do século XIX, num Dostoievski, por exemplo.
O que eu digo é que o própria ideia de "saturação narrracional" tópica do naturalismo "à Zola" ao ser levada a uma espécie de ponto crítico [ou] de ruptura acaba por gerar uma "falácia de composição" que, entre outras coisas, "prova" que o real está longe de ser orgânico e que, em última análise, a melhor prova é... exigir-lhe que o seja ou se reconheça "culpado" e, talvez [como lhe pede ou lhe exige especificamente um Beckett ao colocá-lo frontalmente perante as suas "responsabilidades epistemológicas" próprias e específicas] se... suicide.
Maugham não é Beckett, repito; de facto, nem sequer é... Robbe-Grillet ou Nathalie Sarraute ou Michel Butor ou Marguerite Duras.
É "apenas" Maugham, i. e. alguém que a História colocou no meio de um trajecto relativamente ao qual, porém, ele e a sua obra, do ponto ou ângulo em que aquelab mesma História os colocou a um e a outra, pode seguramente ensinar-nos qualquer coisa...
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