domingo, 24 de maio de 2009

"O Adeus a um Gentleman"

Sou "do" Benfica.

Já aqui o disse várias vezes, desse modo, marcando (ou tentando, pelo menos, marcar) um determinado posicionamento pessoal, muito preciso, muito deliberado e também muito longamente reflectido de quasi-militância contra a pedanteria e o supremacismo vácuo, o sobismo delambido de alguns "intelectuais" "de cá da quinta" para quem só se pode ser (publicamente, pelo menos...) "de" um clube (em particular se for 'de futebol' ou 'sobretudo de futebol') em "casos" muuuuito especiais e (como dizer?) devidamente "autorizados" e, claro, apenas após se ter recebido o aval de algum 'pensador' mais ou menos oficialmente encartado ou de outro 'intelectual' perfeitamente estabelecido e institutucional, portador, por exemplo, de idêntica "fraqueza" ou, se assim se preferir dizer: do poder reconhecido de decretar isenções e "bulas"...

Não "bolas", bulas!

É evidente que eu não "do" Benfica apenas para "chatear" os presumidos e os snobs: sou-o, desde logo, "porque sou, pronto!" e sou-o, depois, já mais a sério (ou já completamente a sério) porque entendo que as pulsões irracionais que nos habitam e até que, de algum modo, nos caracterizam e, em última instância, nos definem como indivíduos apenas podem ser objecto de são e higiénico--de educado e essencial--processo de sociabilização se eclarecidamente sublimadas e reduzidas educadamente a código ou ritual--a um código e/ou um ritual "negociáveis" no plano de um diálogo civilizado, responsável e socialmente digno a manter, por sua vez, no contexto mais amplo, mais lato de uma atitude cultu(r)al orgânica, global e integrante onde cabem de algum modo (de algum modo nobre) in-discriminada ou in-discriminatoriamente (e vou dizer isto sem hesitar e sem, seja-como-for, "me esconder", ham?...) Mozart, Beethoven, Kubrick, Tati, Bacon, o Benfica ou Magritte, algumas das minhas diversas paixões e incontáveis "béguins" cultu(r)ais de que não prescindo e que me recuso a sectoriar ou a hierarquizar demasiado em atenção aos gurus e fariseus cultu(r)ais que por aí pululam...
Sou, pois, "do" Benfica, pronto!
Desde logo, do tal "Benfica sociológico" que falo noutro ponto deste "Diário".
... Ou coisa parecida.

"Um" Benfica onde, ser-se-ia levado a pensar, a figura invulgarmente polida--insolitamente... civilizada--de 'Quique' Flores caberia às mil maravilhas.

"Caberia"?

Então, não cabe?

Pois, o problema é que, com o 'Quique' se passa, descubro-o por fim com infinito desconforto ("in dismay", como diria, neste contexto, um desiludido como eu que em vez de lusófono fosse anglófono e dispusesse, por isso, de uma língua admiravelmente sintéctica e exacta) o que tantas vezes se passa com os nossos "icones" e "ídolos" pop "de cabeceira": a gente acostuma-se a admirá-los, às vezes, até a amá-los e, depois, vai-se a ver, ou são uns "fachos" horríveis como a Bardot e o Autant-Lara (cujos filmes--fraquinhos, pronto, tipo "Mirroir de L' Histoire" filmado com duas câmaras e uns fulanos muito castiços por ali, vestidos à Lagardère--fizeram, porém, as delícias da minha lisboetísima adolescência de frequentador babado de tudo quanto era "Cinearte" e "Royal"...) uns vendidos danados como o Kazan; uns mal-encarados "da porra" como o Torga e o Saramago ou uns "talvez pedófilos" 'lixados' como o Chaplin, o Erroll Flynn e o Reverendo Dodgson.

E por aí fora.

O 'Quique', é verdade, que eu saiba, não foi tão longe como alguns destes: não fotografou jovenzinhas púberes em poses de Lolita; não casou com nenhuma nem andou por aí a dar vivas ao canastrão do Le Pen e a (desculpem-me a expressão!) a "marrar" constantemente com tudo quanto é árabe ou judeu que tenha o azar de lhe aparecer pela frente.

Limitou-se a ser um péssimo treinador (de facto, um treinador, sob diversos aspectos, literalmnte inexistente); o mais atencioso e respeitador dos treinadores inexistentes que não conheci pessoalmente, nestes últimos vinte ou trinta anos de vida.

E olhem que eu não conheci pessoalmente muitos, ham?!...

Portanto, já vêem...

Por isso, quando praticamente disse adeus a uma época inteira que foi toda ela tão alegre, educada e mesmo triunfalmente "atirada por ele para o maneta", tive, desde já o confesso, um suspiro instintivo, imediato e irreprimível de alívio!

Bolas!

Que já estava farto de ter quem me explicasse todos os domingos, tim-tim-por-tim, por que exacta razão "tínhamos" outra vez perdido; quem da forma mais cortês e irresistível me soubesse convencer de que falhar objectivos atrás uns dos outros era uma modalidade, afinal, fabulosa e absolutamente única de sucesso--sucesso esse digno de um grande clube europeu que "tínhamos", claro, de continar a ter, não deixando, um segundo sequer que fosse, de lutar e trabalhar para isso, insistindo exactamente no mesmo tipo de meio de atingi-lo!...

Agora, se faz favor, queria um que ganhasse mesmo ainda que que, a explicar, fosse um bocadinho menos brilhante...

O Carlos Pinhão, que era um fulano engraçadíssimo e que escreveu sobre futebol numa altura em que para se escrever sobre futebol era preciso perceber de futebol, costumava dizer que os franceses "do tempo dele" tinham a melhor imprensa desportiva, os estádios de futebol mais airosos e espectaculares, os equipamentos mais giros, o único problema deles era que lhes faltavam equipas e jogadores que soubessem... jogar à bola e vencer "coisas" nesses estádios e com esses equipamentos a fim de que esses jornais e revistas pudessem, na realidade, justificar-se...

Este "mot d'esprit" do Pinhão (que tinha muitos e alguns, de facto, muito bons!) ecoa, aliás, um outro, também muito engraçado, que fala de médicos e de uma estranhísima e original metodologia cirúrgica que, uma vez posta em prática e tirando o pormenor insignificante de o paciente ter morrido no fim, acabou constituindo um sucesso memorável...

Lembrei-me do Pinhão e destes médicos "à Jerry Lewis" ou "à Woodie Allen" naquele instante em que "me despedi" interiormente do 'Quique': é que também a este verdadeiro "gentleman" do futebol falta muito pouco para ser grande: "apenas" perceber um pouquinho só que seja da arte de pôr futebolistas a jogar (mas mesmo a jogar!) em campo--arte essa a que alguns, com característico horror e, no fundo, com o mesmo alegre, descontraído e educadíssimo distanciamento do próprio Flores, chamam com irreprimível desdém (como comecei por recordar) futebol...

É que--e já o demonstrou à saciedade--tirando isso, o homem tem tudo...

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