sexta-feira, 8 de maio de 2009

"Alguns aspectos humanos e críticos da «tradição»"

Era, em tempos, comum dizer-se que bastavam "três FF" para definir Portugal inteiro: o "F" de "Fado", o de "Futebol" e o de "Fátima".
Eu acrescentaria que, tal como os "três mosqueteiros" eram, afinal, quatro contando com o "odd-man out" que foi aquele que, deles, foi, afinal, o viria a ficar consagrado como a "estrela", D' Artagnan, talvez pudessemos considerar que também os "três FF" pudessem, ao fim e ao cabo, ser quatro incluindo, neste caso, no grupo não um "odd man" mas uma "odd-letter out" que podia ser, por exemplo, o "A" de... "asneira".

Ocorreu-nme esta idfeia de umas forma irresistível ao ler, no "Público" de hoje, um conjunto verdadeiramente extraordinário de "argumentos" dos defensores dos inomináveis "espectáculos taurinos", recentemente banidos, como se sab, por lei, de alguns concelhos do País.

Ora, a mim o que se me afigura mais notável do que qualquer outra coisa nesta questão toda é que, em pleno século XXI, ainda estejamos paulatinamente a esgrimir argumentos (e "argumentos"...); a "ruminar" alegações e considerandos, em torno de uma coisa tão impensável de primitiva, moralmente repugnante e barbaresca, as "tais" touradas!

Isto é: que ainda precisemos de debater se tal demonstração de pura selvajaria é ou não já nm digo defensável mas até simplesmente argumentável .

O próprio princípio sobre o qual a barbaridade em causa assenta--a ideia de um grupo de seres vivos se juntar para ver morrer um outro ser igualmente vivo, o princípio abstracto, digamos assim; o posicionamento, chamemos-lhe: teórico e ético perante valores de sensibilidade e de respeito pela integridade objectiva da própria realidade, dizia, já só por si basta (ou deveria bastar como a cada um de nós como parte integrante de uma ideal Humanidade do Século XXI que já teria superado e adequadamente ritualizado as suas os seus instintos e pulsões mais intrinsecamente animalescas) para chocar em termos de posicionamento mental e crítico, abstracto, filosófico, ético perante... a vida.

Festejar a Morte--sobretudo a alheia; regozijar-se com ela ainda por cima como um opção (im!) puramente "estética" no contexto daquilo, daquele conceito ou daquela "conceptuação" a que os Cristão se referem chamando-lhe respeitosamente "a Criação", regozijar-se com ela, Morte, convertê-la, ainda por cima, na forma dificilmente pensável de um requintado (e festivo!) suplício, revela não só uma insensibilidade mas, também, no limite, uma possível cobardia moral verdadeiramente monstruosas que nos fazem, afinal, descrer profundamente do futuro da própria Humanidade.

Há neste "viva la muerte" (grito, como é sabido, dos franquistas durante a Guerra Civil de Espanha) um desrespeito relativamente a valores essenciais de dignidade e de respeito da própria condição humana por si mesma que, repito, só posso considerar moralmente inquietante e que me faz, por isso, temer, como também já escrevi, profundamente perante aquilo que vai ser o mundo dando, no século XXI, sinais deste tipo.

Quando os defensores das touradas dizem, por exemplo (e regresso aqui ao "Público" na ediçãio de hoje) que citado) a posição do município de Viana do Castelo ou do seu presidente de declarar o município "livre de touradas", uma posição (e uma decisão) "abusivas" e que "deveria ter feito um referendo", fica-se (só se pode ficar, diria eu!)literalmente boquiaberto.

É que... pode-se referendar a desumanidade?

É referendável a crueldade gratuita para gáudio de homens e mulheres que confundem "divertimento", "tradição" e "cultura" com "ter deixado ficar a cabeça encalhada noutro século qualquer" dos vários que já passaram e que foi preciso atravessar e vencer para se chegar ao XXI, que é, por definição, oúltmo mas o último no sentido de 'o mais moderno', 'o mais avançado', 'o que mais... evoluíu'?

Pode-se, numa palavra; pode o poder, pode um autarca, pode um representante do poder político democrático plebiscitar o atraso cultural numa das suas modalidades e formas mais gritantes e agressivas?

Pois...

E quando se diz, por outro lado, que "proibir (lá está!...) uma tradição como é a festa brava "é o mesmo que proibir o fandango ou o vira do minho"?
Que mentalidade, que discernimento se divisa com toda a clareza por trás deste... "argumento"?

Quanto sangue faz correr um... "vira" do Minho?

Quem sai para o matadouro depois de supliciado quando alguém se lembra de "bater" um fandango?

É "isto" sequer um argumento?

Respondendo a "isto" estamos a fazer justiça àquilo que é suposto distinguir-nos dos animais que é a inteligência?...

E quando um outro cidadão vem (para defender, imagine-se, as touradas!) que é preciso pensar n' "os milhares de animais domésticos que enfrentam a morte por falta de alimentos"??!!

Ou "que as pessoas dos touros (sic) já se disponibilizaram para fazerem uma corrida cujas receitas revertam (imagine-se só!) a favor dos zoófilos" (!!)

Será a brincar?!

Sacrificam-se uns, a gente goza e compra uma coisa e outra, crueldade "livre" e gozo, com uns quantos cobres resultantes da própria barbárie que assim se pode legitimamente dizer "re/investe paulatinamente em si mesma" "legitimando-se" com um impudor e um descaramento que não lembravam ao próprio diabo!

Quer dizer: no primeiro caso, a questão põe-se em termos de: se uns sofrem, os outros... "não são menos e têm o mesmo direito"?!!
Ou o mesmo... "dever"?!

No segundo caso: se a gente der uns cobres a uns já pode tortutar tranquilamente os outros!

Só me ocorre perguntar: Meu Deus! Como é possível debater com "argumentação" deste calibre??!!
Por fim, duas notas: uma para me solidarizar incondicionalmente neste ponto em concreto com o pesidente da Câmara Municipal de Viana e também com os de Braga, Cascais e Sintra.

Dizer que são municípios onde decisões deste tipo podem ser tomadas porque não se tratando de municípios com a tal "tradição" taurina, não fazem perder votos não colhe: são boas decisões, humanas, civilizadas, há que apoiá-las.

Outra nota para a presidente da Câmara de Coruche, obvimente receosa de perder votos e que assume, ainda segundo o "Público" citado, uma posição de equilibrista na corda bamba: defende a... "tradição" mas vai dizendo (como Pilatos...) por outro lado, que "a edilidade não dá habitualmente apoios directos às corridas ou à reabilitação da praça".

Pois...

Maquiavel não diria melhor...

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