terça-feira, 23 de fevereiro de 2010

"Sociedade Inversional e Sociedade In-Orgânica: Algumas Reflexões Pessoais Sobre o Capitalismo de Hoje"


Falando recentemente da "crise" instalada no seio do capitalismo de hoje---um estado, de facto, muito mais do que simplesmente uma crise [terá, penso eu, chegado provavelmente o momento de um Huntington ou de um Fukuyama quaisquer começaram a avançar novas expressões de garantida "eufonia" pública, mediática e pública, do tipo "esquina" ou "ângulo" civilizacionais porque é, na verdade, a meu ver para aí que se caminha, para uma "esquina" ou "ângulo", talvez "recto" da História do Ocidente...]; pois, falando, recentemente da tal "crise", dizia eu, por outras palavras, que toda ela assentava na própria essência des/estruturalmente disfuncional do modelo capitalista de 'ocupação económico-política e social da História'.

E lembrava o 'mito' fulcral de que o "capitalismo produz riqueza.

Ora, mais uma vez aqui o digo, a questão não é a de saber se o capitalismo produz riqureza: a questão é a de quanta produz e, sobretudo, de como a produz.

Primeiro ponto: o capitalismo criou duas sociedades numa e só com elas presentes, com elas "à vista" consegue prosperar.

Criou, desde logo, uma verdadeira "sociedade inversional", cuja natureza paradoxal se estendeu naturalmente à sua [à nossa!] percepção sistémica de História, à História suibjectiva que dele se forma e às representações tópicas, teóricas e para-teóricas, que dela como sociedade mental, criamos e veiculamos.

Nas "culturas", nos 'universos cultu[r]ais' e mentais, capitalistas está sempre o projecto político primário de ver criada [e mantida a todo o custo] 'uma sociedade para uma economia'; uma sociedade para servir uma economia e a "democracia", uma velha e nobilíssima utopia grega, teve de tornar-se... "naturalmente" um meio de manter a História firmemente presa a si mesma a fim de possibilitar a estabilidade material completamente artificial do modelo.

Aquele projecto básico do capitalismo envolve, na base e de facto, o desígnio de submeter por completo as leis da realidade [com as leis biológicas à cabeça] às leis completamente aleatórias e convencionais da "economia".

No plano político, aquilo que o capitalismo faz é, com recurso espúrio a designação nobre de "democracia" "eleger sucessivamente sociedades" para uma economia e uma estrutura política funcional possibilitante desta, em lugar de, como na ideia genuína de Democracia, serem elegeitos órgãos de representação política para as sociedades.

A "democracia capitalista" [de facto a expressão a usar deveria naturalmente ser "democracia funcional ou instrumental" capitalista] responde sempre perante a economia [eu costumo dizer ironicamente: "despacha politicamente com ela"] e afere, mesmo, para todos os efeitos, a sua "qualidade" supostamente "intrínseca", específica [estamos, de facto, a falar, neste caso, da sua "funcionalidade" própria...] pelo modo como garante a estabilidade global do modelo capitalista, i.e. a maneira como consegue garantir níveis social e politicamente toleráveias de "redistribuição social das sub-valias" geradas significadamente pela máquina produtiva do capitalismo em acção, chamando a este ponto preciso da arquitectura global do 'sistema', o Estado "social", na verdade um alter ego operativo do 'Estado nação' recuperado, ele próprio, para servi-lo---e possibilitá-lo.

Eu atrevo-me mesmo a dizer: não apenas "recuperado"---colonizado por ele.

O projecto de estabilidade institucional objectiva, material, garantido pelo modelo de 'democracia funcional' não considera intrinsecamente [e muito menos, determinantemente] a qualidade especificamente política da democracia.

Na verdade, a esta exige-se, na sua versão "funcional" que assegure social e politico-formalmente estabilidade independentemente do conteúdo político específico da sociedade: trata-se, tão somente, como digo, de manter a História persistentemente imobilizada e solidamente fixada ["screwed-up", diria um obsevador anglófono e "screw", em inglês, é uma palavra adequadíssima para usar neste contexto por razões de, sem dúvida!" ] a si mesma e, claro--é disso que verdadeiramente se trata!---à infra-estrutura económica sobre a qual a História assenta.

Por isso, quando se fala desta 'democracia funcional', manda o rigor que ela seja [outra marca evidente da "inversionalidade" ou "específico inversional"---e "disfuncional" do modelo] entendida como um capítulo estrutural da Economia---não da Política.

Está, assim, tudo, numa palavra, ao contrário ["upside down"] no modelo economocrata vigente: a sua ideia de 'democracia' consiste primariamente em encontrar uma 'arquitectura polititiforme' ancilar e operativa que consiga impedir, de forma socialmente tolerável [em alguns momentos, logra mesmo torná-la... "apetecível"] os movimentos---o movimento---da História; a sua ideia de 'política' consiste no programa de "pôr várias sociedades teoricamente à votação" conseguindo, porém, no limite, sempre a "eleição" daquela [sempre a mesma] que melhor se adapta---e mais eficazmente serve---a economia e não a de designar, a de conceber autonomamente, de forma efectivamente livre, portanto, um modelo específico de economia para uma sociedade situada conceptivamente no centro do sistema; a sua ideia tópica de 'propriedade' [a marca "inversional" básica de todo o modelo] passa por "des-essencializá-la significadamente" em termos filosóficos e teóricos [torcendo, por completo, o modo como funciona de facto a realidade] esvaziando-a do seu conteúdo ecológico natural, i.e. arrancando-a na condição natural de "variável" [ela sim, funcional ou funcionante, do seu habitat original que são obviamente os paradigmas naturais de estruturação espontânea da própria realidade] e reinserindo-a, em seguida, no centro das suas representações "teóricas" de natureza cultu[r]al e política [de natureza cultu[r]al] política] na condição espúria completamente arbitrária e disfuncional de "constante".


Segundo ponto: ao lado dessa e "por cima" desta, gerou toda uma "sociedade inorgânica", ou melhor, criou formas estratégicas de inorganicidade nuclear que servem instrumentalmente o seu projecto global de "sociedade inversional" confluindo centralmente para uma economia.

Quer isto dizer que o mito da "produção de riqueza" não passa, na realidade, em última [mas real] instância, disso mesmo---de um "mito" assente num modo intencionalmente redutor de descrever o funcionamento real do sistema .

Aquilo que o capitalismo produz, de facto, é... capital.

A produção contínua [sempre "significada"] de capital é o objectivo real, efectivo, no fundo: único, do capitalismo.

Tudo o mais [a começar pela riqueza 'social' gerada no prrocesso] são meros subprodutos [e instrumentos possibilitadores, não esqueçamos!] da operatividade global de todo o sistema.]

Ora, o processo de produção contínua de capital induza diversas diswfuncionalidades resultado da sua artificialidade intrínseca, específica, ínssita relativamente ao modo como funciona naturalmente a realidade.

Primeiro é que o conhecimento [a Ciência que codifica os modelos de percepção estável da realidade] à semelhança do que se passou na "política" com a "democracia", sofreram um forte pressão exógena e artificial que o desfigurou, por completo.

Melhor: que desfigurou por completo o seu papel nos mecanismos naturais, ecológicos, de re/produção de realidade.

Originalmente, o saber é usado pelos seres vivos em geral [e até pelos não-vivos: a experiência permite demonstrá-lo] para ser directamente reinvestido na própria re/produção ulterior de realidade.

A ecologia da cognicionalidade opera desse modo, é parte integrante do processo específico do que chamo, na falta de melhor termo, "Vitação" ou "Biose".

Sabem-nos as espécies animais como as vegetais e minerais.

O 'conhecimento' biológico [o acesso livre à propriedade "teórica" da realidade e a transformação ulterior desse conhecimento em "Biose"] é parte integrante do processo natural de existir: do que chamo "ser", nas espécies, em maior ou menor escala, conscienciadas ou "esser" nas outras espécies nas quais a mediação exterior de uma consciência fixa e auto-percepcional não intervém no processo, encontrando-se a produção de modelos operativos de "saber" a cargo da estrutura molecular não-consciencialmente diferenciada dos "indivíduos" e/ou das espécies.

Em todos estes casos, não existe verdadeira diferenciação entyre a propriedade em maior ou menor escala "teórica" da realidade e a própria "Vida" ou "Biose".

No modelo teórico sobre o qual assenta o capitalismo, porém, a alienação dos indivíduos começa logo aqui.

A propriedade das formas de acesso directo à realidade e os mecanismos de produção de representações teóricas possibilitantes dela privatizaram-se, i.e,. converteram-se num mero "produto" que se compra e vende e, a prazo, num verdadeiro proto-capital cujo ascesso fica vedado à maioria dos indivíduos.

Estes passam a ter de confiar de forma, em maior ou menor escala, implícita nos modelos de representação e utilização da realidade gerados "em privado" por grupos ou tipos selectos de indivíduos.

Estes, por seu turno, usam o conhecimento que geram para reter neles a "Vida" ea fim de poderem gerar "valor" "revendendo" continuamente a "Vida" [é disso que se trata!] aos restantes.

As classes detentoras dos meios de reprodução social de conhecimento convertem-se em mediadoras estruturais dos processos vitacionainais e a própria vida se converte num "produto". De facto, aquilo que fazem as classes detentoras daqueles "meios de produção" [de saber] é acumular [açambarcar] as formas essenciais para gerar "Vida" e revendê-la aos que delas estão separados pelos produtoa avulsos dessa produção.

A inorganocidade específica, própria, intrínseca, do sistema reside basicamente nisto, nesta alienação de algum modo voluntária [é de toda uma cultura de sujeição consentida que estamos realmente a falar] por parte das sociedades, da propriedade dos meios de acesso teórico directo à realidade e na criação de formas de "dependência sistémica"---de "rarefação significada e estratégica"---de onde é gerado, de facto, o "valor de mercado" das coisas.

Da Vida.

Se o pão nascesse realmente nas árvores [como pretendiam os marinheiros de Cook...] os padeiros faliriam [de facto, nunca teriam, como é óbvio, existido padeiros] e toda a indústria da panificação estaria ipso facto impossibilitada de "gerar riqueza em pão" e entrar naturalmente no 'sistema' económico global.

A menos que...

A menos que, como perceberam os homens 'de iniciativa' que "fizeram" a Revolução Industrial, todos os pomares de árvores-de-pão fossem sistematicamente "enclosed", um Direito próprio fosse criado para assegurá-lo e, a toda a volta, se gerassem formas possibilitantes, estratégicas, de rarefacção de "pães" como pressuposto de uma nova [e, com certeza, florescente!] indústria.

As pessoas podem passar sem muitas coisas; podem arranjar-se para viverem sem muitas delas mas sem... vida, seguramente ninguém consegue....viver.

No capitalismo teórico---no capitalismo como forma de perceber e representar a realidade---é, para terminar, preciso, a meu ver, criar, a partir de Marx, duas noções-chave para se perceber como opera, de facto, o sistema económico-político em que vivemos: as noções de "sub-" e de "ultra-valia", assim definidas---e explicadas: a "sub-valia" é a "riqueza teórica" global [volto a dizer: os subprodutos inertes da produção nuclear de capital que chegam genericamente à sociedade na forma de "coisas" ou "objectos" potencialmente transaccionáveis]; a "riqueza" teórica que se gera, em geral, nas sociedades capitalistas e que existe de forma transversal ou latente em circulação nelas.

De facto, os objectos não passam, nas sociedades capitalistas como tal, de pretextos para gerar ou produzir capital o que permite concluir que também as pessoas, o "mercado", o são.

De facto, as pessoas, neste quadro estruturalmente não humanista, não representam a meta, o objectivo, final da chamemos-lhe assim: "existência operativa da sociedade" no seu todo: elas não passam, de facto, de circunstâncias ou ensejos possibilitantes de um processo que as percorre e atravessa sem efectivamenteb ver, digamos assim.

Estão lá "porque são precisas"---o que explica muito do que está a acontecer na nossa sociedade ultra-tecnológica de hoje em que elas se tornaram semi-excedentárias, i.e. podem muitas delas ser dispensadas de existir como produtoras embora estejam, contraditoriamente proibidas de ausentar-se do sistema [como---ninguém sabe já, hoje!] enquanto "mercado".

Já a "ultra-valia", o conceito de "ultra-valia" deve aplicar-se ao próprio conhecimento utilizado para gerar continuamente capital: este que é propriedade---estr[e]itamente---privada de grandes aglomerados multinacionais é o que permite gerar produtos [a "sub-valia" objectivamente lateral ou secundária do processo] mas, enquanto isso for materialmente possível, enquanto novos produtos puderem ir sendo gerados a partir de um mesmo conhecimento ele permanece activo gerando, assim, ultra-valias em número xis.

Esta possibilidade que a tecnologia criou de se gerarem diversos produtos de um único conhecimento [um hardware informático sempre transformável noutro mais "evoluído"---que já estava, aliás, de algum nodo, contido, na realidade, no primeiro---e, depois, uma quantidade determinada de itens de sofware a ele agregável, por exemplo: um exemplo perfeitamente reconhecível e até objectivamente identificável por quem ler os jornais...] permite ao conhecimento exponenciar-se cirúrgica e contuinuamente e, desse modo, "ultra-valer" sem, em momento algum, deixar a propriedade de um mesmo proprietário enquanto for possível manter o processo em causa a operar.

Quando um saber é desactivado da sua capacidade original, primária, para gerar mais capital ou "ultra-valia" ele é cedido ao domínio público [a função da escola pública de hoje, não me canso de dizê-lo, segue sendo a de adquirir essa "produção em segunda-mão"---apetece-me não resistir a dizer: esses "subprodutos" ou essa... "sucata" da "indústria da produção de capital" e "reciclá-la" na forma de "quadros" técnicos de manutenção] completando-se assim um processo estruturalmente disfuncional cujo fim me parece muito difícil [um fim qualquer] antever a muito breve prazo...


[Na imagem: estrela piramidal de M.C. Escher]

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