Num artigo recente vindo a lume no "Público", o Prof. Santana Castilho, uma das raras passoas em Portugal pensam a Educação [todas as que o não fazem estão, como se sabe, no governo] com quem não preciso de concordar integralmente para me dar conta da justeza geral das suas análises em matéria educativa, aborda a questão, a meu ver determinante---fulcral!---da iniciativa governamental, ela mesma, também recente, envolvendo a privatização a prazo da Educação em Portugal com passagem mais ou menos táctica [ou, se calhar, estratégica...] do processo por uma tal EPE, empresa dita "pública".
Devo dizer, desde já, que o processo não me surpreende minimamente---é mesmo, como os espirros na gripe, um sintoma inevitável básico, uma marca circunstancial de "projecto económico-político global" ["civilizacional" e "teórico-com-aspas"] comum às sociedades neo-liberais e pós-modernas dos nossos dias.
Comum nas diversas sociedades onde triunfaram já ou estão em vias de fazê-lo as formas---o paradigma, é de um paradigma estável e, como digo, 'sintomático' genuíno que realmente se trata---de um modelo de "societação in-orgânica" com uma "cidadania in/essencialmente funcional" que definem e caracterizam, hoje, o "capitalismo democrático".
Durante décadas a fio, o Estado dito "social", desempenhou, na vigência histórica e políticadaquilo a que chamo a "segunda burguesia institucional" [a "burguesia" que, após a tomada do poder económico e político; afastada a companhia já incómoda do "povo" que a ajudara a apear a aristocracia do seu papel anterior de classe dominante e a chegar triunfalmente ao poder, à "propriedade dos meios de re/produção social de História" e ocupada na essência a propriedade existente deixada vaga pelo tombo sofrido pela nobreza, inicia um processo de regressão geral dos modos tópicos, individuaias mas, sobretudo, colectivos, de "ocupar e protagonizar a História" que a levam de classe co-revolucionária para o papel tópico que tem ainda hoje de classe de resistência tenaz à mudança e classe abertamente reaccionária]; durante séculos a fio, dizia, o Estado dito "social", astuciosamente "funcionalizado" e instrumentalizado, serviu à brguesia para ir, por um lado, contendo e mantendo mais ou menos social e politicamente serenado, globalmente tranquilo um "povo" que, após a "amizade" e/ou a evidente [e útil!] "cumplicidade" inicial ela ia progressivamente "pondo de lado" mas sempre no óbvio e compreensível receio de que ele se desse demasiada conta do processo e pedisse, precisamente contas dele e, por outro lado, para se recapitalizar e se ir oferecendo um "mercado" sempre operacional e operativo.
Sem o Estado "social", as inúmeras "crises" cíclicas geradas pela natureza intrínseca e in/essencialmente des-igual e disfuncional do capitalismo há muito que teriam já levado [óbvia, fatalmente!] à implosão total do modelo.
Acontece, porém, que o paradigma de capitalismo industrial se alimenta continuamente de [cada vez mais] tecnologia [que é conhecimento "concretado" e/ou "significado"] e que o próprio mecanismo de interacção concorrencial nuclear do modelo obriga a um consumo intensivo dela ao memo tempo que a própria estrutura ferozmente privada do modelo faz com que todo o saber, toda a tecnologia, que entram no processo de fabrico de capital sejam privados, sejam uma propriedade "enclosed" do e pelo capital e que sirvam, por isso, na base e como é óbvio, os interesses e os objectivos do capital.
É para isso que ela "lá" está, é para isso, com essa função, que ela "entra na História".
Como um dos objectivos do capital é reduzir os custos de produção para vencver a concoorência feroz instalada no núcleio do processo, as dado passo, a mecânica e a lógica de investimento tecnlógico na História transforma-se naturalmente num priocesso de substituição tendencial do que Marx chamou "capital variável" pelo capital "fixo" ou 'saber concretado em máquinas'.
Por outras palavras: se o conceito que esta 'segunda burguesia' ou "burguesia regressiva" tem da cidadania é já o de uma variável ou mera circunstância mais [muito mais!] do que um estatuto natural e orgânico, a sua ideia de "cidadania funcional" passa naturalmente para o próprio tecido do processo onde os homens vão dando, com toda a naturalidade e previsibilidade, gradualmente lugar às máquinas no contexto estrito e específico da produção.
Útil por útil, funcional por funcional, uma máquina é qualquer dessas coisas infinitamente mais do que um homem: não protesta, não reivindica, pode ser desligada ["despedida" ou "suspensa"] sem incómodos sociais e políticos.
O problema é que há nesta visão in/essencialmente utilitarista e funcionalista da burguesia uma falácia de composição sempre latente: o modelo permanece operativo até um dado grau de composição do modelo mas está condenado pela vsua própria natureza intrinsecamente disfuncional e disfuncionante a, a dado passo, fatalmente deixar de operar no sentido inicialmente proposto.
Ou seja, como um homem é uma entidade ôntica ou ontológica integra e estrutural, orgânica, que não pode ser "teoricamente dividida" ou "cindida", ele, ao ser levado a entrar no processo "dividido teoricamente em dois", produtor e comprador, quando o capitalismo desequilibra esta "ecologia ontológica" que o é também histórica concreta, des-une e disfunciona todo o processo.
Dito de outro modo ainda: quando começa, por imperativo da [i] lógica e/ou da dinâmica natural do próprio processo de manipulação estrutural das variáveis relativas "capital variável"/"capital fixo" a [como dizer?] "faltar Homem" na produção, é fatal que, a prazo, deixe de haver também Homem no mercado...
Ora, é aí precisamente que entra o Estado "social" ao qual seria muito mais adequado e rigoroso chamar, agora, Estado "funcional": no projecto de irv recapitalizando todo o edifício do capitalismo institucional e, na prática, mantendo todo o modelo histórica, asocial e politicamente possível.
O problema é que este apenas pode naturalmente suiportar e integtrar operativamente em si uma determinada quantidade ou valor teórico de conhecimento convertido em tecnologia: a partir de um dado ponto ou momento teóricos, deixa de ser materialmente possível sem ruptura ao modelo alimentar-se assim de si próprio.
As contribuições sociais pagas, no fundo, pelo "Estado instrumental" a si próprio deixam de ser suficientes [grande parte da população tornou-se completamente marginal ao processo, já não o medeia nem sequer instrumentalmente]; não há salários nem pensões em quantidade suficiente para taxar porque a produção já nem simbólica ou virtualmente utiliza mão de obra humana; há sectores inteiros da sociedade que começam a ser "des-salariados" tiornando-se "não-operários" ou "não-trabalhadores" em geral "de profissão", o capitalismo depara-se com o problema decisivo de ter de se alimentar a si próprio directamente, isto é, sem a mediação de uma classe que... deixou progressivamente de existir e deixando de existir deixou de contribuir organicamente, de dois modos igualmente relevantes, essenciais mesmo, para a possibilitação global de todo o sistema como tal.
Baixaram os custos em salários, em capital variável?
Baixaram mas foram ipso facto desaparecendo o mercado e os meios para "recapitalizá-lo socialmente", de forma contínua, através da contribuição da componente fiscal que o ia alimentando.
Aquilo que o neo-liberalismo "social" em vigência hoje entre nós não parece ter percebido é a gravidade estrutural da situação perante a qual se acha: ele julga, estupidamente [não há outra palavra] que pode sem consequêncuias [e drásticas, dramáticas!] tirar ao modelo que serve o tapete essencial do Estado.
Imbecilmente, acredita ser possível desmantelar ulteriormente o edifício possibilitante do "Estado funcional" sem entender que ele é, num sentido muito essencial e muito preciso, o próprio pilar, o fundamento, o alicerce---a chave social e política objectiva---de todo o modelo. Não percebe ou finge não perceber que se encontra perante uma verdadeira "esquina" ou "ângulo" da História e não perante uma mera "curva" mais ou menos ocasional e com maior ou menor dificuldad e negociável e ultrapassável da mesma.
Não percebe, numa palavra, a sua condição, o seu verdadeiro lugar na História.
Há muito que [voltando ao ponto de partida destas notas] que privatizar mais [aquilo que o sistema na sua lógica bipolaridade dissociacional, na sua esquizofrenia disfuncional, por um lado exige] apenas pode precipitar a ruptura: o sistema não comporta mais tecnologia e até, pelo contrário, devia já estar a desindustrializar e a destecnologizar para se tentar, como nos anos '40, a tentar a todo o custo salvar e possibilitar um pouco mais.
O sistema está a ser vítima de tensões fortíssimas bi-direccionais resultado inevitável da falácia nuclear que introduziu em si quando "cindiu" e tornou "teoreticamente inorgânico" o Homem no seu modelo teórico específico de base, dividindo-o completamente [dividindo-o 'longitudinalmente' enquanto figura ou representação filosófica e especificamente ontológica teórica] em produtor e consumidor e, levando-o, em seguida, à prática [à prática histórica, económica, social e política] nessa condição in/essencialmente dissociacional e alienada.
Por um lado, precisa de reencontrar fontes de receita "sociais" [onde?] mas por outro vê-se na contingência premente de reduzir custos comprimndo o Estado que é um pilasr essencial do processo.
A Escola faz parte deste dilema---integra-se nele na [contraditória, paradoxal!] "perfeição": o capitalismo tecnológico de hoje não precisa [isso é óbvio!] da quantidade, para si, desmesurada, colossal de quadros médios que o paradigma de escola pública está vocacionado para produzir.
Por isso, privatiza a prazo a escola e pretende pô-la a produzir significadamente para si os quadros de que realmente precisa [aqueles que façam realmente a diferença---os tais agentes-I&D com que sonha acordado todos os dias---e uns quantos acessórios "de manutenção"].
Tudo o resto da actual "produção" escolar é há muito excedentário e para ele, sistema, "inútil": para quê pagar, argumenta ele, uma "coisa completamente inútil" como a formação intelerctual dos cidadãos?
O problema é que [lá vem a tal "pulsão" bipolar dissociacional muito forte que caractrerizab o actual estádio de "desenvolvimento" do capitalismo tecnológico!] ao fazê-lo só pode lecvar mais além todo o mecanismo de desintegração interior que marca nuclearmente aquele estádio de "desenvolvimento" ou, como prefiro dizer: "volução objectual".
Na situação "volucional" actual do capitalismo, o dilema é: recuar [e como? Desindustrializar, destecnologizar---outra vez: como?---des-integrando-se pela negativa] ou uma fuga cega para a frente [desintegrando-se activamente através do bloqueio "por opção", a médio prazo]?
No caso das escolas e do mais do que previsível projecto de pivatização a prazo, o "sistema" escolheu ir "a passo".
É o mínimo que pode fazer e que a prudência aconselha: espantar a sociedade não ajuda nada.
Assim, [semi] privatiza, para já, apenas o "corpo" da Escola e vai estudando atentamente [tão atentamente quanto é capaz, essa é outra questão] a reacção da sociedade em volta.
Pelo caminho, serve de "broker" para uns quantos negócios na área da construção [que o artigo do Prof. Castilho denuncia---é o "Estado almocreve" em todo o seu esplendor!] e adia o problema.
A questão, todavia, é que muito dificilmente o problema terá solução.
De dentro do sistema, não vejo que a tenha.
Vejo-a, sim, de fora do sistema e creio mesmo, para terminar, que a única via, o único caminho que pode levar à solução do problema orgânico político e civilizacional em que se tornou o capitalismo global de hoje passa pela inclusão despreconceituosa na equação civilizacional da conponente propriedade; passa pela reconversão desta de constante da equação em variável que é como quem diz: passa por um processo de repensamento profundo do socialismo e, em geral, da Esquerda.
Passa, no limite, por uma "nova História" para a Humanidade assente na correcção séria, minuciosa, radical dos [inúmeros] erros da anterior.
[Na imagem: "Crossroads" desenho de István Orosz]
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