Já aqui falei, no "Quisto", sobre os efeitos demonstráveis de um ensino predominantemente oralizado sobre o ensino centrado na palavra escrita de "outros tempos".
O ensino centrado na palavra escrita era essencialmente um ensino de "outro tempo" mas, também, um ensino com outro tempo---o que está longe de ser despiciendo e irrelevante.
Era, além disso, um ensino, por assim dizer, "horizontal", baseado no livro lido usualmente nessa posição, com o respectivo conteúdo apropriado pelo sujeito nessa posição de comum "sujeição cognicional" que coloca as práticas respectivas na condição essencial de "objecto" do "sueito" quem estudava.
A questão do "tempo" específico deste modelo de ensino é, como disse, fundamental: o sujeito domina-o por completo, ao menos potencialmente, no0 preciso sentido em que pode nele "deslocar-se crítica" ou, como costumo dizer: "criticionalmente" nele de um modo que se encontra estavelmente submetido à sua vontade e ao seu próprio ritmo ou tempo de assuimilação.
É ainda um tipo de ensino que conjuga tacitamente o olhar, a memória visual assim estimulada a funcionar pelo próprio paradigma de tempo utilizado.
Por outro lado, a leitura como prazer, comum neste modelo de aprendizagem e não especialmente direccionada para aspectos in/essencialmente funcionais e imediatos, permitia "rodar" continuamente formas e conceitos, contextuando-os e definindo-os, precisando-os, contínua e, sobretudo, estruturalmente.
Eu costumo dizer; eu que passei, primeiro como aluno [do Pro. Sílvio Elia que, julgo saber, trouxe muito do saber linguístico "novo", por exemplo, saussureano, para a Universidade portuguesa] e, mais tarde como professor, pela árida, perturbadora experiência pedagógico-didáctica [e, em termos mais latos, cognitiva] do mecanicismo estruturalista/funcionalista do início da década de '70 que, no modelo anterior, os alunos "davam erros" [isto é, gozavam do 'privilégio intelectual e cognitivo' de dar erros] enquanto que, naquele que lhe sucedeu se limitavam a confundir a "geometria" ocasional do discurso [que lhes chegava sempre "já feito" e "vindo de fora"; que se encontrava sempre situado para além da sua capacidade estrutural, decisiva, de intervir nele para autonomamente o conjugar e determinar].
O ensino que sucedeu, entre nós, ao modelo "horizontal" é, pois, basicamente, o ensino da forma e da direcção funcional das coisas---não um ensino que vise realmente formar a consciência e a inteligência do respectivo... "objeito" ou "subjecto", como acho que por isso deve passsar a ser chamado o estudante tópico do modelo.
Este limita-se, em última instância, a prestar-se ao papel cognitivamente ancilar de mediador de um saber que, quer intrínseca ou "técnica", quer politicamente, de facto, não lhe pertence.
É a vulgarização de padrões de "exogeneização nuclear" da produção de saber e especificamente de discurso [de "logos", para usar um termo consagrado e, ao mesmo tempo, abarcante] que explica coisas muito concretas e comuns como o mau-uso [o 'misuse'] corrente de vocábulos e conceitos ou conceituações.
Dou exemplos de disfuncionalidades deste modelo intrinsecamente formal de aprendizado: o uso errado dos termos [e, por mero arrasto, conceitos que, neste paradigma, tendem consistentemente a ir sempre, de forma tendencial e topicamente passiva "atrás da sua própria forma" e "puxados por ela"]: a confusão extremamente comum ainda hoje entre "rectificar" e "ratificar".
Sem a leitura regular para "rodar" continuamente o conceito, a confusão verifica-se na tal componente inessencialmente "geométrica" ou formal do discurso, contaminando, em seguida, secundariamente o discurso no seu interior.
Num só dia, por exemplo e num só jornal, deparei com os exemplos que a seguir transcrevo.
São todos eles do "Público" de 23.01.10, do suplemento "Fugas".
Primeiro:
1-Na página 28, falando de um hotel ou pousada turística situados na zona centro do País, erscreve-se
"Em qualquer um dos 93 quartos (incluindo as 22 suites e 20 suites júnior) do Hotel Villa Batalha irá deparar-se com a identidade da região. Primeiro, com os deliciosos doces tradicionais que o aguardam, acompanhados de ginja de Óbidos ou vinho do Porto.
A segunda CONTESTAÇÃO surge no mini-bar, onde a variedade de bebidas habitual é substituida, exclusivamente, por águas e sumos naturais de fruta da Cooperativa de Alcobaça".
"Contestação" a isto?
Por quê??!
É óbvio que aquilo que o autor pretende dizer é "CONSTATAÇÃO".
A semelhança exterior entre os termos induziu-o num "erro" que torna, obviamente, o discurso disparatado e, neste caso, conduzindo até numa direcção e num sentido que são, exactamente, o oposto ao pretendido.
2- Falando do Brasil e especificamente de uma região da selva amazónica, o autor do texto intitulado "Amapá: na Amazónia com um índio tikuna" fala, a dado passo, de uma "casinha SOB estacas".
É evidente que pretende dizer "SOBRE" e não "SOB" que, mais uma vez, é o exacto contrário do que efectivamente diz ou escreve.
3- Um terceiro exemplo, chega-nos do mesmo texto na forma de umas supostas "DIATRIBES" do rio Araguari.
Um rio que discursa, no Brasil??
Deve ser caso único!
O que se ptretenderia dizer seria "DIABRURAS" e não "DIATRIBES".
Mais uma vez, a forma se precipitou na disfunção, arrastando consigo, às vezes, como referi, na direcção exactamente oposta à pretendida o respectivo conteúdo em ideia ou ideias---algo, volto a dizer, consistente com o modelo de aprendizado corrente, assente na oralização/funcionalização imediata [senão mesmo, imediatista] do discurso reflexo de idêntico fenómeno ocorrido no próprio interior de todo o paradigma corrente de "educatividade".
[Imagem ilustrativa extraída com a devida vénia de mybrightonandhove.org]
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