sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

"Sobre o Paradigma Civilizacional e Político Ocidental Cultu(r)al, de Hoje"[Inc.]


Um texto de Helena Matos ["Os situacionistas"] no "Público" de ontem, dia 18.
Documentalmente interessante.

Se eu fosse professor de História [já fui! Já fui: à força, mas fui!...] em vez de sê-lo de Inglês, não hesitaria em usá-lo para ilustrar quialquer exposição que viesse a ser feita relativam,ente ao modo como se processou a mudança da propriedade da História da aristocracia para burguesia "revolucionária" de '89 [que a banalizou e trouxe banalizada e imperdoavelmente traída, depois, até aos nossos dias].

Não sou, por diversos motivos que não vêm agora ao caso, grande 'cliente' das crónicas de Helena Matos mas esta convenceu-me definitivamente pelo modo como foi capaz de captar com uma verdadeiramente impressionante fidelidade, a 'fotografia de famíilia', móvel mas esclarecedora, de certas "prises" cíclicas, pendulares, "du pouvoir historique" que começam sempre muito bem mas que acabam invariavelmente mal, em farsa e paródia.

Triste, patética farsa e amarga paródia, aliás!...

Outro texto: uma crónica de Pedro Lomba ["No reino das aparências"] nesse mesmo "Público" de 18.

Outro impressivo retrato da "Idade Mídia" à portuguesa---pelo menos, dessa.

Repete-se, com efeito, até à nausea o mito de que vivemos hoje numa "gnoseotopia" ou "sociedade gnoseotópica" mais ou menos final e perfeita, devido às quantidaqdeas de tecnologia que nela existem "em suspensão".

Ora, o mito, a falsidade, o embuste, residem precisamente aí: a propriedade dos saberes [também deles que são o proto-capital electivo, vital, da economocracia reinante] é o que verdadeiramente determina [e mantém institucionalmente determinada!] a diferença, o fosso, [se não quisererem dizer "o fosso" por "custar politicamente muito a dizer", digam "fronteira", por exemplo...] entre as classes.

O conhecimento tornou-se, com a Revolução Industrial [que foi a segunda fase ou a segunda etapa da Revolução Francesa---aquela que tem lugar quando a burguesia "compradore" começou como classe a separar-se definitivamente das "escórias" sociais que, como movimento social e político, continha---"o povo"---e a precipitar-se sozinha, decantada, no fundo do "vaso social, histórico e político" que ainda hoje a contém]; o conhecimento, dizia, tornou-se uma propriedade privada e uma matéria-prima essencial do próprio processo de re/produção contínua de capital que constitui o fundamento básico, a "explicação" primária da História, do modelo de civilização aí encontrado.

O processo levou à dissociação polar, esquizóide, do saber que ainda hoje [ou sobretudo hoje!] vigora e prevalece.

O conhecimento [a propriedade, diria Marx, dos meios sociais de re/produção de conhecimento e, ipso facto, de capital] desdobrou-se, como se diz em linguagem química, num conhecimento activo ou primário [que é gerador de capital e constitui propriedade estr(e)itamente privada das grandes empresas multinacionais] onde é reproduzido e convertido continuamente em produtos permanecendo deles, durante um determinado período de tempo como uma ultra-valia estável de si e um segundo saber, já em larga medida in-orgânico e inerte enquanto reprodutor básico ou primário de capital que os privados cedem ao sistema de ensino público e reutilizam secundariamente, a prazo, como saber 'de manutenção' do próprio sistema.

Esta "esquizofrenia gnoseomórfica" que serve para fundamentar [conferir fundamento teórico e prático ao sistema ou teoria de classes sociais nos dias de hoje] e definir os limites ou fronteiras epistemológicas de cada uma delas representa uma abstractização ulterior do sistema de propriedade ou, se assim se preferir dizer, uma 'ulteriorização funcional' [e 'funcionante'] do sistema de "enclosures" físicas, materiais que é típico da revolução industrial.

Ora, sucede que ficando a propriedade política do saber nas mãos de uma classe, permanece, de igual modo, nesta [e contribuem determinantemente para reconsolidá-la de forma contínua] o próprio segredo da produção de conhecimento.

Permanece o conteúdo do saber mas permanece também a respectiva forma: a produção e os meios de produção, diria Marx.

É isto que explica [o facto de o conhecimento tern passado a entrar de forma [des!]estruturalmente des-igual na História] de as diferentes classes acederem de forma, de igual modo des/estrutural [e, num certo sentido preciso, desestruturantemente] des-igual ao saber.

De facto, uma delas, a classe dominante, dispõe, como vimos, da propriedade desse saber, isto é, está ligada ao real pelo saber; já a outra classe está desse mesmo real [dos meios de acesso directo a ele e à possibilidade concreta de transformá-lo, como também dizia Marx] separada pelos produtos inertes que o saber gera ou permite gerar.

A divisão da sociedade em classes tem, em síntese, hoje, esta forma e este fundamento precisos.

Não suspreende, por isso, que a gnoseotopia reclamada seja uma questão in/essencialmente política, puramente teórica---e apenas virtual.

Que, "cá em baixo na sociedade", em lugar de saber e de formas ou concretações genuínas do saber, circulem meras aparências, formas in-orgânicas e epistemologicamente não-necessárias, dele.

É que essas "aparências" de que fala Pedro Lomba no seu artigo, são, afinal, também elas os produtos puramente secundários" ou "terciários" do saber que, por terem sido estrategicamente isolados do respectivo modo de produção nos separam da realidade e da respectiva percepção em vez de a ela democraticamente nos ligarem.

Excepção?

Disfunção circunstancial e meramente acidental do 'sistema' ou paradigma civilizacional?

Bem pelo contrário: normalidade em toda a linha!

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