Leio no "Público" de hoje, dia 27.02.10 um título que me chama a atenção: "Crianças muito expostas a imagens sexuais e isso traz problemas".
É preciso começar por dizer que isto, posto deste modo categórico e descontextualizado, é disparate: é um mau título, por conseguinte.
É mau porque perpetua implicitamente um equívoco---um equívoco que está, aliás, já a outro nível e outro plano bem mais amplo e relevante, na base daquilo que é, na in/essência, a des/política oficial do poder em Portugal na área da chamada 'Educação Sexual'.
O equívoco que a formulação tem implícito era "normal" há trinta e cinco/quarenta anos.
Hoje, não!
Vai, com efeito, sendo altura de se começar a ter da sexualidade humana uma perspectiva verdadeiramente científica, i.e. moralmente neutral, de aproximação cognitiva que permita que abordemos como comunidade educativa, a questão exactamente do mesmo modo não impositiva e não-previamente [não-abusivamente!] "significado" como abordamos [ou devemos abordar]qualquer outra questão no sentido de a organizarmos no término como conhecimento.
O que vale por dizer: é preciso [mais uma vez insisto nisto!] que saibamos distinguir [e exigir que seja distinguido onde deve impreterivelmente sê-lo que é, desde logo, na base de tudo, nos programas e currículos escolares---na filosofia educativa] o olhar religioso do olhar científico a lançar sobre a realidade e que, sendo nós como povo, uma sociedade do século XIX, formalmente laica, desses olhares, aquele que passemos para as instituições académicas em geral seja este último e não [mesmo camufladamente, mesmo 'de contrabando'...] o primeiro.
Devo dizer que me surpreende [e até choca!] que seja, em geral, a direita a pretender que signifiquemos antecipadamente o modo [que devia, repito, ser sempre científico e objectivo] de abordar questões como a da Educação Sexual.
Desde logo, porque preconizando ela, em teoria, valores de "liberdade", não se percebe que não permita ou pretenda [e até aqui com sucesso prático] que não seja permitido que as pessoas usem livre e autonomamente o conhecimento adquirido em moldes objectivamente modernos.
Eu posso obviamente exercer a minha sexualidade desta ou daquela maneira e uma delas [ou várias delas] serem consideradas 'imorais' por alguém que comigo partilha a sociedade.
Agora, isso é uma coisa---que é em si mesma legítima no sentido preciso em que configura o exercício, por parte dos hipotéticos críticos da minha não menos hipotética conduta sexual, de um direito socialmente reconhecido: o da liberdade de crença ou de pensamento, em geral.
Outra coisa [e aqui é que bate o ponto!] é pretender que o conhecimento das coisas em si e estas mesmas, independente do seu uso ou usos sociais sejam "imorais".
Que possuam uma natureza moral própria, ínsita, intrínseca em si, distinta da sua natureza científica.
Esta segunda atitude é a das sociedades pré-científicas e ou "totémicas".
Aquilo que eu afirmo [e foi precisamente por aí que comecei] é que formulações que confundem, ao menos implicitamente, a natureza objectual e uma suposta natureza, natural e intrinsecamente "moral", da realidade paralela, concorrente ou mesmo anterior àc sua natureza essencial, estrutural, são formulações de natureza objecivamente obscurantista e anti-científica que Estado algum deve acolher no seio do seu património institucional específico e, por maioria de razão, especificamente educativo.
Confundir as imagens da sexualidade, no caso do título do "Público" com os usos teórica ou mesmo convencionamente---cultu[r]almente errados que dele se podem fazer não é uma atitude científica nem ajuda a que esta se forme no seio da sociedade em geral.
Claro que não está aqui em causa a liberalização do acesso a qualquer imagem de índole objectualmente sexual, independentemente, por exemplo, da idade dos sujeitos.
Agora, não se pode é em rigor dizer que a exposição de crianças ou adolescentes a imagens sexuais "traz problemas": o que traz, em abstracto, problemas é o mau uso que como comunidade educativa e/ou educacional em geral fazemos, neste caso concreto, do conhecimento.
As imagens sexuais como o próprio sexo [ou até a nudez que não é em si mesma nem moral nem imoral] fazem parte da realidade, são algo normal na vida, à vida e até indispensáveis, de um modo ou de outro, à vida.
O que traz problemas [e muitos!] é a minha eventual falta de capacidade, como pai [como "parent"] ou como professor e como sistema escolar, para transmitir esta ideia que é intrinsecamente autónoma relativamente a qualquer leitura moral, 'moralizante' ou 'moralizada' que dela façamos, aos jovens.
[Imagem 'gentilmente cedida' por lincoln-dot-iu-dot-edu]
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