segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

"Sobre a economia portuguesa e o futuro do socialismo"


Assisto na SIC a um "número" da programa "Plano Inclinado" onde, mais uma vez se aborda, de uma forma particularmente crítica, a questão da economia portuguesa.

Uma coisa que nunca deixa de surpreender-me sempre que se fala deste assunto é o facto de [1] ninguém equacionar a [como dizer?] "quinta roda" do "carro" que é, falando de economia, a propriedade e [ii] a toda a gente parecer achar um "facto da vida" absolutamente inquestionável a circunstância de o País ter os "pobres que merece" mas não os ricos que "em dimensão específica e proporções lhes correspondem".

Toda a gente acha, com efeito, a coisa mais natural deste mundo que a classe média nacional, assim como aquela [seja ela qual---e como---for...---situada imediatamenmte abaixo dela] aceitem, uma e outra, reger-se por padrões de consumo estr[e]itamente "locais" [Vivemos como país, diz-se invariavelmente, "acima das nossas possibilidades"].

Quando, todavia, se trata de abordar não qualquer uma dessas classes mas aquela ou aquelas situadas acima de ambas, os padrões de julgamento e avaliação tornam-se, tão imediata quanto automaticamente, globais e toda a gente acha normal que um quadro [um gestor, um quadro técnico, etc.] tenham rendimentos e/ou lucros "europeus" e até "mundiais", de modo a incluir no padrão os Estados Unidos ou o Japão.

Ora, a mim, parece-me óbvio que, por um lado, enquanto não se incluir nas nossas análises e projectos teóricos [e práticos!]; nos nossos programas ideológicos e especificamente políticos de "solucionabilidade" para a economia nacional o tal "terceiro pé do gato", como dizia Perich, que é a propriedade [que não pode, em caso algum, ser pacificamente aceite como algo dotado de um aberrante "direito" político de interpor-se, impávida perante a dureza da realidade, firmemente entre a sociedade como tal e a possibilidade material, objectiva, concreta de essa mesma sociedade existir com um mínimo de dignidade senão mesmo de ela pura e simplesmente subsistir]; e enquanto, por outro lado, não se perceber o que significa efectivamente a circunstância de que, quer o capital, quer o trabalho portugueses terem nascido e viverem e terem nasturalmente de subsistir essencialmente no mesmo país, no mesmo tempo e na mesma mesma realidade económica, social e política; enquanto isso não suceder, dizia, não me parece possível que à realidade económica, social e política do País se consiga conferir um mínimo de ordem e estabilidade, sejam quais forem as "soluções" propostas.

Redução da despesa?

Mas é materialmente já nem digo sustentável mas tão somente possível, sem descretar pura e simplesmente a curto/médio prazo a extinção total do chamado Estado Social, reduzir ainda mais a despesa num país onde os serviços de "saúde" já são o que são, dos de Justiça nem se fala [ou, pelo contrário, toda a gente fala o que ainda é, talvez pior...] e dos de Educação nem vale a pena dizer o que quer que seja?

Aumentar a receita?

Mas como fazê-lo sem paralisar definitivamente uma máquina económica que, sem mercado não pode sobreviver e o mercado, na disfuncional e aberrante des-economia que nos vem há muito regendo, já vinha a ser, em larga medida apenas... "ficcionado" e/ou, na prática, "virtualizado" por um Estado instrumentalmente "social", de matriz teórica para-keynesiana permanente, cuja função básica era, apesar da generosa designação de "social", já há muito, precisamente essa de recapitalizar continuamente um mercado que, de outro modo, não existiria por "descapitalização sistémica" resultante do modo como a economia do capitalismo deu em integrar o saber na forma de técnica e tecnologia, em termos estritos, desde a Segunda Guerra Mundial mas, na realidade, desde a Revolução Industrial que foi, também e, num certo sentido, sobretudo, uma revolução do próprio capitalismo?

Ora, o papel histórico, actual mas muito especialmente futuro, do socialismo consiste, em meu entender, precisamente, na essência, em argumentar [e demonstrar!] a inevitabilidade histórica e política objectiva de incluir a propriedade entre as variáveis sistémicas do sistema arrancando-o à condição apócrifa de constante que o próprio sistema há muito disfuncionalmente lhe conferiu.

Podem, em meu entender, variar as circunstância do pensar socialista; duvido, todavia, muito [de facto, rejeito!] que não passem, como eu costumo dizer: verticialmente, por .


NOTA FINAL

Nem de propósito, o "Público" de 15.02.10 trazia dois textos que parecem "feitos de propósito" e que justificam, por esse motivo, inteiramente ser aqui mencionados.
Um do Prof. José Reis, significativamente intitulado "A teoria económica é, afinal, uma contrução frágil", onde é trazida à colação [por um especialista...] a questão fundamental do que o autor chama "a dimensão institucionalista da economia".
A visão deste co-autor dos "Ensaios de Economia Impura" agora reeditados, coincide, diria eu: neste particular, ponto-por-ponto, no que se refere a uma necessária e urgente readequação [leia-se "refuncionalização humanizante nuclear"] da Ecomomia à Política, que é como quem diz: à desejável reclassificação da própria "episteme" da economia deslocando-a do leque das "Ciências Puras" [seja lá o que for que isso signifique mas enfim...] onde tem sido persistentemente---tão persistente quanto apócrifa e, sobretudo, perigosamente---inscrita para o das Ciências Humanas onde deve naturalmente figurar [mas aqui sou já eu autonomamente, pelo menos na forma, a falar].
Faz-se, de igual modo, no texto alusão ao papel mecânica e significadamente "recapitalizador"/"possibilitador" puro da economia que constitui, afinal, a perigosíssima base "teórica" da desumanizada tecnocracia em vigor há muito no chamado "Ocidente".
É um papel "politicamente significado" por oposição a um outro que deveria ser "humana" e, sobretudo, "humanisticamente significado" que há muito não tem naquele mesmo "Ocidente" democapitalista.
É um economista a denunciar a 'deriva prática' sofrida pela generosa figura teórica do 'Estado Social' Iluminista e Romântico para o seco e sempre tendencialmente disfuncional "Estado Instrumental" neo-liberal [gerado do conceito objectual, não-expresso e não-assumido de "cidadania funcional"]---Estado esse sob o qual [muito camufladamente, embora] nunca deixámos, de um modo ou de outro, de viver.
O outro texto aq que me refiro intitula-se "Emprego e pequenas e médias empresas" e é da autoria de João Fraga de Oliveira.
Neste se recordam, a propósito daquela ideia que acima avanço de um "Portugal inorgânico e dual" [Inorgânica também porque dual, também a esse nível]; um Portugal com um padrão [estr(e)itamente "local"] para medir a "normalidade" dos níveis gerais de empobrecimento ou pauperização da sociedade e outro ["global"] para aferir da dos de capitalização e/ou produção de valor e riqueza próprios---algo que configura uma monstruosidade "de episteme" com reflexos dramáticos no económico, social e político de centenas ou milhares de pessoas.
Registo, por fim, a natureza demonstradamente especializada destes juízos.
[Na imagem:o filósofo e pensador marxista Eric Hobsbawm]

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