Alguns amigos tiveram a amabilidade de se me dirigir perguntando o significado deste abruptíssimo "end" que até, devo confessar, a mim próprio surpreendeu.
O que ele significa é, porém, na essência muito simples.
Dentro de meia dúzia de dias [nem tanto] atinjo uma espécie de idade simbólica limite em que já muito poucas ilusões são permitidas.
O próprio futuro, meus amigos, deu em me aparecer, de repente, a cada novo dia, cada vez mais... "pela esquerda", isto é, quando eu, de manhã, me levanto e o procuro para o ir esperar um pouco mais adiante, vindo justamente de frente, o maroto surge-me aos saltinhos, faceto e trocista---em certos dias, abertamente escarninho!---vindo completamente "de trás", de um tempo em que eu ainda conseguia reunir, de uma vez só, umas quantas ilusões que "iam dando à vontade para o gasto" mas que hoje mal dão já para o "pitrol" e que quando dão, duram, além disso, muito pouco, além de fazerem, quando se acendem, uma fumarada danada...
À nossa volta proliferam [e fazem impunemente sucesso] toda a espécie de charalatães, verdadeiros gangsters e embusteiros da mais vil e abjecta natureza assim como de todo o tipo de escroques do mais baixo nível que o vão consistentemente, como as fétidas e vorazes ratazanas que, de resto, na realidade, são, devorando---a a ele e à nossa dignidade, à nossa capacidade para ter esperança e acreditar em alguma coisa, ao próprio futuro que o País até pareceu, em tempos, poder vir a ter.
Este é cada vez mais, com efeito, o país dos vendedores de seguros que não seguram nada e que se obstinam ainda por cima em nos chatear horas a fio, recusando-se tenazmente a largar-nos a porta até que lhes compremos uma porcaria qualquer que não serve para nada a não ser justamente nela consumirmos o pouco dinheiro que ainda nos restava da merda das reformas que todos os dias alguém nos rouba um pouco mais ou dos infamantes salários "mínimos" que envergonhariam ainda mais quem os dá [se quem os dá tivesse um pingo só que fosse de vergonha ou soubesse sequer o que isso possa ser] do que insultam e desgraçam quem os recebe.
O espectáculo triste e humilhante da nossa impotência perante tudo isso não nos deixa descansar: somos por ele atormentados a cada momento das nossas vidas, a cada passo que damos, a cada novo dia que, por hábito [e, estou eu em crer...] simples falta de imaginação, apesar de tudo, se obstina ainda em nascer.
Chega uma altura em que já não basta, com efeito, fingir que estamos vivos: é preciso está-lo ou assumir que deixámos de estar e aceitar corajosamente as consequências desse não-estado.
Os blogs são óptimos para ir exercitando os dedos mas o tipo de movimento [descubro-o hoje: puramente aparente] e interior que transmitem à cabeça não chega decididamente para justificá-los.
É verdade, que com os blogs e com o monólogo interior dito "para a máquina", na estrutura ou na natureza um pouco grosseiras e excessivamente mecânicas que contêm, é, ainda assim, possível ir alimentando "tant bien que mal", um apesar de tudo importante efeito de quase "brechtiana" epicidade, de "Verfremdung" intelecccional e crítica, onde algum esclarecimento ulterior; alguma adicional 'inteligência da realidade' circundante podem, por sua vez, ser formados [ou encontrados] e mantidos, sobretudo, penso eu [porque de presente, estamos conversados...] para... "memória futura".
Dizia alguém, ainda não há muito, que quando se começa a olhar demasiado para o que passou é, se calhar, altura de "emalar a trouxa e zarpar"---uma coisa qualquer assim.
Ora, eu acordo de manhã e começo de imediato a pensar onde vou passar hoje o dia de ontem ou [eu de quem "ya conocéis el torpe aliño indumentario", como dizia Machado! Eu "of all people, for God's sakes"!!...] no que vou vestir no de... anteontem.
E, assim, meus amigos, "não dá"!
Quando, volto a dizer, o futuro começa persistentemente a aparecer-nos todo "pela esquerda" é sinal de que alguma coisa [talvez a realidade toda!] "deu por completo já a volta" e que chegou, ao que tudo indica, a altura de, por puro esgotamento, "meter a viola no saco" e, como dizia, "o outro" dar "lugar aos jovens".
Eles que mudem "isto", se puderem!
E se há, meus amigos, o que mudar nesta chafarica toda; nesta nação-latrina em que uma verdadeira quadrilha de gansgters foi podendo emergir e triunfar num país [de um país!] inteiro, completamente narcotizado e que, por isso [há que reconhecer] não tem, em última anáslise, muito que se queixar porque a verdade é que estava mesmo "a pedi-las"!
A pedi-los.
Que fiquem, pois, todos em paz, uns com os outros, uns a comer, outros a serem "confortavelmente comidos" que eu, para esse peditório, definitivamente "já dei"!
Uma coisa há que reconhecer e dizer em [des] abono de todos: merecem-se todos uns aos outros, graças a Deus!
Lá isso...
Um comovido e apertado abraço de despedida a todos!
[Na imagem: cena de "Nacht Und Träume" a última obra concebida por Beckett antes de morrer]
8 comentários:
Emocionada, por me sentir como se tivesse a perder um mestre. Um mestre que me ensinou algumas coisas e que infelizmente tive muito pouco tempo para privar e conhecer.
Só me resta sentidamente desejar toda a felicidade do mundo, e que encontre no futuro, (em que perdeu a esperança) a motivação para nunca perder a capacidade de criticar e especialmente de lutar, nem que seja em pensamento.
Um muito obrigada por me ter dado a honra de o conhecer, e um Beijo muito grande a um amigo que irei recordar para sempre, apesar de termos partilhado apenas alguns pequeníssimos momentos, mas que para mim foram grandes momentos de conhecimento e de viagem.
Até mais, Ava.
Além de serem óptimos para ir exercitando os dedos, os blogs servem ainda para nos permitir encontrar pessoas e afinidades que de , outro modo, não teríamos tido a oportunidade de conhecer.
Fiquei surpreendida com o fim imprevisto do teu espaço.
Com quem vou agora aprender tanto sobre cinema? Onde vou poder ver colagens como as tuas? Quem me ajudará a voltar , mesmo que só em espírito, ao Museu de Arte Moderna de Bruxelas?
O teu monólogo era, afinal, muito mais que um diálogo, e vai fazer falta a muita gente, e a mim de certeza!
Bem sei que só há muito pouco tempo tive a sorte de encontrar o teu blog, e nem sempre comentava os teus posts, mas desculpa o egoísmo do pedido ... Podes, por favor, reconsiderar a tua decisão?
O teu comovido e apertado abraço, poderá ser, apenas, um "Até já"?
Aguardo que voltes!
Um beijo com amizade, Carlos.
Ava: não sei francamente de todo como agradecer a amabilidade com que quis referir-se ao meu [como é que hei-de qualificá-lo eu próprio?...] muito descontínuo e imprevisível "Quisto" [também nisso um retrato fiel do seu titular, aliás...] que vai provavelmente, como teve a gentileza de sugerir, a partir de agora, "continuar em pensamento".
Eu é que tive muita honra e um enorme [um muito dificilmente exprimível!] conforto por ele me ter dado a possibilidade de conhecer pessoas como a Ava que foram generosamente contribuindo, enquanto durou, para irem alimentando a ilusão de uma existência pessoal e cívica do seu titular que, tudo indica, apenas existiu na imensa generosidade e simpatia com que nele esses Amigos e Amigas participaram.
É, por isso, a mim que compete agradecer, não àqueles que, em [muito!] mais de um sentido, foram o "Quisto", enquanto este 'por cá' andou.
A vida, acho eu, é feita de esquinas e ângulos, por vezes, muito dificilmente previsíveis mas [para um "aquariano" como eu, com certeza...] também muitas vezes estranhamente imperativos e, por isso, dificilmente controláveis e, sobretudo, contrariáveis.
Incompreensíveis, com frequência, até para quem toma, num momento qualquer da sua existência, a decisão de franquear uma dessas "esquinas" e/ou contornar um desses "ângulos".
Mas a verdade é que, de súbito, por uma razão qualquer [que até a mim próprio surpreendeu pelo modo dificilmente resistível como se me impôs, repito e é a mais pura das verdades] terei bruscamente deixado de me rever neste labor, em larguíssima medida, solitário mas mais do que isso, objectivamente estéril de tentar intervir cívica, cultu(r)al---às vezes, mais cultual do que cultural mas pronto! Oxalá todos os meus pecados fossem como esse!...---e também politicamente uma realidade [precisamente, cultural, cívica, política] que, visivelmente, já não é a minha.
Que possui referências, motivações, estímulos e móbeis que não falam, de todo, a linguagem das minhas próprias motivações e móbeis.
Provavelmente, o mundo hoje é para viver, não para ser compreendido [ou, mais grave ainda, modificado] e dispensa completamente as "vozes clamando no deserto" por um pouco mais de humanidade, autonomia crítica e, em geral, lucidez no modo como ele é vivido.
Tenho 65 anos [vou, por meu mal, fazê-los muito em breve (mas como é que eu fui cair 'nesta', meu Deus??!!)] e, como dizem os Cohen, "este mundo não é [decididamente!] para velhos"...
E não é que não é MESMO?...
Um grande beijinho para si e... até um dia!
["Isto" com "aquários" nunca se sabe, minha Amiga!...]
Também eu lhe desejo toda a felicidade possível!
Carlos
Ana: lê, por favor, o que eu escrevi para a «Ava».
Como eu digo a essa Amiga, eu próprio fui surpreendido por um fulano chamado [ao que parece] Carlos como eu que, de repente, a meio de um meu comovido reminescer qualquer [e por uma razão também qualquer] se lembrou de 'postar' aquele brutal "The End" no meu "blog" ["in MY blog of all places!!...] com cuja "digestão" integral eu, confesso, ainda hoje ando cá por dentro "às voltas"...
Só pode ter sido uma razão muito forte o que o levou fazer-me "aquilo"...
E isto é [quase literalmente] verdade, ham?
Eu próprio estou para saber como e de onde surgiu aquela compulsão de pôr, daquele modo brutal e completamente inopinado, fim a um projecto de intervenção cívica e crítica que durante muito tempo me manteve, de forma quase frenética e obstinada, até altas horas, agarrado a esta "coisa" do computador...
A verdade é que, como disse à «Ava», me terei mais ou menos inconscientemente ido, aos poucos, dando conta de que nem "o meu reino é já completamente deste mundo" nem, se calhar, já o "o meu próprio mundo é integralmente deste reino"...
Provavelmente, isto começou a ser percebido há muito mas eu sou lento a dar-me conta daquilo que eu próprio percebo, pronto.
Em tempos, colaborei, na cidade onde cumpri os últimos dez anos de carreira profissional e onde ainda tenho casa, nas actividades de um "Cine-clube na Biblioteca" em articulação com a Biblioteca Municipal local e designadamente com a bibliotecária que muito simpaticamente se pôs à disposição da ideia.
Pois, foi aí que me comecei a dar conta de como o meu modo de relacionar-me, em geral, com a Cultura---especificamente com ela mas também com os modos possíveis de intervenção Cívica e Política [ambas com maiúscula...] estão em [quase, só?...] total des-sintonia com aqueles que suponho vigorarem hoje.
Era uma alegria quanto tínhamos três [!] pessoas na sala e uma ainda maior quando uma ou duas delas se dispunham a emitir juízos minimamente organizados e consistentes sobre os filmes que pasávamos.
Aparentemente, os modos de fruir um objecto cultu(r)al qualquer, neste caso filme [que deviam, no meu modestíssimo entender] passar sempre por ter um ponto de vista minimamente crítico e judicativo QUALQUER sobre eles e sobre o respectivo 'rapport' que com o mundo em volta é possível estabelecer a partir dele] alteraram-se já de tal forma que isso que, para mim, ainda hoje continua a ser um pressuposto absolutamente básico e incontornável de fruição cultural se tornou, pelos vistos, uma espécie de corpo estranho e objecto impertinente impertinentemente "encravado" entre o indivíduo e o seu "direito incondicional [e incondicionado] ao consumo" de puras impressões e até de meros "tropismos", como escrevia a Sarraute num título célebre; de meros "tropismos" afeccionais muito básicos e elementares.
É isso, acho eu, racionalizando a posteriori que está na base da minha brusca compulsão de, no mínimo, suspender o pobre do "Quisto" por tempo indeterminado.
Não prevejo que este paradigma de apropriação cultural mude [e, sobretudo, que SE DEIXE MUDAR] muito mas, claro, nunca se sabe: se um anjo apareceu, ao que dizem, a uma tal Maria há não sei quantos milhares de anos, por que carga de água não há-de uma centelha de esclarecimento e lucidez aparecer aos portugueses de hoje, um dia destes, quando menos se espera, diz-me lá?!
Na melhor das hipóteses, ainda estaremos, pelo menos, alguns de alguns de nós vivos quando o milagre se der, espero eu...
É com essa fagueiríssima esperança que me afasto, pelo menos para já, repito.
Um grande beijinho e, também para ti, os meus comovidos agradecimentos pela tua paciência e, muito em particular, pela generosidade com que sempre quiseste referir-te a nós: a mim e a este maroto do "Quisto"...
Carlos
Carlos:
O "Post Scriptum" é, na minha opinião, e por motivos vários, o melhor dos teus textos. É por isso que NÃO PODE ser o último. Contrariemos o mote que diz que partem os úteis e ficam os inúteis. Que sejam outros a partir. Quem faz falta FICA. E TU fazes. Abraço forte.
João Luís: vocês, tu, a Amiga Ana, a Ava são uns grandecíssimos marotos!
Fazem-me sentir tão culpado e ao mesmo tempo, outra vez, tão motivado que aquilo que pretendia ser uma espécie de desencantadíssima "arrumação existencial" por absurdo [assim tipo: não havendo outro futuro fico-me pela coisa mais parecida com um que é esta espécie de presente tépido e conformado...] acabou por se transformar num relançamento de... "carreira" que passa, como naqueles "arqueológicos" jogos de futebol de rua, do "muda-aos-cinco-e-acaba-aos-dez" da minha juventude, por uma... "mudança de campo" e por um [meio-convencido...] "agora é que vamos começar a jogar a sério"!
Para isso, mudei, realmente, de campo: decidi "repartir à zero" como na canção da Piaf e mudei-me "com armas e bagagens" [são poucas: "I travel light"...] para um novo "espaço" onde espero reencontrar o "pep" perdido: o http://aoestedezanzibar.blogspot.com onde volto, com um, graças a vocês, Amigos, reencontrado fôlego, a esperar a vossa inestimável presença.
Um abraço apertado e vamos lá então a "isto", não?...
Vamos a isto, Murphy!!
Happy to see you again! :)
Perdão, mas eu estou completamente decepcionada: como é que alguém com a sua cultura, com este brilhantismo de raciocínio, com uma escrita de alta qualidade, se atreve a desertar da luta no momento em que todas as vozes lúcidas são escassas?!
Acha que o meu professor de História, expulso da carreira docente por delito de liberdade de expressão, ficaria contente?! Pode crer que não!
Ora , vamos lá esperar que reconsidere!
Os meus respeitos.
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