sábado, 27 de fevereiro de 2010

"Ainda o mito da «gnoseotopia»perante a circunstância concreta de uma catástrofe natural"


No momento em que produzo esta 'entrada' do "Quisto", apenas se sabe, em essência, que houve um terramoto com a intensidade de cerca de 8 pontos na escala de Richter, no Chile.

Tem-se conhecimento de mortes mas as informações permanecem escassas.

Seja como for, o "meu mês" tem-se revelado singularmente trágico: o Haiti, a Madeira, agora o Chile...

É preciso, todavia, não fazer como um fulano na TVI que se entreteve a misturar todas essas tragédias com o propósito de evidente de... "epoustuflar", muito "à TVI".

Não se trata de confundir terramotos com cheias---circunstâncias, na origem, igualmente de origem natural mas [e aqui é que bate o ponto] de previsibilidade distinta e uma e outro com consequências em matéria de segurança para as pessoas e para as respectivas comunidades por elas formadas distintamente controláveis, digamos assim.

Tanto quanto sei, eu que nãso nem geólogo, nem meteorologista, podem-se prever com alguma antecipação períodos de chuva mais intensa mas não um terramoto que [volto a dizer: tanto quanto sei---e julgo saber aquilo que um cidadão responsável mas sem formação científica específica deve saber] possui padrões de previsibilidade incomparavelmente mais amplos e distantes.

Há toda uma pedagogia e uma prática política concretas a fazer, num caso como noutro, mas essas, desgraçadamente, não as fazem nem o poder político em geral [muito mais interessado, por exemplo, em copneber modelos de compatibilização e compatibilidade com o poderosíssimo sector da construção civil, nomeadamente a nível onde os rendimentos legais das autarquias se encontram, de algum modo, é possível dizer-se assim: 'indexados' ao volume da construção/impermeabilização dos solos] nem as televisões enquanto não houver [ou se não houver] da parte da sociedade civil uma forte e bem determinada pressão exercida sobre uma e outra entidades, em especial, por razões óbvias sobre a primeira, nesse sentido.

O que a televisão-tablóide [e, no fundo, qual a televisão que não é, hoje-por-hoje, tablóide?...] visa é, porém [exactamente ao contrário daquilo que é verdadeiramente essencial e que é ir directamente às causas dos fenómenos] fixar-se nos sintomas exteriores dos mesmos que são o âmbito onde ela pode facilmente movimentar-se no sentido de concretizar as operações de tráfico de impressões e emoções que são o objecto real do seu "negócio" comunicacional].

Passar uma e outra vez imagens de catástrofes pode garantir audiências mas não resolve o que quer que seja no sentido de se evitar construir em leite de cheias; de se impermeabilizarem caótica e indiscriminadamente os solos; de se desflorestar irresponsavelmente com o único e cego objectivo de recolectar exaustivamente matérias-primas; de se confundir ecologia com mera "decologia" [que é a aberrante "fusão" de uma certa imagem reduzida e redutora da própria Ecologia com simples "decoração vegetal e/ou animal"; com mero "alibi biomórfico" destinado a justificar formalmente a construção] ou, no caso da prevenção conttra abalos telúricos, tornar compulsivas medidas já conhecidas no âmbito da localização das zonas habitacionais e no âmbito específico da engenharia dos edifícios.

Insisto num ponto que me é caro: o nosso modelo de "desenvolvimentalidade"é in/essencialmente caracterizado pelo facto de as diversas produções de natureza económica serem, de facto [como, aliás, de direito] ancilares e instrumentais em relação ao produto situada no núcleo activo mesmo do paradigma que é o capital.

I.e. aquilo que, nas sociedades democapitalistas de hoje, realmente, se produz ou---reproduz continuamente---é capital: todas as restantes produções operam como um mera variável e/ou alfaia possibilitadora politicamente "legitimadora" dessa produção nuclear---é isso que define na base o sistema, que o explica e é a percepção clara e rigorosa disso que permite entender o seu verdadeeiro funcionamento, em todos os estádios e fases do processo.

Como a ciência, o conhecimento científico, é produzido para ser investido imediata e directamente, sem escala pela sociedade no seu todo, no processo privado de produção de capital, ele e as formas de consciência e de inteligência da realidasde que a partir dele se formam não chegam topicamente ao vulgo.

Mais: não chegando ao vulgo não chegam à política porque o vulgo as não exige.

Gera-se, desse um modo, um vácuo, um vazio des/estrutural, um "void des/construcional" naquilo que é a passagem da Política à prática.
Quando se olha para as cidades do "Ocidente" actual, é impossível não se ficar boquiaberto de perplexidade com o gritante desordenamento da maioria senão da totalidade delas, a todos os níveis e em todos os planos.

A constatação é tanto mais surpreendente e imediatamente inexplicável por se tratar de uma época da História em que a tecnologia se desenvolveu de forma verdadeiramente extraordinária!

De facto, porém, ela não chega à política: não chega ao urbanismo, não chega [senão muito relativamente sob a forma tópica de negócio] aos serviços de Saúde pública, não chega ao essencial dos serviços do Estado como tal.

Está, claro, nos hospitais privados, nas clínicas de luxo, nos condomínios inacessíveis ao comum dos cidadãos onde os acabamentos de luxo [que, de facto, em muitos casos, como no da prevenção anti-sísmica, são de segurança elementar e básica] e por aí adiante.

Mas isso apenas prova a minha asserção de que a ciência, nas sociedades mistificatoriamene designadas "do conhecimento" só chega à base dfa pirâmide económico-social na forma de "produto" ou, como julgo mais rigoroso e mais exacto dizer de "produto" [de facto, de sub-produto da produção de capital!] "inerte".

"Inerte" porque já não permite gerar por si ulteriormente capital.

Porque mesmo quando isso é teoricamente possível há um Direito específico, próprio, que o impede.

O mito da "sociedade do conhecimento", da sociedade "gnoseotópica", intencionalmente propalado pelo poder para esconder o "void des/construcional" de que atrás falo apenas ajuda a evitar que a falácia que existe no próprio núcleo deste paradigfnma de distribuição social des-igual do saber seja percebida---e adequadamente combatida.
[Na imagem: gravura alusiva ao terramoto de 1755, em Lisboa]

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