quarta-feira, 24 de fevereiro de 2010

"Sobre a fala animal: algumas reflexões teóricas pessoais" [não-revisto]


Quem possui cão, alguma, mesmo não muito profunda, formação linguística e um mínimo de capacidade de observação não pode, penso eu, deixar de dar-se conta da aptidão biológica dos cães para sonharem.

Ora, na essência e ainda que, tanto quanto julgo saber no que respeita à função específica do edifício onírico persistam dúvidas e sobre existam sobretudo hipóteses teóricas, o sonho define-se enquanto fenómeno em si pela capacidade biológica de os indivíduos para des-realizarem ou des-materializarem intelectivamente apondo-lhe um tempo existencial e mesmo conceptual, interpretacional, próprio a experiência directa e em-si da realidade.

Numa palavra: a capacidade para recompor oniricamente a experiência ou experienciação do real pressupõe naturalmente a existência de uma qualquer forma de identidade auto-representável estável ou estabilizada e não dependente---autónoma, portanto---quanto mais não fosse pelo próprio sonho que produz ou gera---da própria realidade como todo à qual o indivíduo e a espécie foram, evolucionalmente, "arrancados" já, realizando-se num tempo funcionalmente 'conceptivo' próprio já.

Muitas vezes tenho pensado que a fragmentação do real em "individuações funcionantes" [i] constitui o efeito, a consequência, naturais do processo global de expansão e des-integração [des-integração diferente de desintegração] da matéria que está na origem do real tal como o conhecemos ou podemos supor criticamente e/ou teorizar e que [ii] não existindo, para mim, propruiamente "evolução" mas mera e objectiva "volução" no real, este em lugar de se "explicar" [de ser "teoricamente explicável"] por "avançar" para um "futuro" abstractamente situado diante de si, se "explica" e define, exactamente ao contrário, por "vir de um passado" onde estão, de resto, contidos o seu "presente" e o seu "futuro"---os únicos que verdadeiramente existem na realidade; não existindo, então, dizia, nesta, realidade, um "futuro" como categoria ou entidade "explicativa" do real, o único futuiro que o real é capaz de integrar naturalmente em si é esse "pequeno futuro inteiramente reaccional" [de facto, um passado material "atirado, por razões de mera funcionalidade imediata, para a frente"...].

Daí resulta que o real nunca, em última instância, "melhora" senão que se limita a "mutar reactivamente" ao "presente/futuro" situado, como disse, "imediatamente atrás de si" o que implica, por sua vez, que qualquer 'mudança significada' operada no tecido do real esteja teoricamente condenada a emergir sempre desprovida de qualquer outro "significado" que transcenda essa sua natureza imediata, contextual e exclusivamente reaccional.

Ou seja, dito de outro modo: o único "significado" que se pode teoricamente admitir possuir a realidade como tal aparece sempre necessariamente desprovido de qualidade transcendente que a signifique [verbo transitivo] de forma exógena e/ou providencial pelo que, sendo o "futuro" tal como o concebemos, volto a dizer, um verdadeiro [e mero] "void realicional"; um "buraco negro puramente teórico" [uma figura concepcional estranha à linguagem própria, específica da matéria] situada num não-espaço desmaterial onde "ainda não existe real" e onde se precipita todo o edifício material da realidade no seu percurso expansional/dissociacional, o curso da realidade apresenta-se naturalmente "cheio de erros" que o são apenas quando vistos teoricamente a partir de um ponto situado na tal zona que o real puramente teórica da realidade que é o "falso futuro olhando para trás", algo estranho à realidade.

O que isto quer dizer é que a realidade, de facto, não "erra": "futura" ou "futura-se circunstancialmente a si mesma" a partir de informação recebida do seu próprio futuro anterior e compõe, desse modo, o que, parecendo ser um percurso nada mais é, de facto do que gestão necessariamente circunstanciada [porque---lá está: por definição, apenas circunstanciável] da des-integração, não constando, em caso algum, da semântica da realidade como tal os conceitos "absolutos", puramente teóricos", de um "Bom" e de um "Mau", fora da respectiva sintaxe natural e necessariamente circunstancial.

Por isso, nenhuma "mutação" do real é definitiva e, por isso, nenhuma é a "ideal"---algo, uma ideia ou ideação, que o real, pela sua natureza própria e específica, não é original ou naturalmente capaz de formular "sem" [diria eu] "a contribuição completamente descentral da consciência".

A "consciência" que é [eu assim a entendo] o primeiro verdadeiramente "grave" "incidente" [ou... "acidente?] ecológicos que se conhecem.

Porque vem "descentrar" completamente o real, interrompendo-o objectualmente [através da produção de individuações ou renucleações individuacionais originalmente funcionantes do próprio real] que passam a levar consigo a tarefa de gerir ulteriormente a desintegração a partir do exterior crítico ou "criticional" desta, por assim dizer.

A "consciência" vem trazer ao real uma noção teórica ou "pura" de Tempo---um "tempo longo" puramente teórico que não existia e para a qual o real não possui instrumentos naturais que verdadeiramente a integrem e adequada---ou melhor: ecologicamente---permitam utilizar. Vem apor ao funcionamento do real categorias críticas ou criticionais "puras" e absolutas ou "absolutiformes" que lhe são estranhas e alheias: vem trazer ao real um ponto de vista exterior, alienado da experiência de si [que é, diria eu, a forma ecológica e natural de "consciência"] sobre si que, a prazo, perturba definitivamente toda a gramática da realidade tal como ela própria a protagoniza---e/ou configura.

Tudo isto para tentar contextualizar objectualmente o fenómeno do "sonho" nos seres vivos.

O "sonho", seja qual for a "função" que se lhe descubra [ou "eduucada e acreditavelmente se lhe suponha"] é objectivamente um claro efeito da "descentração individuante" ou "renucleação ulteriormente funcionante" sofrida pelo real a fim de negociar continuamente a des-integração que lhe é própria.

Deste ponto de vista observacional, o sonho é importante como sinal porque mostra como há estádios e matizes operantes na [de?] formação da "consciência" que não dependem visivelmente da vontade dela mas são traços residuantes da ligação dinâmica intrínseca das "partes" ao "todo".

No sonho, a tese dos "dois reais" [dois "reais sobrepostos" operando segundo tempos ou "imagens" do tempo completamente diferentes e inconciliáveis] aparece como uma [quase] evidência observacional, evidenciando como o "real secundário" ou "crítico" roda continuamente sobre o "outro", original, criando "não-espaços realicionais" no corpo da realidade como todo; não-espaços observacionalmente demonstráveis onde o "real não penetra", i.e. que ele não "entende" e onde, enfim, se pode constatar experimentalmente toda a perturbação introduzida no curso global do real pela aposição via individuação originalmente funcional ou funcionante do indivíduo ou "individuação", primeiro, e depois, da "identidade" e, finalmente, da "consciência".

O "sonho" arranca a "gestão crítica" [agora, "crítica" ou "criticional"] do real ao próprio real: fixa-se e fixa-o, já "abstractamente", num ponto teórico exterior à experiência de si [de si, real] e demonstra a passagem do real-experienciação ao real-experiência teórica onde este já não figura mas meras imagens teóricas de si.

O grande problema [e por isso é comum eu referir-me, no curso da reflexão que faço sobre o reasl e a sua génese e possível natureza intrínsecas, à consciência como um primeiro grande desastre ecológico ou, no mínimo, ecomórfico natural----"natural" num duplo sentido, aliás] é que, expansionando-se continuamente e des-integrando-se naturalmente o real, será, em tese im-possível reconstituir a unidade original do real.

Há, é verdade, teses que falam de "contracção" e re-redução teórica do real a um "ponto" mas ignoro qual a respectiva possibilidade ou mesmo, admissibilidade.

Mas essa é uma via sobre a qual não pretendo aqui especular.

Interessa-me aqui sim dizer ainda o seguinte:

a] Se o animal, o cão, no meu exemplo, consegue reter, sob forma abstracta, experiência e convertê-la em imagem crítica pura, organizada segundo um tempo que lhe é próprio e que não depende do não-tempo real original, então, é possível afirmar teoricamente, ao menos, o cão "já fala", "já diz alguma coisa", tendo-lhe faltado apenas o passo "volucional" seguinte que consiste em articular, isto é, em "pôr o aparelho fonador a jeito" daqulo que o cérebro começou a fornecer como informação "para baixo" e concretizar, por conseguinte, a fala.

b] Esta começa, sempre, em tese, por ser ela mesma segregacional, excrementícia e reactiva encerrando um processo reaccional anterior só, em tese, depois, iniciando um processo próprio que é, ele mesmo, início de "comunicação".

Ou seja: primeiro, a "linguagem" representa ou configura um "eco fónico" global e reflexo de impressões anteriores de que ela opera na in/essência como o términus expressional---o latido do cão, o miar do gato, etc.

É admissível que haja formas possivelmente demonstráveis de comunicação nesta fase mas eu penso que a natureza estruturalmente reactiva ou reaccional do feómemo claramente prevalece e predomina em todo o processo.

Só quando por trás da "fala" está já uma "consciência" razoavelmentde definida e auto-perceptível, a "fala" deixa de ser primariamente "fim", para se converter num "início".

O que é, aliás, perfeitamente consonante com a mecânica de emergência gradual da "parte" a partir da de-composição, funcionante embora, de um tosdo original: o "diálogo" da paerte começa naturalmenten por fazer-se consigo mesma e, só depois, com o exterior.

O modo como surge a "consciência" nas crianças permite perceber de forma concentrada no tempo como "voluíu" a "fala" de reacção para acção.

Teórica ou crítica, ao menos.

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