Provavelmente surpreenderei (e talvez mesmo escandalize) dizendo que, independentemente do género de filme de que possamos estar a falar (filme dito 'de guerra' incluído...) se trata de um dos filmes mais profundamente desesperançados, amargos, desencantados e, sobretudo, violentos que me lembro de alguma vez ter visto.
Talvez porque conheço por dentro (eu diria mesmo: por dentro e, sobretudo, em redor, a toda a volta) aquela sufocante realidade na sua versão nacional, em tudo análoga, aliás (falo da que se vive de Miratejo à Brandoa, de Almada ou Corroios à Outorela, alguns deles lugares a que estive profissionalmente ligado) a espantosa e crua brutalidade do filme atinge-me em cheio, no rosto, do primeira à última sequência---sendo, lá como cá, impossível não perceber, passadas as sequências iniciais d' "A Turma" (tradução mais ou menos 'indiferente' porque excessivamente neutra do original "Entre Les Murs", título claramente "lost in translation", pois) desta fita esquálida (intencionalmente esquálida até do ponto de vista especificamente cinematográfico, narrativo, narracional) como disse, profundamente amarga, (ácida mesmo) sem ilusões e sem esperança; é impossível não perceber, dizia, que o enorme potencial de violência que ele contém lhe vem, em última análise e sobretudo, da trágica percepção da imensa, angustiante, radical inutilidade de praticamente tudo aquilo que o filme contém e mostra.
Não por acaso certamente este último se intitula, como disse, no original, "Entre Les Murs" evocando, consciente ou inconscientemente, com aquele "entre" e aquele "murs" o "huit clos" sartreano---"Le Mur" e o próprio "Huit Clos", ambos títulos de obras de Sartre, o último dos quais originaria, aliás, a prazo, como é sabido, um conceito específico que viria a tornar-se clássico, envolvendo centralmente as ideias de "angústia e fechamento opressivo e completamente desprovido de saída" e/ou "claustrofobia existencial extremo"---conceitos ou, num sentido mais amplo, mais lato: conceituações essas que aqui---de algum modo, bem reconhecível, aliás---ressurgem impiedosamente despidas, porém, da relativa nobreza intelectual, reflexional, crítica, epistemológica da expressão como do conceito ou da ideia originais.
Aqui, no filme de Laurent Cantet, estamos, com efeito, perante o "huit clos" e o desespero---melhor dizendo: a des-esperança, o vazio---"banlieusards" puros: antes de mais étnicos, sociais, económicos, políticos---apenas secundária (e apenas muito, no fundo, in-conscientemente ou consequencial e nunca por inteiro, de facto, assumidamente) existenciais.
A existencialidade, a situação ou a condição existenciais, já não são aqui, de facto, alguma coisa que possa associar-se (de modo directo, pelo menos---o filme não é definitivamente sobre isso) a uma tomada de consciência e a um posicionamento críticos perante a realidade: elas são, em vez disso, uma espécie de estado ou, como disse, condição em si, algo que pré-existe larvarmente aos indivíduos (que, aliás, dele não dão mostras, senão através da um tipo de reaccionalidade, num título conhecido, como "tropismos", de possuir qualquer minimamente reconhecível percepção); são, em qualquer caso, algo, como acabo de dizer, sempre incapaz de conduzir (ao contrário do que acontece com os 'heróis' sartreanos) a qualquer apropriação minimamente reflexional e menos ainda, filosófica; a qualquer reconhecível consciência consistente da realidade (como cada um de si próprio) visando, ao menos, num caso como noutro e na forma de um hipotético projecto de existência (de existência ganha) uma qualquer saída para a "crise" ou "estado" por cada uma das pessoas/personagens do filme protagonizados.
Todo ele passado "entre les murs" de uma escola secundária "minable" de periferia urbana (uma ilha completamente perdida, uma "jangada" (como diria Saramago); uma "jangada com paredes", encalhada num mundo que não a entende nem dela verdadeiramente parece (parece, apenas?) necessitar; que não logra sair de si na forma de uma consciência ou de uma consciencialidade mesmo mínima o suficiente para, remotamente sequer, mudar) o filme apresenta todo um quadro angustiado e, ao mersmo tempo, angustiante---desesperado, como disse---de personagens sem "saída" mas também sem "espaço"; gente cronicamente desesperançada e indiscriminadamente ressentida vivendo aquela que é, afinal, na essência, uma amarguíssima desmontagem "em situação e em carne viva" do logro gigantesco que é, por seu turno, o "melting pot" social/pós-colonial à francesa dos anos Sarko, herdeiro, aliás, de todo um conjunto de impossibilidades diversas, na realidade, irregressíveis (económicas, sociais, políticas) e contradições que (e o filme é muito claro neste ponto) a Escola é chamada a gerir tal qual estão, tal qual se apresentam na sociedade mas (porque isso é impossível) nunca, em caso algum, a contribuir para efectiva e eficazmente superar.
Para realmente superar.
Do ponto de vista de Cantet, a Escola aparece no filme como funcionando um pouco (ou, pelo contrário, um muito?...) como metáfora ou imagem visualidora do "novo social" pós-industrial, neo-liberal e "europeu" francês.
Este surge, por sua vez, na prática, como o receptáculo temporal e material daquele conjunto de contradições a que acabámos de fazer referência e que, não lhe 'pertencendo' exactamente (no sentido em que não são em bom rigor criação sua) lhe foram, na realidade, legadas por um modelo de organização económico-social e (geo) política (em meu entender, pelo menos:) virtualmente sem saída (que vêm de trás, como acabo de dizer, mas) que acabam por atingir uma espécie de "grau crítico de (pré/auto) destruição", no contexto de um mundo que perdeu já de todo, em termos latos, a noção da importância, politicamente estratégica e talvez mesmo vital (eu diria: conservadora e até mesmo---por que não?---reaccionariamente estratégica e possivelmente vital) daquilo a que chamo "os usos estruturalmente anti-sociais do próprio social", ou seja, do modo como um simulacro, apesar de tudo ainda, durante muito tempo, genericamente acreditável de preocupação social genuína (o chamado Estado Social no seu todo com a sua noção própria de "serviço"---educativo, de saúde, de Justiça, etc.) constituiu, durante as muitas décadas em que existiu sem ser substantiva ou, pelo menos, substancialmente contestado, um factor de sustentabilidade objectiva do próprio modo de produção capitalista, como tal.
Na verdade, como tantas vezes tenho defendido, o capitalismo ao tornar-se, no chamado "Ocidente" "o" modo-de-produção relativamente cedo percebeu (foi uma dura lição histórica e política que ele aprendeu com o fracasso do "capitalismo total" ou dos "capitalismos totais" experimentados em Itália, na Alemanha e no Japão, nas décadas de 20 e 30 do século passado e que acabaram como todos sabemos como acabaram...); o capitalismo cedo descobriu, dizia, que ao ser aplicado (como dizer?) de modo natural e sobretudo integral na História, está condenado a gerar, de modo inevitável, aquilo a que se dá vulgarmente o nome de uma "falácia de composição"
Dito de outro modo: transposto para o plano político (como tentaram fazer os autoritarismos dos anos 20 e 30 do século XX, o fascismo e o nazismo) o modelo de organização industrial tipo da época, aquilo que se revelava globalmente operativo no estrito plano da produção tornava-se, pelo contrário, a prazo, tendencialmente suicidário, no âmbito especificamente político.
Quando o capataz da fábrica se torna, com efeito, num chefe político---um 'Duce' ou um 'Führer', no topo da pirâmide; quando o cidadão se converte, de passo, num "proletário da cidadania" e toda a sociedade passa, ela mesma, de um modo ou de outro, genericamente a "proletariado" (não sendo, na realidade, a proprietária da 'fábrica social' a qual é, de facto, "propriedade" de uma classe---a alta finança, o grande capital financeiro---com direitos naturais mas com esses direitos oferecidos pelos "verdadeiros ou naturais proprietários da História" que os reconhecem ou não em função de critérios por eles definidos e cujo conteúdo se reporta à relevância que é ou não reconhecida a cada um em função de objectivos de existência eles mesmos determinados pela "administração da sociedade" em função dos seus próprios interesses e móbeis particulares; quando, dizia, assim acontece e as pessoas em geral não são cidadãos mas "arranjam ocupação, emprego, na Cidadania", a dado passo, a (o)pressão social e política tende a tornar-se de tal modo intensa, violenta e insuportável que é praticamente inevitável, a prazo, a condenação de todo o sistema.
Daí a importância que a "democracia política" (certas facetas suas que não põem, todavia, em causa o próprio modo de produção como tal nem sequer o in/essencial das relações de produção capitalistas também elas enquanto tal ) e, designadamente, algumas alfaias particulares do Estado dito 'Social' (assistência médica durante muito tempo gratuita, sistema educativo, idem, assiastência judicial idem idem e por aí adiante) assumem na manutenção e/ou sobrevivência material de um sistema económico-político des/estruturalmente desigual e iníquo que, de outro modo, tenderia a tornar-se fatalmente insustentável, como a própria História (designadamente a do Portugal salazar-marcelista) demonstra à saciedade.
A grande crise do pós-modernidade (é a minha tese, pelo menos) deve a sua gravidade estrutural específica, particular em grande parte à persuasão de muitos teóricos pós-modernos dio capitalismo de que este é viável---objectivamente viável, substantivamente viável---sem a "almofada de segurança" do "seu" "social".
A Escola de Cantet mostra o qjue, em meu entender, são as consequências já perfeitamente identificáveis, objectualmente reconhecíveis, do início de um processo de des-integração, em tese, em si mesmo irreversível da História em que os cidadãos (a existência objectiva de cidadãos que não "servem na realidade para coisa alguma" e, portanto, no contexto de um paradigma de "societação" estr(e)itamente "funcional", como aquele que hoje se vive no "Ocidente", "não servem" tout court", isto é, estão "a mais", ninguém sabe verdadeiramente o que "fazer com eles" porque a produção os dispensa e o mercado também).Por isso, aquelas pessoas não 'vão à Escola': estão na escola.
Estão lá porque, no quadro das sociedades ditas "democráticas", ainda não houve... "coragem" política ("coragem... ao contrário") para privatizar por completo a Educação (funcionalizando-a ou re-funcionalizando-a substantivamente segundo os padrões in/essencialmente utilitaristas usados pela "pós-modernidade capitalista "ou " neo-capitalista" para decretar ou não a relevância particular, o "valor" específico, de cada um).
A Educação mais inclusive do que a Saúde e/ou a Justiça (até por razões muito concretas e muito pragmáticas: é preciso "arrumar" em algum lado os filhos dos trabalhadores como dos próprios desempregados e, em alguns casos, até dar-lhes---literalmente---de comer) é uma espécie de fronteira conceptual que governo algum no "Ocidente" se atreveu ainda a franquear no sentido de privatizá-la por completo.
Partidos direitistas assumidos tentaram utilizá-la como uma porta de acesso e um subsistema instrumental: um "broker" do interesse privado através do mecanosmo objectual dos "vouchers" ou conceptual da "liberdade de escolha" garantida (e monetariamente sustentada) pelo Estado; partidos da direita "envergonhada" como os partidos neo-liberais... "sociais" ligados "ideologicamente", de modo remoto (e hoje raríssimas vezes invocado...) à 2ª Internacional tentaram fazê-lo através da privatização da chamada "formação" mas, na realidade, nenhum deles se atreveu a extinguir uma instituição---a Educação pública, o "serviço público educativo"---para a qual o capitalismo não possui, hoje-por-hoje, uma qualquer utilidade directa, essencial e/ou específica.
O que nos traz, de novo, para a questão que começámos por abordar da impressão de inutilidade intrínseca que se desprende tudo "aquilo", do âmbito dos professores ao dos alunos: aquelas pessoas não querem aprender porque sabem que a Educação não vai ter qualquer influência efectiva nas suas vidas (não vai empregá-las, não vai integrá-las socialmente, não vai, numa palavra, influir seja de que modo---relevante---for no seu estatuto social, económico, político, etc.)
Mas elas também não querem aprender porque idêntica ausência de consequências efectivas, reais, substantivas vai essa mesma Educação ter, não já nas suas vidas, mas de um modo mais abstracto e subjectivo, nas suas existências: a Cultura em si nada lhes diz, os seus valores e referências são outros, bem distintos.
Daí, a sugestão angustiante, desesperada, quase fisicamente dolorosa de solidão (de absurda e lancinante solidão!) evocando, de um modo extremamente nítido e inquietante, aquela extraordinária orquestra do "Titanic" que toca, numa solenidade absolutamente surreal, para um público que ali a dois passos vai lutando desesperadamente, cada um por si, pela sobrevivência material, num navio que, de modo tão gradual quanto irreversível, se afunda...); daí, dizia, essa impressão dada por aqueles "conselhos de turma", por aquele inimaginável diálogo com a mãe do aluno castigado, um diálogo inexistente, completamente virtual---dois grupos de pessoas sem verdadeiro contacto entre si que simulam apenas, com uma solenidade quase dolorosamente caricata, comunicar, falando, todavia, sempre línguas diversas----disse a mãe do aluno chamada à escola efectivamente aquilo? Percebe ela mãe realmente o que lhe dizem? Acredita ela que lhe dissseram efectivamente aquilo? Sabemos nós se ela, por seu turno, disse o que o "tradutor", o próprio aluno punido, afirma que ela disse?---num espécie de monólogos especulares refractados--- não reflectidos: refractados---pelo aluno castigado, espécie de ponte impossível entre dois mundos que nele mesmo, conflituam.
Do outro lado, os professores, mergulhados (refugiados?) em rituais, na realidade, já inteiramente vazios de sentido real---professores/actores que Cantet obriga ("aprisiona"?) num registo deliberadamente neutro e quase sempre frio, mecânico, pessoas que lutam com desespero pela ilusão de uma utilidade pessoal e social que apenas resiste já na caricatura de um profissionalismo agora inútil, desesperadamente inútil---rostos e gestos que são o espelho fixo de um imenso cansaço interior onde vieram naufragar as esperanças de todos eles, obrigados a gerir estoicamente um mundo que está já virtualmente isolado ("cut off") do exterior---um mundo (objectiva e subjectivamente um não-lugar marcado por linhas neutras e planos, superfícies, gélidas, quase violentamente neutras e rectilíneas (o pátio escolar, por exemplo, será, na sua desumanizada neutralidade, muito diferente do de uma prisão?...) que resistem firmemente ao contacto humano, à interacção, ao conforto impossível de um momento de genuína interacção com os indivíduos humanos que por ali erram ou gravitam.
Tudo aquilo ressuma absurdo e vazio ("vazio", "void", não tanto vazio, "empty": "vazio", "void"---"Entre Les Murs" é, a mais de um título e de mais de uma maneira, um filme sobre o Vazio).
E leccionar: "Lecionar" é "sobre quê"?
É o quê---um trabalho "de Hércules"?
Resposta: Não!
"Leccionar" (?) sobretudo um labor "de Sísifo" (palavra que nos remete, desta vez, para Camus, outra referência clássica do "existencialismo" com o seu "Le Mythe de Sisyphe" não já para Sartre de cujos "Le Mur" e "Huit Clos", designadamente, falámos atrás a propósito da ideia de filmar alguma coisa---um universo encalhado ou naufragdo "entre murs"---"les murs materiels mais aussi---et dans un certain sens surtout---les murs interieurs", "les mur de l'existence": "La Tête Contre Les Murs", como na obra de Bazin?...)
Sarte, Camus, Bazin---e "Kafka": Kafka foi seguramente uma das palavras que mais frequentemente me acudiu ao espírito durante o visionamento do filme.
Kafka e "o processo" de toda uma sociedade, de todo um paradigma civilizacional que, como o "Titanic" parece irremediavelmente condenado ao naufrágio final---que é já, em si mesma, um naufrágio circunstância dolorosamente óbvia pelo número iinimaginável de náufragos que produz.
Kafka visto por Vergílio Ferreira que nos fala num curiosíssimo ensaio sobre o autor d' "A Metamorfose" da sua técnica deliberadamente "realista" aplicada com um rigor e uma minúcia de 'cientista' (ou de 'louco'?...) a um universo, ele mesmo louco, o que potencia até ao limite, o absurdo---pelo menos relativo---das manifestações particulares, específicas, da própria loucura.
Kafka e Beckett---Beckett outro nome que parece, de facto, impossível não evocar vendo "Entre Les Murs": as cenas que obsessivamente recomeçam inter-espelhando-se numa geometria gelidamente fenomenológica e, no limite, indecifrável, situada para além da possibilidade de um entendimento minimamente substantivo.
Uma geometria de modos e meras disposições, em última instância ("en fin de partie"...) puramente exteriores, meramente mecânicas e epidérmicas, im-penetráveis, da realidade (e será aquilo de facto a realidade? As coisas, os modos, a sua disposição num todo possível? Impossível? O sistema que eventualmente--não---são e/ou as--não---integra entre si: o quê, afinal?) reiniciando-se obsessivamente---a língua que entra dramaticamente em crise (como em quase todo o Beckett que, alías, como é sabido, no final da sua carreira de homem de letras a suprime naturalmente de todo) "crise" essa aqui evocada directa---e pungentemente---no "diálogo" da escola com a mãe de Suleymane...
Kafka, Beckett, Sartre, Camus, talvez mesmo Hervé Bazin, Nathalie Sarraute e os seus "tropismos"---todos eles, em maior ou menor escala, re/vistos, consciente ou inconscientemente (é, no fundo, toda uma cultura que fala---que 'se reune para falar'---pela boca ou pela câmara de Cantat) nesse imenso não-lugar (e maior cidade do mundo...) que é Suburbânia Universal, aqui em versão (apenas circunstancialmente...) francesa...
"Entre Les Murs": um filme, como disse, sobre o Vazio (das pessoas, das intituições, de toda uma civilização que as gera ou conserva, inutilmente) com uma espécie de "explicação final inset": a que nos é fornecida pela rapariguinha tímida que, no fim, vem dizer que... nada aprendeu, afinal, durante todo o ano e vem lançá-lo no rosto de uma das vítimas de todo o sistema: o professor, ele mesmo uma imagem de "sisifiana" frustração e fracasso, perdido nas consequências da própria raiva, a dado passo, dramaticamente arrastado para um universo (o da regressão e/ou agressão, no seu caso, verbal) que estava ali para ajudar a superar, numa espécie de triste---dsesesperadamente---irónica paródia por inversão da circunstância pedagógica ideal...
Em Portugal "Entre Les Murs" passou na RTP2 num curtíssimo ciclo temático de onde constou, de igual modo, o clássico "Blackboard Jungle" (no título português, "Sementes de Violência") deRichard Brooks.
O filme de Brooks, clássico "antepassado" do de Cantet é de 1955.
O de Cantet, seu digníssimo descendente, pois, já deste milénio, de 2008: na essência, todavia, o tempo (o tempo-experiência) parece não se ter movido entre ambos.
E é inevitável que nos interroguemos: estará a História realmente parada, completamente imóvel, ou (mais inquietante ainda) estará ela, na realidade a regredir?
A deslocar-se, numa palavra (como a comparação entre os filmes, os seus "espaços": os E.U.A. num caso, a França no outro; e os seus respectivos "tempos": a década de 50 do século passado, no filme de Brooks, o início deste milénio no de Cantet; e a realidade social, económica, civilizacional, especificamente escolar, educativa, que rodeia cada um deles e---no caso dos paradigmas escolares, que cada um deles ele exprime; a deslocar-se, pois, como a comparação entre todos esses aspecyos, dizia, parece permitir admitir) em direcção ao seu próprio passado?...
5 comentários:
Sim mas a escola tem de ter um papel essencial no atenuar das tais tensões sociais ou raciais,etc. É por isso que eu defendo a prioridade do Desporto escolar na educação como tendo um papel catalizador dessas tensões.Um desporto escolar, e não são minhas essas palavras mas do Prof.Vasconcelos Raposo na Bola de 5ª feira: "não se conseguem descobrir propostas para termos um desporto de mais qualidade.Nos pseudo debates ninguém se preocupou em agendar as questões da juventude onde o desporto teria lugar de discussão." Na minha opinião um desporto escolar não como apoio ao federado porque são realidades diferentes, mas sim paralelo e complementar a esse sem a pressão de encontrar talentos, de fabricar mini-Ronaldos com todos os seus podres, um desporto para todos e lamentavelmente os partidos de esquerda (já nem digo os outros...)pouco falam nisso ou então não o puderam fazer porque nos debates só estavam "as grandes questões" em cima da mesa. Sem o desporto nas escolas cada vez mais facilmente lá como cá teremos situações de ghetização ou santas filomenas onde se a polícia assume que não consegue lá entrar quuem conseguirá? O desporto tem de ser essencial para promover a solidariedade, a responsabilidade, o sentido de partilha, pelo menos foi isso que eu aprendi quando o pratiquei.
Ao ver este filme, desesperançado como dizes, senti-me transportada às escolas onde passei grande parte da minha vida. Olivais e Musgueira, são em tudo análogas à realidade que o filme retrata.
Fiquei com a última cena a repetir-se na minha mente. A amarga dúvida de que, se calhar, e apesar de toda a minha boa vontade , foi muito pouco o que consegui ensinar aos meus alunos.
Como pode a escola resolver os imensos problemas, familiares e sociais, que afectam muitos dos jovens que a frequentam? Sem mais ajudas, a maior parte das vezes, que a dedicação que muitos dos professores pôem no seu trabalho!
Filme desencantado e violento, sem dúvida! A fazer reflectir...muito!
Sim mas problemas familiares e sociais todos nós já tivemos, eu não gosto de generalizar os problemas em termos de locais, em todo o lado existem casos graves de marginalidade.Não penso que seja o melhor caminho estar a discriminar os locais pondo rótulos,conheço pessoas que andaram em secundárias dos Olivais e Musgueira,Camarate,etc e são muito diferentes. Eu não concordo com a discriminação, isso só faz com que certas comunidades se fechem ainda mais.As escolas públicas devem ter regras iguais para todos, como os transportes públicos: se eu não tiver bilhete não posso lá entrar e a esmagadora maioria das pessoas age assim.Fazer pedagogia para uns e não fazer para outros é uma forma de discriminação, o tratamento que um professor tem de dar tem de ser igual para todos.O problema da escola actual é que parece que alguém lhe impôs a tarefa de substituir a família quando isso é completamente impossivel. A escola não pode tentar resolver problemas familiares dos alunos. Isso só retira responsabilidades aos familiares. Por muita pedagogia que a escola faça (e o desporto escolar é quanto a mim ainda a melhor),se a família se estiver maribando para o que falam na escola alguém acha que os alunos vão ligar a isso? O meu amigo Carlos Acabado dá o exemplo das regras que haviam na sua época nas famílias para se alcançar certo estatuto,que eram muito claras e que praticamente todos as seguiam.Nas escolas também deviam haver regras mais claras, saber-se melhor quem é quem isso ajudava mais os professores, alunos e familiares.
Bom filme. Excelente review, Carlos.
Quanto mais vives... melhor sabes. Forte abraço.
Amigos Ana e Gonçalo: vou ser muito franco---como sempre tento ser, aliás.
Eu não creio que a Escola possa fazer muito mais do que aquilo que a Ana refere como estando já hoje a ser feito: investir individualmente carolice, na esperança de que ela baste para que alguma marca vá, ainda assim, ficando, em última instância, da nossa passagem pela vida.
Na realidade, a Escola de hoje está completamente desfasada da realidade.
A todos os títulos.
Não ensina (não a deixam), não cultiva (a Cultura como tal não está, de todo, entre os valores das novas gerações, entre aqueles que elas procuram ou deixam, no limite, que lhes sejam oferecidos), não integra (não pode: o filme do Cantet é bem claro, a esse respeito), não emprega.
Na realidade, a minha convicção é que a Escola de hoje (melhor dizendo: o modelo de Escola tradicional) só não é definitivamente extinto porque ninguém se atreve a franquear essa fronteira 'mítica', esse verdadeiro "fetiche civilizacional e político" que é o Ensino Público como símbolo de um conceito de Estado de que, porém, já só existe a silhueta muuuuito difusa e muito remota!
A Escola de hoje está numa encruzilhada, numa "esquina da realidade" e da História.
Como está é um corpo morto e a melhor-pior imagem dela é a da ilha perdida num oceano imenso que é a própria realidade: social, económica, política, etc.
Enquanto estive no activo, fui, muitas vezes mais (e também cada vez mais...) "assistente social", "psicólogo", etc. do que professor.
Felizmente, consegui para o fim da carreira dispor da possibilidade de ser mais selectivo na escolha dos anos e pude trabalhar com o 10º, o 11º e o 12º anos que é onde, pedagógica e didacticamente, a Escola "começa" efectivamente, entre nós.
Quem chega aí sabe minimamente o que quer e actua de um modo geral, em termos académicos, escolares, em conformidade.
Mas isso porque pelo caminho ficou já a "outra" Escola, a que se dedica a manter a ilusão de haver um serviço social educativo e gente que está nele interessada e efectivamente envolvida...
É tudo um enorme embuste e uma imensa frustração para quem imaginou, um dia, que ser professor era ensinar e contribuir para melhorar o mundo à sua volta...
Encontrei pessoas interessantíssimas nas escolas por onde passei? Na Brandoa, em Miratejo, no Barreiro?
Claro mas eram-no já antes, continuaram provavelmente a ser depois e o que é trágico é que a Escola não possa, em muitos desses 'casos' gabar-se de ter contribuído como quer que fosse no âmbito de um processo que, como instituição, lhe passou completamente ao lado!
Também eu tive momentos de desespero e pura desorientação como aquele professor mas tive-os, sobretudo, de cansaço e pura frustração!
E este é, creio eu, o verdadeiro "retrato-robot existencial" dos Professores (com maiúscula) que ainda vão, por uma razão ou por outra, errando por ali...
Enfim...
O pior de tudo é que não estou (longe disso!) minimamente a exagerar
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