Dizem-me familiares meus a quem ofereci, este ano, as entradas para a Festa do "Avante" que a recepção ao programa de ópera aí apresentado este foi foi um sucesso verdadeiramente estrondoso e retumbante.
...O que confirma, aliás, uma antiga ideia minha envolvendo o conceito (hoje-por-hoje muito teórico e sobretudo simbólico...) de "serviço público", designadamente de rádio e de televisão.
Para mim, com efeito e uma vez que tem de haver operadores privados num e noutro domínios da chamada "comunicação social", cada um desses operadores privados deveria, para poder ser licenciado, ser também obrigado por lei a garantir que, da sua programação livremente acessível ou acessibilizável deveriam constar programas sobre e de Música dita clássica incluindo Bailado; de e sobre Teatro; de e sobre Cinema e, por fim, de e sobre Pintura/Escultura.
Uma quota fixa obrigatória de cada um desses aspectos ou dessas componentes básicas, essenciais, da expressão intelectual e/ou artística humana sem o que não estariam pura e simplesmente autorizados a colocar no mercado os inefáveis "Morangos-com-Açúcar", as lobotómicas "Floribellas", os inenarráveis "Jornais de Sexta" ou até os inclassificáveis "Preços Certos em Euros" (ou noutra moeda qualquer....)
Quero eu dizer: um serviço público deveria ser parte expressa do preço a pagar pelo (vamos ser claros e frontais, ham?) negócio de vulgaridade(s) senão mesmo tráfico de pura mediocridade visual e auditiva que constitui, invariavelmente o conteúdo da programação regular dos operadores privados, em especial de televisão.
Não se compreende mas, sobretudo, não se aceita que um Estado dito democrático e ainda por cima representativo seja cúmplice, desde logo, por (de facto, dupla!) omissão na "negociarização" intensiva e extensiva da Cultura, tornando-a na prática um privilégio de ricos e (pior ainda) em termos genéricos, uma objectiva 'fronteira' entre as classes---uma 'fronteira', aliás, capaz de reproduzir-se continuamente através da própria prática ou exercício diário de si própria, digamos assim à custa daqueles para quem que são, afinal (ou sem "Socratices" do tipo "Novas Oportunidades") na realidade, os únicos meios de contacto (assim, na prática, inexistente, pois!) com essa mesma Cultura.
Eu já nem questiono, pois, os privados e o seu negócio de "trivia" ou de "junk" cultu(r)al.
Questiono, sim, que os governos actuem também aí, onde a Cultura e, de algum modo, também, através dela, a própria consciência de si e da realidade (de si na realidade) começam como os "brokers" ou "almocreves" do interesse privado como tal (do interesse privado... "hard core") que não se inibem de ser noutros domínios, em tese, menos fulcralmente determinantes para a formação das referidas formas de consciência ou inteligência da realidade que atrás refiro.
Como é possível que havendo governos dotados de ministério da cultura haja pessoas que nascem, vivem e morrem sem ter uma única vez tido oportunidade de perceber se gostam ou não realmente por terem-na visto ou ouvido uma sinfonia (já nem digo de... Chopin que essas apenas Santa Lopes as ouviu em tempos...) mas de Beethoven ou uma peça de Mozart; uma ária de Rossini ou Verdi; uma peça do genial Beckett; um espectáculo/instalação cénica do "Living Theatre" um bailado de Pina Bausch ou de Merce Cunningham, dois gigantes da dança recentemente desaparecidos ou um filme de Eisenstein ou Ruttmann?!
É uma ideia que a mim que sou um confesso "devoto estético" do "Don Giovanni" ou das "Bodas" de Mozart; da "Pastoral" de Beethoven ou genericamente da música verdadeiramente celestial de Haendel; que literalmente me empolgo com a dança de Bausch e Cunningham ou o teatro do Living; é, dizia, uma ideia que a mim que tive, em larguíssima medida graças ao acaso (e à circunstância de, a dado momento da minha vida, ter sido forçado a sair por algum tempo de Portugal numa altura em que o País apodrecia paulatinamente à sombra de um regime que lhe ia devoravando continuamente as entranhas) oportunidade de os ir conhecendo, um a um, a todos eles, é uma ideia que a mim, literalmente, me apavora!...
[Esta 'entrada' do "Quisto" é também uma homenagem à incrível capacidade de resistência e mobilização da "Festa"; ao verdadeiramente inestimável labor de formação cultural a que infatigavelmente se entregam os seus organizadores e que é (em sentido literal) caso único, entre nós; à devoção e desinteressadíssima entrega de quantos com ele generosamente colaboram das mais diversas maneiras e modos; assim como à inegável qualidade e originalidade da maior parte dos contributos de ordem estética e mais genericamente intelectual que desde o início a compõem]
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