sexta-feira, 18 de setembro de 2009

"Breve Introdução a «Chanson Dans Le Sang» de Jacques Prévert"


Dou hoje continuidade à minha muito pessoal antologia de Poesia (aos "Poemas da minha vida", para utilizar o cliché) com um texto de Prévert, o grande Prévert, "Jean Renoir da Poesia" e/ou "Alexandre O' Neill da Rive Gauche"...

Sempre pensei que existiam, com efeito, algumas substantivas analogias entre a Poesia de Prévert e de O' Neill e o Cinema de Renoir---um Cinema e uma Poesia (quase) literalmente "crepitantes", concepcionalmente irrequietos, permanentemente ávidos de movimento e acção (característica 'acção textual', nos casos de Prévert e de O' Neill), voluptuosamente inquietos, repletos de uma seminal (não-raro quase explicitamente sensual mas sempre imensamente cordial) vitalidade---algo, um fluxo, uma corrente, uma intensa e jovial pungência que os percorre intimamente como uma seiva ou um sangue, sempre vivos e, num certo sentido, sobretudo, vivificantes.
Há, designadamente a nível da concepção ou do "desenho" textual puramente enquanto tal, algumas outras possíveis similitudes, com Carlos de Oliveira, por exemplo, cujas textualidades iam também muito no sentido de uma certa "abertura persistente do próprio texto como tal para vazio" que reencontramos---que eu, pelo menos, reencontro---comummente em Prévert e, também, de resto, noutro Poeta de quem já aqui falei (e que já aqui antologiei) e que é o 'nosso' Zeca.

Mas o Zeca é incomparavelmente "mais prévertiano" do que Carlos de Oliveira---porque o é, se quisermos (como dizer?) "de dentro da própria ideia e do espírito (do "génie", diria Butor de alguns lugares) de poema" assim como das próprias "coisas" que põe "lá dentro", também dessas, digamos assim.

Na verdade, tanto o Zeca como Prévert e o próprio O'Neill parecem assentar sempre, em última análise, todo o edifício global do texto (de certos textos, pelo menos: de muitos deles) numa espécie de "labirinto fónico e, sobretudo, rítmico" premeditadamente descentral e mesmo ostensivamente descentrado, "cheio de esquinas e ângulos", sempre em busca da vertigem total ou quase total---aquela vertigem que torna a leitura uma espécie de sempiterno "jogo de perícia impressional e conceptual" ou de "corrida de obstáculos textuais" em direcção não apenas ao sentido (como em certos casos e sob um certo ponto de vista, sobretudo) aos próprios sentidos, fazendo da leitura de qualquer deles uma experiência absolutamente fascinante para o amante de "emoções poéticas fortes" que, indisputavelmente, sou.

Esta "Chanson Dans Le Sang" (que a Joan Baez diz, com a sua prodigiosa voz de "cristal finíssimo" numa versão inglesa de que não achei, de resto, traço na Net) é, para mim, um momento poeticamente absolutamente notável na Obra do Poeta e isto por mais de um motivo---sendo que um desses motivos, possivelmente o mais relevante, é o modo extremamente consistente e eficaz como Prévert "cola" a pulsão para a desintegração (que não exactamente des-integração: são coisas distintas...) e para a anarquia ou, em termos estritamente poéticos, textuais, para a abstracção que lhe é mais ou menos natural e instintiva à vontade clara de intervir socialmente.

A mim, pessoalmente, faz-me, nesse aspecto, lembrar um outro Artista, visionário e excessivo (um "jovem deus" e outro espírito caracteristicamente "descentral" da mesma... "família cosmovisional" destes que citei) e que é Jean Vigo para quem a "vanguarda" (ao contrário do que se passa com um René Clair, por exemplo) muito mais do que um exercício predominantemente formal (libertador pela Forma---e da Forma) estimulante e inovador embora, permanece sempre, no limite, um acto de lucidez e aguda, permanente, esclarecida vigília.

[Na imagem: Jacques Prévert par Robert Doisneau]

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