Trago, agora, aqui ao "Quisto" duas notícias de jornal, aparentemente desprovidas de qualquer tipo de relação directa entre si mas que, a mim, pessoalmente, se me afiguram, exactamente ao contrário, estarem, no limite, intrinsecamente interligadas.
São ambas do "D.N." de hoje, dia 11.09.09 sendo que uma diz respeito a uma qualquer iniciativa intitulada "Experimenta Design" patrocinada pela Coca-Cola ou a ela, de qualquer outro modo, ligada no âmbito de uma tal "A Coca Cola Light Gosta de Ti" (!) onde foram ou serão, não sei ao certo nem para o caso interessa muito diversas peças de design da autoria de criadores portugueses.
Sucede que entre as que não vão ser expostas, está uma, criada por Catarina Pestana e que foi excluída da mostra porque, diz o jornal, envolve (sic) "o uso de um vibrador".
O jornal chama-lhe "o pretexto".
Não sei obviamente se se trata de um pretexto ou da verdadeira "razão".
O que me parece, com toda a franqueza, é que continuamos como sociedade, mais de quarenta anos depois de '68 (que, entre nós, se situou histórica e, para o caso, sobretudo cultu(r)almente, como se sabe, em meados da década seguinte, mais concretamente em 25 de Abril de 1974...) incapazes de manter com uma área ou domínio absolutamente capital e, em mais de um sentido, determinante da experiência humana---a sexualidade---uma relação eminentemente "trouble" e equívoca, sobressaltada e ambivalente, feita de inquietos subentendidos e, de um modo ou de outro, angustiadas, labirínticas e "elipses protectoras" e "sublimações de segurança", de onde nada sai claro, definido e pacífico.
A questão da Educação Sexual nas Escolas (falo aqui de 'questão' num contexto semântico ou sémico em tudo análogo ao que subjaz ao uso do termo 'questão' em contextos como o de "questão judaica" ou "questão homossexual") fornece do modo como, enquanto "sociedade mental", nos relacionamos com o nosso próprio e, especificamente, com a sexualidade um retrato verdadeiramente eloquente e esclarecedor.
Já tive, aqui, ocasião de referir o modo como aquela que é legitimamente uma questão objectiva, uma questão de conhecimento, uma área específica do saber foi, em resultado do modo caracteristicamente "oblíquo" e (lá está!) sempre equívoco, cultu(r)almente "angustiado" como concebemos a nossa própria sexualidade, numa questão apocrifamente "moral", colocando-se objectivamente, como então recordei às escolas públicas o dilema completamente absurdo e muito próximo do obscurantismo mais radical e cultu(r)almente indefensável, de oferecer à sociedade de que deveria ser expressão pedagógica e didáctica de referência a impensável "opção"... "moral" entre conhecimento e agnosia, entre saber e uma inimaginável "ignorância legítima por razões "morais" algo que é, sem dúvida, moralmente ('moralmente', sem aspas...) monstruoso assim como civilizacionalmente imperdoável.
O imparte do conhecimento objectivo (leia-se: não-contaminado a priori por pré-juízos e/ou pré-conceitos ou pré-conceituações marginalmente "morais"---sem prejuízo, obviamente da possibilidade ou da "liberdade" formalmente reconhecida de estas entrarem privadamente na "Educação" de cada um); o imparte objectivo, científico, pois, dizia, das funções do corpo---da digestão à sexualidade---nada tem de "questão moral", num Estado verdadeiramente moderno.
É, pelo contrário, dever estrito desse mesmo Estado moderno, isto é, do Estado civilizado confessionalmente neutro o promover, em todos os casos, esse modelo conceptual, intelectual e intelecionalmente nobre, básico de Educação---essa visão especificamente científica da realidade objectiva---sendo, como disse, indefensável a proposta feita, na prática, durante muito tempo, à comunidade de ter de optar entre... saber e continuar a ignorar---como se 'continuar a ignorar' fosse (e passa objectivamente a sê-lo, por absurdo!) uma disciplina mais do curriculo de cada um.
Um Estado moderno não confere expressão institucional objectiva (e menos do que qualquer outra, pedagógica e didáctica) isto é, não integra indiscriminadamente entre as representações 'legítimas' da Cultura; não acomoda no seio do seu património institucional reconhecido aqueles pré-juízos e/ou aquelas pré-conceituações lateralmente "morais" na forma de aceitação, ao menos implícita, de que estes últimos sejam por si, na prática, reconhecidos como possuindo peso idêntico, como sendo, de algum modo, equivalentes (equi-valentes) às formulações de um pensar científico específico e genuíno com o qual aqueles não podem, obviamente, ser, nem pela forma nem pelo conteúdo, confundidos.
Quando, noutro lugar deste "Diário", abordo esta questão, lembro a questão do "criacionismo" e do modo (absolutamente obscurantista e medieval, não há que ter medo das palavras!) como algumas escolas do Sul dos E.U.A. o encaram nos respectivos modelos de ensino: nem sequer como equi-valentes às formulações de natureza científica mas, na prática, como as únicas de natureza reconhecidamente científica (académica, em todo o caso) visto que são as únicas permitidas...
É um simile particularmente pouco lisongeiro, diria eu, em termos intelectuais e easpecificamente científicos---e, no entanto, é, a meu ver, perante algo de eminentemente similar que no "caso" da Educação Sexual (com todas hesitações, pudores e dificilmente explicáveis hesitações) nos achamos.
Por fim, parece ter-se conseguido encontrar uma lei que permite que finalmente, no meio de muitas tibiezas e pudores, se aprenda alguma coisa sobre nós mesmos que permaneceu inexplicavelmente escondido, posto entre parênteses, pura e simplesmente "empoché" (com todas as consequências que da aceitação oficial, ao menos tácita, da aberrante figura "intelectual" do "analfabetismo... moral" decorrem).
Será, talvez, o princípio, quero crer---embora duvide que com a actual concepção mais ou menos oficial de exercício das tarefas de Estado (como algo que deve ser sempre visto---e realizado!---num quadro de verdadeiramente obsessiva funcionalicidade imediata de onde são, ipso facto, tendencial e realmente excluídas as disciplinas que nesse míope projecto de pragmiticização intensiva e extensiva do Saber não se enquadram directamente); será, talvez, dizia, um princípio embora não augure nada de bom nesta matéria (também nesta matéria) a visão que da Educação tem caracteristicamente um poder político que se revê prioritária (e aí, sim, naturalmente) no papel de "Estado broker" (ou "Estado... almocreve" ---a que alguns, vá-se lá saber porquê, se obstinam, porém, à revelia das próprias evidências, em chamar Estado 'social') i.e. o Estado como grande "syndicat d'inniative" ou corretor de interesses privados para o qual as questões da Cultura (e obviamente da Educação que a precede e idealmente a propicia como realidade social em geral) ou se enquadram no referido projecto global de funcionalicização intensiva da sociedade ou (como sucede com a Filosofia ou a Literatura, no ensino secundário) tendem a tornar-se excrescenciais e, a prazo, pura e simplesmente dispensáveis.
É por isso que, como atrás digo, não depositando eu, fundamentadamente, grandes esperanças no projecto genérico de educatividade do actual poder político (não apenas na sua versão neo-liberal "social", no poder mas, de modo cumulativo, na versão "neo-liberal hard core" que espreita na sombra a queda inevitável do anterior) não me parece que deva depositá-las, no concreto, no que de Educação, aqui especificamente sexual, ele previsivelmente terá.
Porque educar a sexualidade não é uma prática que gere previsivelmente "valor" no imediato---como as já citadas Filosofia ou Literatura.
A menos que...
E é aqui que enttra a segunda notícia a que comecvei por fazer referência: uma que envolve duas crianças inglesas que torturaram, seviciaram e acabaram por assassinar outras duas repetindo um caso célebre ocorrido também na Grã-Bretanha e envolvendo, de igual, o assassinato de crianças por outras crianças.
A ideia de uma criança matar outra criança, sobretudo, se o fizer , eu diria: quase... "à Raskolnikov", isto é, sem sequer o 'alibi moral' mesmo muito relativo de um outro... "motivo" que não o macabro fascínio por uma ideia ou (des!) percepção profundamente deformada e cultu(r)almente contaminada de sexualidade---uma ideia desta última para onde converge confusamente todo um acervo de fantasmas cultu(r)ais entre os quais a violência como motivo genérico ocupa um papel tão óbvia quanto disfuncionalmente central; a ideia em causa só pode horrorizar-nos, claro, de forma imediata e sempre, no limite, imitigada.
Ou muito difícil de 'mitigar'.
Agora, o que seria bom que, como sociedade fizéssemos, seria não só horrorizar-nos (horrorizar-nos, num caso como este, é inegavelmente um bom "sinal"!) mas, sobretudo, que caminhássemos em seguida no sentido de procurarmos contextualizar causalmente essa impressão espontânea e justíssima de horror até que fôssemos capazes de ficar em condições de, de um modo ao menos em tese, causal relacionarmos "aquilo"---o crime, as sevícias de natureza sexual culminando na tortura e no assassínio---com modo sempre estupidamente mais ou menos 'secreto' e absurdamente (auto) repressivo, globalmente repressional, elíptico, social, intelectual, cultu(r)al e até politicamente pouco saudável como vivemos cultu(r)almente, em termos gerais, a sexualidade, hoje, no Ocidente, incluindo aqui os Estados Unidos.
O que se passou com os dois jovens da notícia reveste-se naturalmente de uma gravidade que não pode ser escamoteada.
Isso é inegável, quero eu crer.
Bom seria que tão clara e indiscutível quanto isso fosse a nossa percepção relativamente às causas---às causas cultu(r)ais em geral mas de um modo muito particular àquelas que se relacionam directamente com o modo como nos relacionamos institucionalmente com aquelas que tudo indica sejam essas mesmas causas.
Falo, claro, desde logo e antes de mais do que (não!) se passa na Escola.
[Imagem extraída com a devida vénia de doobybrain.com]
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