Hoje, ao comprar, logo de manhã o jornal, vi-me inesperadamente apanhado no meio de um intenso fogo cruzado que me causou, como se compreende, a mais profunda perplexidade e uma não menos profunda e naturalíssima inquietação.
Foi o caso de o "Diário de Notícias" ter vindo a público "denunciar" um (aliás, bizarríssimo!) complot com origem na própria sede da Presidência da República (!) visando atingir (no mínimo com suspeitas) o primeiro-ministro.
Terá sido, aliás, deste que terão saído as suspeitas em causa as quais envolveriam na (in?...) essência, um alegado propósito da parte de José Sócrates de escutar clandestinamente o P.R.
Ora, eu, para começar, tenho, pessoalmente, das conversas de Cavaco, públicas ou privadas, a pior das impressões em matéria de um possível interesse que eventualmente tenham as mesmas seja para quem for.
Com a maior das franquezas (e isto é falando mesmo com o coração nas mãos, ham?!...) não consigo imaginar uma única, saída daquela institucional (e pessoal!) boca que se possa, mesmo com toda a boa vontade deste mundo, antever minimamente original e susceptível de ser classificada de (mesmo apenas remotamente!) seja de que modo for, genuinamente 'estimulante'.
Mas talvez Sócrates cuja formação académica é... o que é e cujo nível intelectual e em termos gerais, cultural estará previsivelmente em consonância com (ou "refém"?) disso que a sua formação académica é; talvez Sócrates, dizia, tendo em vista esse traço distintivo da sua pessoa, tenha delas, das ideias do seu... rival de Belém, uma perspectiva substancial ou mesmo até (quem sabe?) substantivamente diferente.
Enfim... não sei mas deixa-me, insisto, em qualquer caso, perplexo a ideia de que alguém possa pagar (ou mobilizar serviços mais ou menos... secretos---esse é outro aspecto 'complicado', altamente brumoso da questão mas enfim...) para escutar Cavaco---Cavaco "of all people"!
Mas pronto, cada qual tem os rivais que merece e é normal que os procure (até por mero instinto animal, digamos assim) "entre os seus".
Não é isso que me "chateia".
Pode surpreender-me o facto de parte (ou a totalidade, não se percebe muito bem lendo o "Notícias"---, também, o que é que se fica a perceber e, de um modo geral, a saber muito bem, lendo o "Notícias", não é?...); pode surpreender-me, dizia---e efectivamente surpreende!---que uma coisa tão "secreta" como essa de escutar Cavaco e a sua gente mais chegada seja feito "em segredo"... sentando um fulano do M.A.I. (um "agente secreto" falhado, diz o jornal) à mesa do Presidente, no meio de um mar de gente que poderia (se não tivesse nada mais interessante para fazer, claro) ouvir exactamente o mesmo que o tal "agente-secreto-que-o-não-é"!!
Enfim...
Não! Não é, repito, isso que me "chateia".
Volto a dizer: cada um define-se por aquilo (e por quem) que escuta e pronto.
Não! O que me incomoda, sim (e muito!) é que me queiram tomar por parvo e que me obriguem ainda por cima a ter de pagar para sê-lo!
Quer dizer: ao dar o euro-e-meio que a "coisa" custa à sexta (que é quando sai aquela revista mixuruca e cafona, aquela "!Hola! dos pobres" ou "das hortas" com que eles nos começam, logo à sexta, a amargar o fim-de-semana mas que ainda é dos poucos sítios onde se pode, "pelo meio da confusão", ficar a saber com algum pormenor o que vai dar na televisão, durante a semana); ao dar, dizia, o euro-e-meio que custa aquela "coisa" toda, jornal incluído, uma pessoa, no caso do "Notícias", espera (claro!) que o tentem manipular como puderem (afinal, é para isso que o jornal serve, não? Não me lembro de tê-lo visto fazer muito mais do que isso desde o tempo em que Salazar e Caetano se elegeram a si mesmos e sempre para nos tramar a vida) agora assim tanto???!!
Entre estes e o "Público" (um importante "asset"do grupo "Sonae", de Belmiro de Azevedo: uma "saída para o mar" do grupo...) parece, com efeito, ter-se definitivamente perdido por completo o sentido da mais elementar idoneidade ética e deontológica!
A "estória" destas alegadas escutas "cheira" a esturro a dez léguas de distância: ninguém ignora que entre o "Público" e Sócrates "there's no love lost", como diria um inglês.
Que é como quem diz: o jornal gosta tanto do primeiro-ministro como eu ou como (sei lá!) um muçulmano fiel gosta de toucinho, isto é: nada!
Nem só um bocadinho!
Agora, que um, o "Público" resolva entrar na campanha eleitoral, de um modo completamente inadmissível, "pela porta dos fundos", fazendo fretes camuflados a Cavaco e ao P.S.D. e que outro decida contrapor, "expondo", diz ele, a manobra a meia-dúzia-de-dias das eleições na tentativa evidente de "fazer montinho" para Sócrates parece-me, com toda a franqueza, tanto abusar da credulidade e da boa fé de quem compra jornais (e entrar já decididamente por caminhos, no mínimo, altamente contestáveis, em termos, como disse, éticos e deontológicos) como faz o próprio P.R. (a serem autênticos os documentos publicados pelo D.N.) que para fazer um coisa que parece ser exactamente a mesma, usa aquilo a que os fascistas chamavam, com a hipócrita pompa com que nunca deixavam de tratar em público as diversas componentes do "seu" Estado privado: "a mais alta magistrtura da Nação".
O que choca e horroriza é, numa palavra, ter a "democracia" portuguesa chegado a um nível de degradação destes.
Até aqui, podia-se ser o mais incompetente e mesmo genericamente o menos credível e até, sob diversos aspectos, o menos respeitável dos "políticos" (ser, por exemplo e desde logo, um autêntico desastre na condução dos assuntos de Estado) que, uma vez, superado com êxito esse "obstáculo", se ficava automaticamente limpinho de mácula e pronto para assumir um cargo "de luxo" na Europa, como "prémio", a fazer fretes já a outro nível mais... "suculento" e proveitoso (à "oligarquia eurovegetativa", por exemplo ou a fingir ter alguma relevância na implementação de, aliás inexistentes, políticas de assistência e apoio aos refugiados de todo o mundo, por exemplo, epito).
Até aqui, havia, com efeito, essa prática de redenção da pura mediocridade e do mais gritante e repulsivo oportunismo através do baptismo miraculoso de um supercargo qualquer à porta do qual todo o mal anterior ficava mais ou menos providencial e milagrosamente retido.
A fronteira ética e política que parece agora poder ter sido franqueada é possivelmente a única que faltava: aquela que separava ainda, apesar de tudo, esses cargos mais ou menos purificadores e redentores, em matéria ética e cívica dos jogos de baixa política que são, previsivelmente, aliás, insisto, a gota de água faltava no sentido de conduzir ao descrédito final total da vida pública entre nós.
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