segunda-feira, 31 de maio de 2010

"Pelas Vítimas do Combóio Humanitário..."

...mandadas abater pela cúpula dirigente israelita.
Até quando permanecerão estes crimes impunes confundidos com Política---e mais grave ainda!---com Civilização?!...

"Uma Democracia de Dentes Afiados!"


Depois de um assassinato meticulosamente organizado e cometido em território estrangeiro [o do comandante palestiniano Mahmoud al-Mabhou mandado assassinar pelo Estado de Israel e efectivamente "executado" no Dubai] a nação judaica volta a matar, desta vez membros de um combóio marítimo humanitário [pelo menos 15 pessoas, noticiavam hoje as estações de tevisão nacionais] que tentava passar o bloqueio judaico montado para isolar a Faixa de Gaza, impedindo o acesso a ela de alimentos, combustível, peças, livros, o que quer que seja proveniente do estrangeiro.

Como internamente a Faixa de Gaza, sem matérias-primas, com cortes drásticos de energia e a impossibilidade de escolarizar convenientemente a sua famélica população, se encontra em larga medida economicamente paralisada, socialmente devastada e culturalmente inviabilizada, a calamidade humanitária está instalada sendo a única hipótese de atenuá-la um pouco o recurso a acções como aquela que a que é [ironicamente?] chamada "única democracia no Médio Oriente" [!] agora repeliu juntando à selvajaria económica crónica exercida sobre a população palestiniana o recurso a não menos selváticas práticas de assumida "pirataria de Estado" abatendo civis e recebendo a tiro como se de uma esquadra militar inimiga se tratasse um simplers combóio humanitário.

Fortemente apoiadas nos Estados Unidos---onde existe, como se sabe, um "lobby" judaico influentíssimo---as brutais políticas... expan-sionistas [e "pan-sionistas"...] de Israel permitem-se desafiar a própria administração Obama [que começou, como se sabe, o seu mandato por se declarar disponível para patrocinar uma solução de paz para a região] com a construção de novos colonatos não se coibindo, tão pouco, como o recente "incidente" com o combóio humanitário amplamente documenta, de recorrer ao massacre indiscriminado de cidadãos estrangeiros apenas interessados em minorar a desgraça da Palestina ocupada.

Democracia, "isto"?

É preciso descaramento!


[Imagem extraída com a devida vénia de radioislam-dot-org]

´"Uma Moral e uma Educação [Realmente] do Século XXI?"


Abro o dia "quístico" de hoje com uma citação que faço antes de sobre ela produzir quaisquer comentários ou reflexões quie a leitura do próprio texto, só por si, dispensa, aliás.

Esclareço aspenas que a citação é extraída de uma reportagem de Alexandra Lucas Coelho, inserta na revista "Pública" do "Público" de 30.05.10 intitulada "Há verdade, falta reconciliação" e diz assim:


"Num país [a África do Sul] com tantos desequilíbrios sociais e em que o vírus [HIV] chegou tarde, o próprio Nelson Mandela se penitenciou por não ter actuado mais cedo.

Ele tinha ideia da ameaça. O ex-correspondente do Financial Times Alec Russell recorda-se de um discurso de Mandela em 1994, ainda antes de ser Presidente, em que ele tentou dizer à juventude do ANC que a sida podia "destruir" o país. E avisou: "Temos um problema na nossa sociedade porque não falamos de sexo. Quando uma criança pequena pergunta: 'Mãe, de onde venho?', o que vem a seguir é uma bofetada." Começou um sururu na sala, recorda Russell, mas ainda assim Mandela prosseguiu, falando de sexo seguro e preservativos. No fim vieram ter com ele: "Como pode falar assim? Quer que as nossas raparigas vão dormir com os rapazes?"

É impossível, penso eu, lendo "isto" não "ouvir" toda uma série de "argumentos" em defesa... não se percebe, aliás, exactamente de quê mas enfim [de uma... "moral" qualquer que ninguém entende muito bem]; "argumentos" esses que vão desde o imperativo do "combate ao preservativo" [por "razões" ligeiramente diferentes destas, na forma, é preciso reconhecer] até àquela inimaginável... "tese" ministerial que coloca a "Educação Sexual" nas escolas públicas no âmbito dos... "problemas de consciência" [não será: da in-consciência oficial do poder político?] ou das opções "morais", retirando-o de uma forma escandalosamente aberrante e cientificamente cobarde do da Ciência.

O resultado na prática é o mesmo, aliás---e isso é que conta, aliás.

São problemas na gestão do alastramento da doença---da Sida como, por exemplo, da hepatite---ou da da taxa de gravidezes adolescentes e por aí adiante.

A julgar pela... virginalmente escandalizada atutude de censura feita a Mandela [tão pitorescamente verbalizada naquele "Quer que as nossas raparigas vão dormir com os rapazes?"] poder-se-ia supor que no país de Mandela a contenção sexual prevalecesse.

Continuando, todavia, a ler o artigo de A. Lucas Coelho ficam-se a conhecer coisas como esta que certamente hão-de encher de orgulho os propugnadores da tese da "ignorânciia como indutor da moral" entre os jovens daquele país:

"Compra-se sexo por 20 ou 30 rands [dois ou três euros] [...]"

ou

"As raparigas começam as ter sexo com 14 anos [...]
Mas como é isso dos 20 rands? É uma prática comum?
---Um rapaz vem ter comigo e quer sexo. E tu pedes-lhe que dê algio para ajudar."

Poder-se-ia ser levado a pensar em prostituição---em prostituição formal, profissional, mesmo ainda que muito precocemente iniciada.

A autora da reportagem esclarece, porém, de imediato, para que não nos restem quaisquer dúvidas:

"Nomsa não está a falar de prostituição, está a falar do meio que conhece da towship."

É preciso dizer que aquilo que me move ao reproduzir aqui esta citação não é sequer pôr em causa as práticas sexuais da juventude sul-africana---ainda que, como é evidente, uma visão tão fria e obviamente tão causual e tão desencantada, tão evidentemente desvalorizadora, da sexualidade, para mais iniciada em idades tão precoces tenha inevitavelmente de levantar toda a espécie de reservas tendo em conta pressupostos de natureza estruturalmente humanista e de respeito pela dignidade do ser humano e das respectivas práticas enquanto valor em si---para já não falar noutros aspectos mais concretos e mais pragmáticos como os que envolvem a Educação dos filhos nascidos em condições de tão evidente degradação das relações entre os indivíduos.

Claro que existe um juízo de valor implícito na formulação destas questões mas aquilo que está primariamente aqui em causa são questões de saúde pública que, no âmbito específico da SIDA, atinge no caso sul-africano proporções de calamidade.

Como português, assusta-me que possam, em Portugal, escrever-se artigos descrevendo atitudes relativamente às questões de natureza pedagógica, educacional, especdificamente no caso da Educação Sexual com a gravidade daquelas que acima se referem a propósito de uma intervenção pública de Nelson Mandela; que a ninguém escape o que nessa [singularíssima para não lhe chamar outra coisa] visão da "educação" e da "moral" [da explosiva mistura que, em termos educacionais e, por consequência cívicos e sociais, configura a fusão da responsabilidade política [e técnica!] de educar com toda a espécie de absurdos pudores e supostas moralidades que mais do que genuínas morais não passam de preconceito im/puro e simples gratuitamente travestido de normativo de ordem ética]; como português, dizia, assusta-me que estejamos todos conscientes das consequências de uma "educação" que, na prática, é uma não-educação consistentemente institucionalizada [uma "agnosia por razões morais"]; que a observemos em sociedades onde ela atingiu já um grau e uma dimensão verdadeiramente alarmantes mas, apesar disso, não sejamos capazes de formular uma atitude completamente diferente dessa de brincar à Educação também em áreas e domínios onde a possibilidade de diswfunções é praticamente instantânea nem mesmo com "exemplos" como aquele que pia África do Sul de tradição puritana calvinista oferece à saciedade.

Pelas possíveis consequência deste último tipo, de ordem sobretudo prática ainda que não apenas envolvendo a SIDA [a ignorância, mesmo por razões---ou como [aberrante!] imperativo..."moral" e política de Estado---conhece inúmeras maneiras de reportar sobre as sociedades onde é incentivada e cultivada mas até pelo significado, em termos cultu[r]ais e mentais, que esta [hoje-por-hoje dificilmente explicável] "confusão" entre Ciência e consciência" envolve enquando fundamento de uma verdadeira "sociedade do conhecimento" que, por aí, tanto se ouve apregoar...


[Imagem extraída com a devida vénia de ablogofourown-dot-files-dot-wordpress-dot-com]

domingo, 30 de maio de 2010

"Na Morte de Dennis Hopper"


" 'Se te apetece, para a frente! que importância tem?'
O meu coração o teu coração', escreveste"
Patsy Southgate, "Ninguém Opera Como Uma Máquina IBM", trad. port. Manuel de Seabra

Simpatizante e eleitor "republicano" [embora tivesse recentemente votado Obama---o que na América corresponde a um posicionamento politicamente significativo...]; colecccionador de Arte, poeta e artista plástico, será como o homem da desfixação e da contracultura que Hopper entrará numa certo legendário contra-cultu[r]al muito West Coast dentro ou em redor do qual avultam, de um modo ou de outro, nomes e "mitos" como os de Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, Lenore Kandel ou, mais tarde, Wenders ou Lynch [o crepúsculo de um certo espírito de busca e de errância sempre, de uma forma ou de outra, potencialmente desesperada que "fecha", por completo, aí, com Wenders, sobretudo---veja-se dele "Paris, Texas" ou "Land of Plenty"] e "ideias/projecto" como esse de ir "pela estrada fora" em busca de si ou... de coisa alguma que, de alguma forma, liga, real ou figuradamente, todas essas referências.

Hopper, que era um homem do Actor's Studio, entrou na onda desse inquieto e não-raro desesperado Zeitgeist com uma "coisa" que rapidamente se tornaria cultu[r]almente incontornável que se chamou "Easy Rider"---a história de cuja acedência ao mitário cultu[r]al e contra-cultu[r]al ocidental envolve uma ironia imensa e pressupõe, mesmo, em si própria uma "subversão" clara às regras estabelecidas no sentido preciso em que sendo, como é, um filme "barato" e com aspectos francamente, no melhor [e, se calhar, num ou noutro momento, no pior também] sentido "de amador", venceu em popularidade e significado dezenas ou centenas de outros infinitamente mais ambiciosos e caros.

O filme, um clássico absoluto, tem o mérito de 'praticar aquilo que prega' e quando, numa sequência famosa, vemos, por exemplo, Hopper e Jack Nicholson fumando marijuana à luz de uma fogueira, eles não estão a fingir que fumam marijuana: estão, de facto, a fumá-la e, a dado passo, perdidos inclusivamente de drogados...

O "namoro" constante do filme com os "ritmos naturais da realidade" vai, todavia [tal como a poesia dos já citados Ginsberg ou Corso] mais longe: é o próprio objecto narrativo [ou poético, no caso dos escritores citados ou ainda cinematográfico, no caso das indescritíveis e perturbadoras "tranches de vie" dos filmes feitos por Warhol com a sua musa Sedgwick e o seu... "muso" Joe d' Alessandro] que se insurge enquanto tal contra as regras pré-estabelecidas para cada "genre".

Em "Easy Rider", Hopper recria a ideia de "narration" ou "narrativité fleuve" tradicional cinematizando-a e transformando-a num filme que vai, não, como na epoeia clássica, "direito ao horizonte" senão que, muito... existencialisticamente [outro aspecto subtil da... "metamorfosicização" do Zeitgeist epocal e cultural circundante, reinventando continuamente o próprio horizonte e fazendo-o/fazendo-se dentro do tal projecto teórico global de reencontrar nas Artes os "ritmos intrínsecos e naturais do real", num gesto de claríssima suspeita e mesmo aberta insurgência contra a "ortodoxia narrativa" estabelecida.

Como realizador, todavia, a tumultuosa, caótica e insurgente carreira de Hopper acabou num certo sentido exactamente onde se iniciou: em "Easy Rider". No filme seguinte, os excessos, em lugar de contribuirem para valorizar a própria narrativa e induzirem o sucesso, revelaram-se fatais [álcool e drogas marcaram toda a rodagem de "The Last Movie" cujo título seria, num certo sentido premonitório...] e Hopper viu-se [como Wells, por exemplo ou von Stroheim antes dele] condenado a desempenhar papeis de actor, alguns, aliáss, também clássicos como em "Der Amerikanische Freund" de Wenders ou em "Apocalypse Now" de Coppola [onde seria Martin Sheen a filmar alcoolizado e drogado, como Hopper em "Easy Rider"...]---ele que já desempenhara um curtíssimo papel no não menos clássico "Rebel Without a Cause"/"Fúria de Viver" de outro "maldito" do cinema, Nicholas Ray.

Recentemente, Hopper regressara à evidência depois da participação em "Blue Velvet" de Lynch e da nomeação para o Óscar de melhor Actor Secundário em "A Raiva de Vencer" de David Anspaugh.

Alcoólico com várias curas e diversas recaídas, viria a morrer de cancro da próstata no dia 29 de Maio de 2010, com 74 anos.

"True Lies..."

O Sócrates diz que a crise está a dar sinais de ceder?...
Oh! Diabo! Acho que vou mesmo ter de emigrar!...
"Isto" ainda está pior do que eu pensava!...

sábado, 29 de maio de 2010

"Condenados e... Mal Pagos!"


Li, um dia destes, no imprescindível "Público" [jurem que desta vez não me fazem ir confirmar qual foi, ham?!...] de uma assentada dois textos---um de José Manuel Fernandes, outro do sempre melancólico e infeliz-por-gosto Vasco Pulido Valente---coincidentes num ponto: aquele que conclui que um PSD, ao que parece, para já, incapaz de gerar mais Cavacos que o metam por fim na ordem [numa ordem qualquer que aquele tipo de fulano que o compõe não se distingue propriamente pela esquisitice em matéria de levar pancada de um ferrabraz ou de um valentão político das dúzias qualquer----nem precisa de ser muito grande, tem é de saber pôr-se verbalmente em bicos de pés mais que os outros de modo a ficar visível por todos os que o rodeiam na habitual chusma ou cáfila de "ganâncias muito vaga e muito constrangidamente federadas"]; li, dizia, então, um destes, no "Público-nosso-de-cada-dia" com que noticiaristicamente ainda me vou regularmente alimentando, que um PSD qualquer assim identificável nos condenou a todos a um P.S., por sua vez, inimaginavelmente corrécio e intrujão, ideologicamente ainda mais sucateiro [ou... "socrateiro"?] do que o costume ou do que a sua própria tradição interna e vocação original...

Ora, sabendo nós que o tal P.S. desde que surgiu [lá não sei onde e por encomenda expressa de uma América que viu logo nele uma promissora gazua feita à medida para "abrir democracias" que à época se anunciavam e que ninguém daquele lado---sempre tão astuto e comilão!---do oceano sabia exactamente de que eram capazes, depois de terem precisamente não apenas re/nascido como---mais assustador ainda!---terem tomado o gosto a re/nascer]; ora, sabendo nós, então, que tipo de "menino" era aquele "pê-ésse" e que tipo de "meninos" eram a maioria daqueles "pê-ésses" que tomaram, na altura, nota da "encomenda", não me parece de maneira alguma exacta, a conclusão acima referida, devo dizer!

E eu diria até exactamente ao contrário que, estando nós fartinhos ["marrecos"!] de saber que colecção de cromos se tinha apressadamente reunido para "parir à pressa um partido" à altura das "exigências... históricas" do grande capital financeiro estadunidense reunido em conclave para escogitar a maneira mais expedita de nos "trompicar" a História e "torcer o pipo" à nascença a qualquer veleidade de maturação social e política autónoma que fôssemos capazes de, como país, encontrar, o mais apropriado e mais rigoroso, seria---exactamente, ao invés, repito---dizer que, antes de qualquer outra análise ou reflexão de natureza histórica, social e/ou política, o pressuposto analítico que é essencial, por imperativo de rigor exegético estabelecer como ponto de partida é que foi antes um pê-ésse sempre estruturalmente burlão ---um verdadeiro "natural" da trapacice e da moscambilha---nos seus própositos ou nos seus... "ornamentos" exteriores [chamam-lhe eles...] "ideológicos" ["aquilo" mais do que um partido nunca passou de um pretexto para a pouca-vergonhice económica e política pura e simples, de uma marioneta transcontinental política com uns... "rabiscos mais ou menos ideomórficos confusos por cima"] que nos condenou a um Passos Coelho "constitucionalmente desempoeirado" ["apertado" por uma autêntica manada de "barões da finança à desfilada", ávidos de carniça social e com típica propensão para "açougueiros económicos e políticos", espantarocados ainda por cima por uma crise-estado que nunca mais acaba de nos surpreender com coisas sempre piores que as anteriores e de lhes fornecer, àqueles tais barões, pretextos para pendurar sociedades inteiras nos "talhos ideológicos e sociais" de que são donos; foi esse pê-ésse, dizia, quem, afinal, nos condenou a um pê-ésse-dê-com-Passos-Coelho-dentro, um pê-ésse-dê "artista da finta política" e mestre consumado no jogo de emboscar sociedades incautas, para quem substituir o tal pê-ésse que nos terá, assim, tramado de vez equivale a privatizar tudo o que mexe num raio de não-sei-quantos quilómetros de pátria moribunda, metendo de vez o país num saco e atirando-o também de vez ao mar de onde nem sequer numa manhã de [muito...] nevoeiro seja capaz de voltar a sair!...

O pê-ésse-dê condenou-nos a essa calamidade pública---de inimagináveis dimensões da indignidade interna e externa--- que foi o sucatismo?

Uma ova!

Alguém, ao dizer isso, está a "ver o filme todo ao contrário"!...

Foi, ao invés, essa económica e socialmente trágica "encomenda de Washington e de Bona" que foi o tal "pê-ésse" em má hora nascido numa Alemanha qualquer [demasiado!] perto de si que nos condenou a todos à infausta procissão do Senhor-dos-Passos que aí se anuncia e que raia, ameaçadora e voraz, num horizonte social e político colectivo onde já pouco resta de político e ainda menos de social quanto mais até já de... horizonte!...
Esperem-lhe só pela pancada!


[Imagem extraída com a devidíssima vénia---e uma imensa admiração pela subtileza da solução encontrada!---de fabiodefreitas-dot-wordpress-dot-com...]

"Gostaria de habitar as várias esperanças ou Uma casa abrindo continuamente sobre a noite" [Repoetização de um Texto Anterior para E.]"


Gostaria de habitar um dia primaveras
oh meu corcel memória esposa anil majestade de cristal
colheita de consumíveis sombras paisagem infirmada luar indiferente

dá-me a tua mão

imperfeito firmamento ou arco em lágrimas
noite paralisada
[que as armas viram florir e logo depois expirar...]

dá-me a tua mão

hora morta por asfixia ou ausência verde
estrela corrompida fadiga infecta
cobardia inútil
ou passado
infecundo e nímio
incesto inerte

dá-me a tua mão

incerteza cilíndrica
fronteira de luz
natureza digital
auspício ou norma
desfortuna informe

dá-me a tua mão

velha natureza dorsal
empréstimo subentendido
de luz
ou rápida cor
ave ou indústria
sopro
respiração muito jovem
sol revolto
prisioneiro fatal do próprio
curso

dá-me a tua mão

ciclone em fogo
ou boca da cidade
quadrante em pó
peito berço flor da morte
por onde os silêncios invadem progressivamente o corpo
e o lavam dos sons que já não tem

despojo assinatura
cadência de luz
muito jovem incerteza
coração inconsútil
ou vento abandonado à sua sorte

dá-me a tua mão

alva árvore
ou braçado de esplendores
cálculo de sangues desfiados
numa mão de puro ónix
o corredor dos dedos eriçados

...................................................................

Eu gostaria de habitar as primaveras de um povo
onde se movessem sempre as aves
e as águas
um povo vagabundo
da aurora fazer corpo palavras e lugar
para viver

como uma árvore indulgente
ou um sol de alumínio
ao labirinto do tempo ir buscar
o sol para roer
e a boca para amar

e entre hemisférios
[os breves hemisférios da respiração...]
na demasiada juventude construir finalmente
a nossa casa de diurnos sempre espaços ou de estrelas
abrindo continuamente sobre a noite!...


[Na imagem: "A Realidade Existe?", colagem sobre papel e cartão de Carlos Machado Acabado]

"Para Mim, É Uma História Nova, Se Faz Favor!..."

Olhe, faz favor!
Esta História e esta sociedade não estão em condições!
O senhor, se não se importa, leva-me isto tudo para dentro e traz-me uma História nova, se faz favor !...

[Imagem extraída com a devida vénia de cartoonstock-dot-com]

"BASTA!"

Basta de economocracia ou "economia de sanguessuga"!
"Isto" não é uma crise, é um estado!
Um estado-de-coisas!
Um Estado capitalista a corroer e a pôr em risco a própria História!
É vital repensar a realidade económica, social e política, reiniciar a História com toda a gente---e com toda a gente dentro!

É com esse projecto em mente que me vou juntar à manifestação de hoje, da C.G.T.P.!

BASTA DE IRRESPONSABILIDADE!

NÃO CONTEM COMIGO PARA "SUICIDAR A HISTÓRIA" DEPOIS DE TERMOS PRATICAMENTE... "SUICIDADO JÁ O AMBIENTE"!

PARA MIM É UMA HISTÓRIA NOVA, SE FAZ FAVOR!


[Imagem extraída com a devida vénia de implicitosdevaneios-dot-blogspot-dot-com]

Also Sprach Zarathustra - Deodato (2006 space odyssey)

"Uma Consciência para o Mundo de Hoje"


Um dos grandes [um dos provavelmente insolúveis!] problemas do catolicismo romano tal como chegou até à actualidade, na sua versão canónica e "papólatra" [como lhe chama Fr. Bento Domingues num texto do "Público", cf. "Público" de 04.04.10 "A ressurreição da Igreja"] emerge da fortíssima [da fortíssima, dupla e tendencialmente bipolar] tensão que, sobre ele, essa mesma "actualidade", a "acutualidade cognitiva" [e "cognicional", que não é exactamente a mesma coisa] inevitavelmente há-de exercer.
Mas emerge, de igual modo---e emerge, de algum modo, até sobretudo!---do modelo em geral escolhido pelo catolicismo romano para lidar com essa mesma inevitável 'tensão epocal ínsita', chamemos-lhe assim.

É verdade que uma religião "revelada" não tem, por definição muito para onde evoluir, muito por onde 'crescer': limita-a [passe a redundância] naturalmente a sua natureza "revelacional" que é obviamente definitiva e, em mais de um sentido, terminante e final.

Há, todavia [e uma igreja astuciosamente "estratégica"; uma igreja que ao longo dos tempos sempre foi uma igreja muito imediatamente histórica e muito tentacularmente política---como designadamente a católica---devia ser a primeira a conhecê-los...] modos e formas---eu diria "sabiamente pragmáticos" para evitar dizer esclarecida e mesmo "educadamente cínicos"...---de fazê-lo [i.e. evoluir] não parecendo---como seria, desde logo, o de deixar, na prática, estrégica e inteligentemente "cair" certos conteúdos umbilicalmente ligados a uma estrutura ou um edifício epistemológicos, hoje-por-hoje e num mundo como o de hoje, manifestamente insustentáveis a não ser em sociedades "residuante e/ou consistentemente primitivizadas" [como a do sul dos Estados Unidos, por exemplo, onde a questão criacionismo vs. evolucionismo ainda hoje continua a ser... uma "questão"]

Em troca, há um papel social e moral [admissivelmente até civilizacional!] potencialamente relevantíssimo [num certo sentido: vital, mesmo!] susceptível de ser desempenhado a partir de 'Roma'---de uma Roma qualquer, aliás, mas esta é, em última análise, por um conjunto de razões hiastóricas e cultu[r]ais muito fortes, tão boa como qualquer outra...---que ela poderia com grande vantagem para todos [a começar por ela própria] desempenhar e que era o de "fiel" ou mesmo idealmente de "consciência" não limitadamente "moral" e muito menos absurdamente epistemológica mas mais alargadamente ética de um mundo onde ela ainda consegue, mau grado os constantes erros cometidos, ser ouvida, embora [exactamente, entre outras coisas, como resultado inevitável desses erros] com crescentes limitações e dificuldades: o "ocidental".

Se ela fosse, com efeito, capaz do "golpe de asa" de esclarecimento e de lucidez que consistiria em "empocher", em "pôr entre [sábios...] parênteses" a maior parte da carga de "conhecimento" e de "cognições" [todo um "estômago ou ventre cognicional"] que ela trouxe consigo imutável da "Idade Média" [das sucessivas "Idades Médias mentais, intelectuais, inteleccionais, etc." por onde errou sem destino ao longo de séculos] e não soube nelas deixar e de todo esse património potencialmente civilizador, agora sob forma inquestionavelmente mais mediata e menos politicamente interveniente do que dantes tivesse sabido construir um "espelho reflector consciencial", "reflexional" e, como disse, "ético" para o nosso tempo; se isso tivesse, dizia, podido acontecer e, em lugar do "estômago" ela se ativesse inteligentemente a um cérebro onde fosse capaz de converter em inspiração um tronco básico, cultu[r]almente transversal ou "transversante" de princípios de ética humanista e natural [no sentido que ao termo "natural" foi dado pelos enciclopedistas franceses quando falavam, por exemplo, de "religião natural"; se ela tivesse sabido operar em si essa "mutação estratégica" possivelmente vital para si e para a própria civilização, eu creio que haveria no mundo de hoje um lugar para a igreja que de outro modo não me parece francamente, de todo, que possa existir.

Mais: o papel de manter-se exactamente como está teimando em impor-se a um mundo [que, todaviu e sem que ela aparentemente tivesse dado por isso, "voluíu" significativamente desde a Idade Média ou a Contra-Reforma] com o estatuto aberrante de "referencial cognicional e epistemológico" e/ou "gnoseomórfico"; é um papel que eu não apenas constato que como, sobretudo, desejo que não exista porque a igreja "papocrata" [e escessivamente institucional, demasiado secular e inteleccionalmente ominipresente] das "aparições", das "guerras do preservativo" ou dessa inqualificável "cultura" de "apartheid de género" que se obstina em manter e que remete as mulheres para um limbo aviltante, inargumentavelmente ultrajante e obscurantista; a igreja-"conhecimento" que pretende dar lições de... "Tudologia Teórica" e ao poder político e à sociedade em geral, teimando cegamente, à revelia de qualquer forma demonstrável de esclarecimento ou de 'inteligência da realidade', em permanecer amodorrada no sonho, hoje cientificamente absurdo, de ser uma espécie de "gnoseologia" e "moral de Estado"; desejo, dizia, que essa igreja não exista pelo sinal de atraso mental, intelectual, cultural e civilizacional que a sua sobrevivência dá do mundo---e ao mundo ou aos mundos---dos nossos dias.

A igreja [ensimesmadamente "papocrata", repito, e escandalosamente política] teologicamente facilitista e intelectualmente medievalizante de João Paulo II ou a igreja inteleccionalmente retrógrada de Bento XVI [que mais do que encontrar maneiras epistemológica e, em geral, inteleccionalmente fundamentadas ou, pelo menos, fundamentáveis de "evoluir" se obstina---como, aliás, observa e reconhece explicitamente Fr. Bento Domingues no artigo do "Público" que astrás cito---em argumentar e, pior ainda, em tentar substanciar o seu próprio imobilismo e a sua extra-temporalidade mental "de episteme"]; essa igreja que fala continuamente para dentro---um "dentro" cada vez menos extenso, aliás---essa igreja consitui hoje-por-hoje, não mais do que uma bizarria, uma curiosidade e um objecto-de-feira sem lugar no Tempo e na História e condenada, por isso [graças a Deus!...] a desaparecer.

A igreja da "Congregação para a Doutrina da Fé" e da "Humanae Vitae", a da [como discrimina e enumera o insuspeito Fr. Bento Domingues] "recusa das críticas ao celibato obrigatório dos padres", a que defende que "as mulheres, por serem mulheres, escusam de pensar na possibilidade do sacramento da Ordem"; a que considera como princípio moral absoluto que os "divorciados recasados continuem a ser considerados católicos e a serem incentivados a ir à Missa mas a não poderem ["inexplicavelmente", refere de forma expressa Fr. Bento Domingues] participar na comunhão eucarística que devem [porém e contraditoriamente, relevo eu] recomendar aos próprios filhos"; a igreja-fábrica de "santos à la chaine" muitos deles evidentes marotos [velhacos e crápulas sem nome alguns, antisemitas por inata vocação e por aí fora] que mais digno seria piedosamente esquecer de uma vez por todas; essa igreja é uma aberração completa sendo que constitui um verdadeiro 'dever intelectual" e um genuíno "imperativo civilizacional' combatê-la e pôr-lhe fim sem demora em nome de um projecto de higienização civilizacional básico que, desgraçadamente para alguns países como o nosso, continua a tardar.

O próprio modo de relacionar-se com o conhecimento e as formas de representá-lo no tecido básico da Cultura, típico de uma certa igreja mental que se obstina em continuar a sobreviver-se não tem [nem deve ter!] qualquer lugar nos dias de hoje em nome do próprio progresso das sociedades humanas.

Falo especificamente da igreja que Fr. Bento descreve de forma clara neste parágrafo do artigo do "Público":

"A Congregação para a Doutrina da Fé---presidida durante muito tempo pelo cardeal Ratzinger---não foi capaz de viver descontraída perante o debate doutrinal e as novas exigências pastorais. Regressou à repressão dos teólogos que não reproduzissem o seu estilo. Amontoando documentos, julgou que podia parar as vertiginosas mudanças do mundo e ocultar os sinais dos tempos".

A pergunta-chave com que encerro esta reflexão, parte desta citação de um autor da igreja, de uma pessoa que a pensa e sobretudo se obstina em dá-la a pensar e é esta: pode-se ser mais claro?
É possível ser-se mais mais explícito?


[No topo: imagem de Richard Dawkins extraída com a devida vénia de contagemregressiva-dot-blogspot-dot-com]

sexta-feira, 28 de maio de 2010

"Um Povo que Nasceu Para Burro..."


Segundo o "Diário Económico" de hoje, Passos Coelho está próximo da maioria absoluta nas intenções de voto dos portugueses.

Ora, perante isto, que é que se pode dizer?

Que, por mais voltas que se lhe dê, os portugueses pura e simplesmente não aprendem e não há, pelos vistos, nada a fazer.

Ainda não se viram livres de "uma" e já estão mortinhos por se meterem "noutra"...

Desistir é próprio dos fracos, é verdade, mas sinceramente, com gente desta...


[imagem extraída com a devida vénia de strathcona-dot-com]

quinta-feira, 27 de maio de 2010

"Universidade de «Vrije» ou Universidade de... «Libre»?"


Professor de Inglês ao longo de mais de três décadas, tive por diversas vezes ocasião de leccionar a disciplina de Técnicas de Tradução.

Aí um dos meus cuidados básicos consistia em explicar aos alunos que a disciplina com essa designação era não UMA mas, na realidade... várias.

Muitas.

Tantas que era, no limite, materialmente impossível quantificá-las.

"Traduzir" um texto, com efeito, não é, ao contrário daquilo que muitas vezes erradamente se pensa, "passar" palavras e frases de uma língua para outra.

"Traduzir" se é alguma coisa [e é, também, em tese, debatível que no limite o seja mas essa é outra questão...] é "passar" uma MENSAGEM de uma língua para outra.

Um meta-texto ou uma meta-textualicidade [um complexo textual: um texto, um estilo ou uma estilicidade, um espírito, uma constante ou uma identidade textual estável e um---ou vários conhecimentos---a tudo isso associados] que está longe de se esgotar nas palavras ou até nas meras frases como tal.

É por [tudo] isso eu [e muito mais...] que eu digo que 'Técnicas de Tradução'... são muitas---são, de facto, inúmeras---disciplinas que vão da Matemática à Poesia, da Música às Ciências Naturais num arco objectivamente ilimitado de matérias e saberes.

Por outro lado, por razões de metodologia e de didáctica específica era, porém, possível "dividir" em termos sobretudo práticos, operativos, o conteúdo da disciplina de Técnicas de Tradução em duas grandes áreas: uma, muito aberta, que contemplava a abordagem selecta, no fundo, por amostragem tão tópica quanto possível daqueles saberes "externos mas não exteriores" à cadeira em si [uma área didáctica onde eram "arumados" os itens referentes a este domínio rumados" e uma outra de que aspectos vários da mecânica do processo de tradução ou "translação textual" e especificamente linguística" constituiam o objecto central.

Em qualquer caso, esta área funcionava sempre como uma espécie de instrumento prático [chamemos-lhe "objectuante" ou "objectuador", basicamente instrumental] daquilo a que comummente chamamos "traduzir".

Dito de outro modo: para além de saber "mexer na língua" ou melhor: "nas línguas", o tradutor tem de ser teórica ou tendencialmente para-enciclopédico de modo a converter essa habilidade [essa... "ability"] meramente técnica ou tecniforme num verdadeiro saber.

Porque esta perspectiva teórica sempre me pareceu estar, na essência, ausente das abordagens que da disciplina faziam muitos dos meus colegas com quem eu fazia questão de ir trocando informação e experiências e como, por outro lado, pretender que Ministérios da Educação profundamente burocratizados e por via de regra didacticamente vesgos para além de pedagógicamente incompetentes patrocinassem debates verdadeiramente sérios em matéria didáctico-pedagógica era pouco menos do que irrealista; porque assim era, dizia, sempre me deu ideia de que, em Portugal, muitos dos "tradutores" formados a este nível tinham forçosamente de evidenciar enormes limitações de todo o tipo.

Para mais, sabendo nós o que "pensa" geralmente o Ministério sobre o tema da "Escola Cultural"...

Ocorreram-me ao espírito estas reflexões, ao ler no "Público" de 22.02.10, no artigo "Os bastardos da guerra descobrem as suas raízes" da autoria de Edward Cody [traduzido por ?]: "O que vivemos e as privações que sentimos durante todas as nossas vidas levaram-nos a fazer ouvir as nossas vozes", explica Gerlina Swillen, uma belga professora do ensino secundário e investigadora da Universidade de Vrije [sic], em Bruxelas".

Ora, eu por acaso até conheço Bruxelas por lá ter vivido e sei por isso que não existe Universidade alguma "de Vrije" na capital belga ou em qualquer outro ponto do país.

Um aluno ao qual tivessem sido ministrados conhecimentos básicos de linguística comparativa [da mecânica da evolução linguística em campos idiomáticos particulares, neste caso, germânicos] teria possivelmente detectado de imediato as semelhanças entre aquele "Vrije" [lido "Fraia"] e o alemão "Frei" ou o inglês "free", todos eles contendo a ideia básica do que em português expressamos pelo termo "livre".

Bastar-lhe-ia, agora reportando-se à outra área mais vasta da disciplina que, em Bruxelas existe uma Universidade Livre a que os francófonos se referem usualmente designando-a pelas iniciais U.L.B. alusivas à designação oficial "Université Libre de Bruxelles" para "desconfiar" e [agora existe essa arma inestimável!] recorrer à Net para tirar dúvidas, evitando desse modo aquele caricato "Universidade de Vrije" que evidencia os claríssimos limites da ciência do tradutor.


[Na imagem: Torre sineira da U.L.B.]

"Razão, Inteligência e Civilização: Para Quê?"


Numa crónica recente do "Público" intitulada "Um mundo sem privacidade" [cf. "Público" de 24.05.10] recorda o historiador Rui Tavares alguns dos inomináveis abusos [abomináveis arbitrariedades e, em geral, dificilmente perdoáveis abjecções] praticados ou levados a praticar pela Inquisição em Portugal.

Refere especificamente o também deputado do Bloco de Esquerda ao Parlamento Europeu, entre as execráveis impiedades, arbitrariedades e exacções cometidas pelo impropriamente chamado Santo "tribunal', o encorajamento à delação [conducente à dificilmente evitável punição] de "práticas perigosas" como eram---reporta o autor do artigo---varrer o pó doméstico para o centro da casa [!] e recolhê-lo, em seguida, a partir daí, em vez de fazê-lo directamente para a rua [prática essa denunciada por judaísmo, interpretação que, por sua vez, se baseava na prática judaica de respeitar o "mezuzá" ou "umbral" da habitação] ou outras igualmente "graves" para a saúde da alma ou até para a da própria sociedade portuguesa e especificamente para a sobrevivência e estabilidade da igreja católica assim como do espírito do cristianismo que numa e noutra, sociedade e igreja, devia, pensava-se à época, prevalecer como o usar camisa lavada à sexta-feira ou a recusa do consumo de carne de porco.

Constituía o perversíssimo projecto de envolver o conjunto da sociedade portuguesa na denúncia destes factos---alguns deles apenas conjecturalmente "sinais" de uma religiosidade obsessiva e hoje-por-hoje inimaginavelmente intolerante---em si mesmo uma coisa abominável e repugnante que é como quem diz uma irresponsável prática oficial de convite ao "vigilantismo" indiscriminado capaz de apanhar numa inimaginavelmente vasta e cega rede condenatória [persecutória?] "culpados" e "inocentes" ao sabor da ignorância pura e simples e/ou, de um modo geral, de ondas de histeria colectiva objectivamente impossíveis de controlar?

Claro que sim, que constituía tudo isso---que mais incompreensível e imperdoável ainda se torna se pensarmos que tinha por centro inspirador determinante uma igreja, i.e., uma instituição religiosa, cristã, de onde era suposto que brotasse, ao invés deste tipo de prática indeculpavelmente brutal e indiscriminada, uma cultura de são humanismo e de sólida tolerância que os factos, todavia, repito, gritantemente negam [1].

Extinta [tardiamente, embora!] a negregada Inquisição, seria de supor que este tipo de prática brutalmente intrusiva e arbitrariamente invasiva do domínio da estrita-mas-não-estreita privacidade de cada um; de um espaço onde cada um é livre---deve ser livre!---de conduzir as práticas intrinsecamente adstritas a essa "privaticidade" como melhor [ou... pior! É um direito o fazê-lo da "pior" forma, também---é parte da liberdade de agir que cada um deve ver reconhecido nesse âmbito que é, de algum modo, o prolongamento natural do Eu ou dos vários "Eus" que compõem o universo familiar [2]

Terminou, porém, de facto, o resíduo mais ou menos "subculturalmente inerte" desse espírito de intolerância "vigilantista"---encontram-se hoje-por-hoje completamente extintos os efeitos, chamemos-lhes... "transparentes" ou pelo menos, "translúcidas" e [quase?] invisíveis desse espírito perversamente apropriador das formas mais básicas e elementais de liberdade e de "privaticidade" que Inquisição devassou de uma forma escandalosamente discricionária e inimaginavelmente intrusiva e iníqua, autocrática?

É legítimo e é correcto pensar que assim sucede realmente?

Se a esta pergunta respondermos apenas "não!" provavelmente seremos considerados perssimistas incuráveis [ou, pelo menos, dificilmente reformáveis...] e maus analistas da realidade social e cultural contemporânea.

Se, porém, nos dermos ao trabalho de observar com escrúpulo analítico e crítico ceros aspectos daquela mesma realidade torna-se, pelo contrário difícil não constatar como aquele "ímpeto" ou aquele... "fôlego abstractamente residuante" de velhas práticas retintamente intolerantes e inquisitoriais não apenas persistem, de facto, na sociedade portuguesa como tendem, segundo alguns, a passar a uma situação que já não é apenas de facto mas se torna claramente "de direito", "de jure".

Basta ver o que se passa com a recentíssima "questão" [utilizo aqui o termo naquele significado muito específico que assume em expressões como "question juive", por exemplo...] do casamento entre pessoas do mesmo sexo.

Ainda ninguém conseguiu de forma minimamente credível [intelectualmente credível, filosoficamente credível, substantivamente credível] explicar por que exacta razão ou exactas razões duas pessoas, dois indivíduos, dois seres humanos adultos [dois "consenting adults", para utilizar outro expressão, desta vez, inglesa dotada de uma carga conceptual e até filosófica muito própria] que pretendem exercer a liberdade estritamente individual de juntarem as suas vidas e rodearem essa união de um conjunto de direitos e garantias institucionais básicos hoje-por-hoje, já reconhecidos no caso de se tratar de pessoas de sexos diferentes; ainda ninguém conseguiu explicar de forma aceitável, sem recurso a qualquer "fundamento revelacional" ou convicção estreitamente pessoal, essas pessoas devem pedir autorização para fazê-lo ao conjunto da sociedade em que vivem que o mesmo é, num certo sentido muito reconhecível ou pelo menos muito demonstrável muito dizer, pedir licença para tanto às convicções religiosas em suspensão nessa sociedade, algo que me parece, desde logo, entre outras coisas, em clara contradição com a ideia [e com o valor intelectual, social, cultural e político] de 'Estado laico' ou de laicidade do Estado.

Na mesma edição do "Público" onde foi dado à estampa o artigo de Rui Tavares, insere-se um outro, da autoria de António Pinheiro Torres ["Presidente: para quê?"] onde é perfeitamebnte reconhecível aquela [a meu ver, efectiva ou espiritualmente---formalmente---inquisitorial] condição da sanção social e/ou cultu[r]al/política ["política" de "polis", é bom recordar] como algo de obrigatório para que a vida estritamente individual de cada um um possa [?] então, a partir daí, existir e passarem então a valer os direitos a ela intrinsecamente adstritos [que deviam ser automáticos numa sociedade verdadeiramente democrática, moderna e civilizacionalmente coerente consigo própria e com os valores de efectiva modernidade intelectual, filosófica, mental e política que lhe devem ser, em todos os casos, indissociáveis].

Será que a "decisão [presidencial de não vetar a lei que consagra o referido casamento] "desiludiu" efectivamente "todos os portugueses", como diz o autor do segundo texto.

Claro que não!

Mas o problema não é esse: o problema [o verdadeiro problema que continua a ser por uma razão ou por outra completamente despercebido por alguns a quem a lei sim desiludiu---o artigo é prova disso] é: e se desiludisse nem que fosse [vamos ser deliberadamente exagerados!] digamos 95 % dos portugueses?

É aos "portugueses"---aos portugueses em geral, aos portugueses como sociedade--- que compete validar [ou não] o direito de cada um às formas estritamente individuais de liberdade

São eles [devem ser eles] a ter na mão o poder de consentir [ou, pelo contrário, de proibir] que essa liberdade exista efectivamente e os direitos que lhe são inerentes possam ser exercidos?

Não continuamos nós, afinal, como comunidade a exigir o "direito" a espreitar para dentro da casa do vizinho para ver como "varre ele o chão" ou "quando veste ele camisa lavada"?

Não continuamos nós, como sociedade, a pretender que nos seja reconhecido o [porém aberrante, impensável, inargumentável e, na realidade, inargumentado] "direito cívico" a determinar, agora com recurso a um instrumento nobilíssimo da parafernália democrática como há-de o "homem ou a mulher da porta ao lado" limpar o chão da sua casa ou vestir-se?

Que raio de "democracia mental" ou de "democracia intelectual" [já nem falo em democracia política e, por isso, atrás me referia a uma espécie de espírito perverso que... residuou de velhas práticas inquisitoriais tornadas "cultura" e que pretende agora contaminar ou infectar a própria democracia, o aparelho demo-formal apropriando-se da sua forma para lhe deformar e espírito]; que raio de "democracia mental" é esta, dizia, que pretende este tipo de coisa---este género ou esta espécie de... "direito"?!

O "sentir da sociedade portuguesa"?

"Uma exigência popular"?

O "apelo da voz autorizada dos bispos"?

"Defraudou" Cavaco o seu eleitorado e/ou o País?

Mas é a Cavaco, é ao presidente da República que deve pedir-se que sobreponha abusivamente as suas convicções pessoais em matéria moral às dos indivíduos sobre quem incide o conteúdo de uma determinada lei e a substância de um determinado direito, tutelando, desse modo, de modo impensavelmente paternalista, o exercício das formas autónomas individuais de moralidade, no estrito caso em que estas não vinculem ou forcem quem quer que seja ao que quer que seja, além dos próprios?

Esgrimir com números [o artigo fala de "92.000 assinaturas", fala de "mais de uma centena de autarcas" e por aí adiante] muda alguma coisa de substancial e de essencial nesta problemática?

Pergunta o autor do texto intitulado "Presidente: para quê?" se o Tribunal constitucional é quem veta as leis, em vez de ser o presidente---e pergunto eu se é o número e não a razão, a inteligência, o despreconceito e a modernidade efectiva da visão, a consonância com uma mentalidade e um tempo intelectual e filosófico que devem substanciar a prática da democracia.


NOTAS


[1] Veja-se, por exemplo, o que escreve Béatrice Leroy em "A Espanha dos Torquemada", trad. port. Catarina Horta Salgueiro sobre as chamadas "leis de Valhadolide", promulgadas em 1412 no reino de Castela e confirmadas por bula papal de Bento XIII.

Segundo esta autora "a partir de então [os judeus] têm de passar a viver nas juderias delimitadas por muros, com as portas fechadas durante a noite e, mais importante ainda, não podem sair dos seus bairros ao domingo e nos dias de festa para não chocar o olhar dos cristãos [...] É nessa época que o sinal distintivo, a rodela amarela, o chapéu, e o casaco curto e arredondado, é imposto aos judeus do reino".

Mais: "[Lei XI] Nenhum judeu, judia ou mouro poderá ser merceeiro, boticário, cirurgião. Não deverá vender vinho, óleo, manteiga, nem qualquer outro produto alimentar aos cristãos. Não deverá possuir nenhuma loja nem nenhum açougue em público ou em privado, para vender os ditos produtos. Quem quer que faça isso, judeu, judia ou mouro, terá de pagar uma multa de 2000 maravedis. E poderemos prender a sua pessoa e condená-los a uma pena corporal, de acordo com aquilo que consideramos aderquado por nós.

Já agora, os judeus estão também proibidos por lei, a lei XVIII, de "visitar cristãos ou cristãs sempre que estes estiverem doentes, nem dar-lhes medicamentos ou ervas, nem levá-los a banharem-se nos banhos dos judeus ou dos mouros. E que os cristãos não se banhem com os mouros ou com os judeus, que as judias e as mouras não se banhem com as cristãs".

E,como se não bastasse, estas "leis" que, recordo, foram objecto de benção papal por bula, dizem ainda [lei XIX] que "ninguém, nem cristã casada, nem concubina, nem celibatária, nem mulher pública, poderá entrar no recinto do bairro onde, doravante, passarão a viver os judeus e os mouros, tanto de noite como de dia. Qualquer mulher cristã que aí entre, se for casada, paragá 100 maravedis por cada infracção. Se for solteira ou concubina, que fique sem vestido. Se for mulher pública, que lhe sejam dados 100 golpes de chicote pela cidade e que seja expulsa da cidade, aldeia, ou lugar onde ela vive".

Estamos perante autênticas leis raciais e é impossível, ao ler, por exemplo, referências como aquela à obrigatoriedade do uso do círculo amarelo ou ao confinamento no bairro ou judería não pensar de imediato em "coisas" bem mais recentes e de tenebrosa memória cuja referência directa nem será necessário fazer...

E isto, recordo ainda uma vez, com aprovação papal expressa...


[2] Falo aqui obviamente de "pior" [com aspas] referindo-me especificamente a comportamentos que cada um de nós não adoptaria, por razões de cultura, ideologia ou gosto, por exemplo, excluindo, todavia, por razões óbvias de humanismo primário, desse conceito, quaisquer práticas que envolvam violência ou brutalidade de qualquer membro da família sobre os restantes.

Entendamo-nos.


[Na imagem: o tribunal do Santo Ofício, gravura da época]

quarta-feira, 26 de maio de 2010

"Moderato Cantabile"


Para uma Amiga muito especial que gosta de Marguerite Duras e a quem prometi oferecer uma cópia de "Hiroshima Mon Amour", na versão-filme de Resnais...

"O Come! O Emmanuel!"


A figura-colagem explica-se pela referência implícita ao verbo "to ape", em inglês,"macaquear", "imitar" pela forma que não pelo espírito das coisas e situações imitadas ou macaqueadas.
Algo que fica muito bem expresso num outro axioma igualmente anglo-saxónico que também é aqui implicitamente citado e que diz "monkey sees, monkey does": "o macaquinho vê, o macaquinho faz"...
Só que o macaquinho "faz" porque fazer, não faz porque sinta ou perceba...

[Colagem sobre papel da série "Mes Plus Belles Profanations"]

"J' Aimerais Un Jour Habiter Tous Les Printemps" des "Poèmes Pour E." [Texto em Construção]


Je voudrais un jour habiter le printemps
oh mon charriot des neiges épouse bleue miroir hautain
récolte des ombres paysage flâneur lueur indifférent

donne-moi ta main

firmament inachevé voûte des larmes
nuit aveuglée
qui a vu fleurir les armes

donne-moi ta main

horloge essoufflé absence verte
étoile avariée fatigue ouverte
lâcheté inutile
passé fragile
inceste inerte

donne-moi ta main

incertitude brouillé
rempart de lumière
nature en bois
auspice ou loi
malheur vulgaire

donne-moi ta main?

âme partagée ou
conformité rebelle nature inepte
chasteté indocile
eau fragile
cœur ou transept

donne-moi ta main

vieille nature
ennemi ou armure
couleur si dure
oiseau ou ordure
aux haletons
flamme impure
respiration immature
soleil révolté
prisonnier
de ses positions

donne-moi ta main

cyclone coquète ou
bouche grisette
misère qui danse
poitrine berceau oh fleur de la mort
par où le silence
pénètre aux corps

butte butin
luth trottin
mandoline ou lutin

jeunesse volatile
souffle éclairé
incertitude nubile
cœur inutile
ou vent abandonné

donne-moi ta main

arbre blanche
bras ou manche
du sang une branche
de vie souvent

..............................................................................

Oh que je voudrais bien de l' aurore agile
de ses lieux si flous
de ses endroits si mobiles
faire notre foyer
en nommer domicile
en appeler chez-nous

Oh que je voudrais bien
comme un arbre enceinte
ou un soleil fulminant
du labyrinthe du temps
avec toi partager
les printemps


[Na imagem: "O Sono da Razão" colagem sobre papel e cartão de Carlos Machado Acabado]

sábado, 22 de maio de 2010

"Just How Backward Can We Get?"


Da minha, relativamente longa [e, pelos mais diversos motivos, nem sempre fácil!] carreira docente, recordo, da última fase, cumprida numa escola secundária do interior, com particular desconforto pessoal e profissional, três episódios todos eles unidos entre si pelo denominador comum da Cultura e, especificamente, da atitude da comunidade escolar relativamente a ela.

Protagonizaram sucessivamente os três episódios que refiro, o Maestro José Atalaya [que devotadamente se prontificou a dirigir uma sessão de introdução à Música e de fomento do conhecimento e do gosto musicais entre os alunos da instituição onde eu leccionava Inglês]; o Cendrev, o Centro Dramático de Évora, que com idêntica perspectriva de devotado fomento da cultura teatral se disponibilizou para apresentar um espectáculo no Cine-Teatro local e, por fim, indirectamente o grande cineasta francês recentemente desaparecido, Eric Rohmer, cujo clássico "Ma Nuit Chez Maud", igualmente aí passou.

Devo desde já adiantar que a reacção do público escolar ao qual se destinavam as três iniciativas foi, para pôr a questão em termos, chamemos-lhes: contidos, amenos e tão simpáticos quanto possível, verdadeiramente deplorável.

Não me vou alargar em pormenores, apenas referir que ela contituíu, efectivamente, um óbvio e tremendo embaraço para a escola e, designadamente, para os professores que, como eu próprio no caso concreto da sessão com o maestro Atalaya, na circunstância a representaram.

Creio mesmo que a exibição do filme de Rohmer não terá chegado ao seu termo, decidindo, se bem me lembro, os professores do grupo pedagógico que a haviam promovido, a dado passo suspendê-la definitivamente.

Esta deplorável sequência de episódios que culminaram na inimaginável sessão com o maestro teve mesmo prolongamento em Conselho Pedagógico e foi aí que o meu incómodo e o meu embaraço originais com tudo isto se converteram, de forma, aliás, totalmente imprevista e, à partida, dificilmente imaginável, em escândalo e na mais completa incredulidade.

É que, em vez de verberar firmemente o comportamento verdadeiramente inqualificável dos seus alunos e eventualmente avançar mesmo para medidas concretas, não necessariamente punitivas mas, com certeza, de esclarecimento [sempre acompanhado da mais firme e incondicional condenação pelos factos ocorridos, aliás!] optou o Conselho, para minha completa surpresa, repito, por criticar severamente a escolha da peça, no caso do grupo teatral, do catálogo musical, no da sessão com o maestro e, por fim, até o grupo pedagógico que [com escassa sensibilidade cultural e especificamente pedagógica e ainda menos cultura cinematográfica, é preciso dizer!...] não achou melhor forma de lidar com a parte que mais directamente lhe coube neste tristíssimo conjunto de incidentes que desprestigiaram a escola e, directa ou indirectamente, puseram em causa o próprio corpo docente da mesma... apresentar desculpas pela escolha do filme [recordo distintamente os qualificativos apresentados] que era, penitenciavam-se os colegas, uma obra "filosófica e a preto e branco" [!!].

Como se um filme ser filosófico [?] fosse uma defeito e o preto-e-branco uma qualquer imperdoável mácula ou desdouro que adicionalmente agravasse o pecado... original!

Não se questiona a leviandade evidente da opção pela obra de Rohmer tratando-se de jovens em idades muito precoces: questiona-se, sim, o péssimo serviço prestado à Cultura exactamente numa idade ou num leque de idades em que as referências, culturais e não só, se constroem e o gosto se direcciona e consolida----e questiona-se---verbera-se!---muito em particular a caução dada pelo órgão pedagógico por execelência de uma escola pública a uma atitude que, não tive dúvidas em dizê-lo na circunstância como não tenho em reiterar agora, se aproxima perigosamente do puro e simples fascismo...

É, com efeito, uma atitude em si mesma tipicamente fascista essa de reagir ao que não se percebe, agredindo-o e há que ter a coragem de reconhecer que caucionar esse tipo de comportamento não é exactamente aquilo que se espera e muito menos se deseja de uma escola responsável e consciente do seu papel, naturalmente fulcral, na formação da consciência [ética, estética, cívica, etc.] dos indivíduos que a frequentam e, por conseguinte, no limite, inevitavelmente da própria sociedade em que está inserida.

Haveria muitas formas de censurar esta insólita e absolutamente indesculpável---objectiva, ao menos---cumplicidade com aquilo que é um acto de barbárie cultural... "em botão" admissivelmente compreensível em indivíduos muito jovens e, além disso, como era o caso, com escassa formação cultural mas completamente imperdoável em pessoas adultas, profssionais que fazem da educação uma carreira e a prática de uma vida inteira.

Perdeu-se assim uma ocasião objectivamente, ao fim e ao cabo, "perfeita" para educar naquilo que é a própria base de qualquer acto educativo, por muito simples e banal que possa ser: a construção consciente e cuidada da atitude de disponibilidade intelectual, firme e clara, para o novo; a indução e o fomento da postura de receptividade permanente para o desafio do diferente ou, no mínimo dos mínimos, o fomento e a construção do respeito devido a qualquer daquelas características anteriormente citadas na condição, pedagogicamente fecunda e essencial, de indutores absolutamente fundamentais de desenvolvimento intelectual e cognitivo e de progresso mental, em termos amplos e dinâmicos.

Na prática, o que a atitude da escola, através da postura do seu Conselho Pedagógico, reflectia era uma preocupante insensibilidade cultural que [muito mais do que na---questionável---escolha dos instrumentos com que pretendera---apesar de tudo, generosamente, sem dúvida---contribuir para alargar os horizontes culturais dos seus alunos] se reflectia nessa gritante incapacidade para lidar com os fenómenos de primarismo cultural e mental cujo futuro, porém, se decide exactamente, em larguíssima medida, aí, na idade em que, como atrás digo, o gosto se forma e as referências se decidem e vão irreversivelmente sedimentando.

Não temos hoje, com efeito, nem uma verdadeira escola da inteligência e do conhecimento onde a forma e os mecanismos basais nucleares de qualquer daquelas realidades sejam consistentemente transmitidos por uns e assimiliados por outros nem---o que é mais grave e mais preocupante ainda!---condições técnicas e políticas para tê-la.

Temos sucessivos ministérios geridos por gente indescritivelmente incompetente e demasiadas vezes medíocre---sendo algumas dessas pessoas verdadeiros indigentes mentais sem ideias, sem políticas, sem perspectivas, sem coisa alguma.

Temos associações de pais que são outros tantos absurdos e impensáveis "sindicatos discentes", com uma visão estúpida e permanentemente "guerreira" da relação professor [ou escola]/aluno na qual se obstinam em ver uma espécie de cópia caricatural feita à pressa e a papel químico da luta de classes quando não do que em matéria de relações enttre indivíduos ocorre nos tribunais com os juízes e os réus.

Temos governos para quem o Ministério da Educação é, em última instância, na prática, uma espécie de filial ou de entidade sempre desoladoramente ancilar do da Economia e do das Finanças, um gigantesco [um tentacular!] gabinete de contabilidade com professores e alunos dentro... "para disfarçar" e manter até onde for possível a ficção de uma educação pública com a qual, porém, já há muito, ninguém sabe exactamente o que fazer.

Temos professores avaliados "a martelo" pelo critério [ou pela completa e escandalosa falta dele!] desta gente toda apenas interessada em "fazer pela vidinha" ou "pela carreirinha" nuns casos, em pavonear-se em terrenos que deviam ser sempre domínios escrupulosamente técnicos convenientemente protegidos por quem é eleito para assegurar que daquilo que faz, no fim do percurso... sai Educação e sai Cultura; gente que anda por ali sem ter a mínima noção do que anda a... desfazer no pouco que aos professores vai ainda sendo possível [no meio de todo este mar de inépcias e desta torrente completamente descomandada e, na prática, objectivamente incontrolável de vaidades mesquinhas] fazer.

O resultado está à vista e os exemplos que referi dão da deprimente realidade do nosso universo educacional institucional público uma ideia infelizmente bem esclarecedora e eloquente.

Recordei aquela triste sequência de episódios que ficaram a manchar os últimos anos da minha prática docente a propósito do recente "caso" da professora de Mirandela.

Não conheço nem estou especialmente interessado, avanço desde já, em conhecer os pormenores do "caso".

Dele interessa-me, tal como nos outros que referi extraídos da minha própria prática docente, destacar a oportunidade perdida por todo um sistema educativo que reclama a toda hora uma "autonomia" que, porém, é manifesto que não tem capacidade nem idoneidade cultural e institucional para exercer; deste caso, dizia, interessa-me, sobretudo, destacar em abstracto, a oportunidade perdida para a Academia [incluo nela, obviamente, a Universidade] assumir o papel cultural que devia caber-lhe na luta contra o obscurantismo e os fantasmas que ele fatalmente traz consigo para todos os âmbitos, níveis e planos da sociedade portuguesa.

Que me conste a docente não foi afastada do ensino [leia-se: punida com a proibição do exercício de uma profissão que por acaso também é a minha] em caso algum por não estar perfeitamente habilitada para desempenhá-la---isso é algo que ninguém, tanto pude apurar das declarações das partes envolvidas, põe sequer, em momento algum, em causa.

A docente foi punida, na realidade, por ter aquilo que toda a gente tem e que é um corpo.

Esta incapacidade quase estrutural que como sociedade temos para lidar com o nosso próprio corpo é algo que assusta pelo que é e pelo que significa.

É um verdadeiro fantasma cultu[r]al que ninguém tem coragem para afrontar [a Câmara Municipal não a teve, a escola local tão-pouco] enquanto a Universidade permanece muda, a Cultura em geral "tem mais que fazer" e o atavicamente medievalizado "Portugal profundo" rejubila porque todo o edifício da Cultura nacional lhe deixou, afinal, um dos seus fantasmas preferidos mais uma vez completamente intacto e na... "sagrada" [neste caso, bem questionável!] paz das coisas eternas e intocáveis.

Houve incompetência da parte da professora?

Parece que não---volto a dizer: ninguém o contende.

Protagonizou ela comportamentos efectivamente indecorosos, demonstravelmente imorais, comprovadamente anti-sociais e capazes de pôr fundamentadamente em causa a convencional moralidade e os não menos consagrados e geralmente reconhecidos bons costumes?

Despiu-se---algo que toda a gente faz, pelo menos uma vez por dia, milhares ou milhões de vezes ao longo da vida, eis tudo!

O proibido---o pecado---é, pois, o próprio corpo.

Já nem é o que se faz com ele: é o corpo, ponto final.

Ou seja: em pleno século XXI, em Portugal, o corpo permanece [como em qualquer obscuro recanto temporal e cultu(r)al dessa Idade Média---em inglês: "dark ages"...---de onde, afinal, pelos vistos nos obstinamos como sociedade em não sair] algo de "física e materialmente inconfessável"---já nem é, repito... "in-exercível": é mesmo inconfessável---algo que é preciso elidir, pôr entre parênteses, ter mas não revelar, não... confessar, etc.

Diz alguma... "boa gente" da terra que é "mau exemplo para os jovens"---resta saber de quê.

Se, com efeito, um professor, por exemplo, fumar nas instalações escolares [o que faz na sua esfera privada é outra história, entenda-se!...] além de, hoje-por-hoje, violar uma lei [que tardou, de resto, anos em ser aprovada] dá, objectivamente, porque ninguém disputará honestamente que fumar é algo de demonstravelmente nocivo, um exemplo negativo na medida em que, queira-o ou não o fumador, ao menos potencialmente, corre sempre por definição o risco de encorajar quem o escuta noutras matérias---os respectivos alunos, a população escolar---a fazer outro tanto no que aos hábitos higiénicos pessoais diz respeito.

Mas... ter corpo é mau?

Suficientememte mau, erm qualquer caso, para ocultá-lo das outras pessoas, igualmente portadoras de um---pelo menos até ao pescoço, até à cabeça---à parte exterior desta uma vez que por dentro, até que me provem o contrário, para além de sombras e de um insondável mistério generalizado, permance duvidoso o que mais pode por lá reinar...

É, insisto, o corpo é em si mesmo uma coisa perversa que só se pode ter escondida, que apenas se pode possuir às ocultas, [quase?] na clandestinidade, quase como se de um crime se tratasse?

O problema, devo recordar, até nem é despiciendo porque, se se tapar... demais, outro tipo de problema pode, de imediato, ser gerado---porque isto de loidar com sociedades interiormente primitivas tem "que se lhe diga": haja em vista o que se passa, por exemplo, em França ou na Bélgica com o lenço islâmico por exemplo---e aí o problema da opressão cultu[r]al, da acção disfuncional do moralismo "vigilante" já "passou para o outro lado": aí, a questão é, com efeito, a de... ter roupa a mais...

Quem decide se é de mais ou de menos?

Está-se mesmo a ver, não?

As boas almas, o "bom povo" instituído em "lynching mob dos costumes"

Mau exemplo?

Cá para mim, o mau---o péssimo, o cultural e existencialmente criminoso---exemplo é, pelo contrário, esse de alimentar fantasmas e cultivar obsessões, sombras, espectros individuais e colectivos, monstros mais ou menos inconscientes [ remetidos para lá, para esse insondável limbo onde se geram as mais perversas monstruosidades e onde nascem as mais perigosas abjecções das sociedades e dos grupos humanos e lá continuamente alimentados com reacções da mais acéfala, obscurantista e, a todos os títulos, condenável cumplicidade material como estas agora tidas pelas autoridades municipais e escolares] papões que fazem da sociedade em que vivemos um pouco mais a "sociedade neurótica" [e às vezes, o mero "bando", a simples e histérica "mob", que, afinal, tão obviamente seguimos colectivamente, na paz do... Senhor, sendo.

Razão tinham o dramaturgo Nelson Rodrigues e o cineasta brasileiro, Arnaldo Jabor, em titular o primeiro uma peça sua primeiro e em conservar o segundo no filme que a partir dela fez o título original: "Toda a Nudez Será Castigada".

A da própria Verdade, seguramente, já dizia Eça...

É assim entre as sociedades primitivas, sobretudo entre aquelas que teimam em permanecer nessa triste e abominável condição ao longo dos tempos e das eras, incansavelmente um após outra, obstinadamente uma após outra...

quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Por Uma Biologia do Conhecer: algumas Reflexões Pessoais de Natureza---Possivelmente...---Filosófica"


Uma convicção que, há muito, venho mantendo é a de que falta ao nosso tempo ["àquele em que vivemos" e designamos usualmente, muitas vezes, sem muita demonstrável propriedade como "o nosso"] cada vez mais um "olhar orgânico" sobre a realidade em geral e sobre si próprio, em particular.

Deixámos, em resultado da especialização e, sobretudo, da funcionalização tópicas, uma e outra, da ideia de "cultura" [da ideia ou ideias contidas na palavra] de saber produzir e educar, enquanto sociedade, aquele tipo de olhar que a abarca e integra toda numa ideia, numa imagem crítica ou "criticional" única e orgânica de si.

O último grande olhar desse tipo terá sido o que o marxismo [ou os marxismos...] desenvolveram e souberam projectar consistentemente sobre a História e, num plano mais aproximado, como se diz em linguagem cinematográfica, sobre a Política onde ela se origina.

Emergem daí, dessa incapacidade temopral e cultu[r]al para produzir olhares orgânicos certas visões precisamente devido a essa tara do nosso olhar tópico caracteristicamente menos orgânicas e, por isso, imperfeitamente descontínuas e sempre fatalmente parcelares, deformadamente fragmentares de... tudo.

Recordei de um modo particular esta "tara de episteme" dos modos pensar "pós-ideológicos ocidentais" de hoje ao ler, primeiro, uma reflexão de Eduardo Lourenço e, quassee em seguida, uma outra de Ignacio Ramonet sobre o "futuro" das socuiedaes humanas ou coisa que o valha.

De um modo ou de outro, ascho que a ideia básica de ambas as reflexões era desse tipo ou ia nessa direcção e nesse sentido.

Não me recordo [talvez no"Público" onde li a de Lourenço; a de Ramonet é de um livrinho já com alguns anos intitulado "Geopolítica do Caos".

Em ambos os casos, aparece manifesta a perplexidade filosófica perante uma dicotomia que, à falta daquela aptidão cultu[r] al e até civilizacional, para olhar "organicamente" a realidade [manifesta, pelos vistos, até pela própria Filosofia "pós-ideológica mais nobre] se revela, a meu ver, deformadamente parcelar e ilusória---pura "ilusão de óptica epistemológica" ou, como prefriro dizer, numa semântica assumidamente pessoal: "epistemeoforme".

Falo da dicotomia---de uma suposta em, a meu ver, completamente virtual dicotomia---entre "coperação" e "individualismo".

De um modo ou de outro, repito, creio que era aí, a essa visão, a esse entendimento e a essa ptrojecção polares da realidade social que iam dar as análises de Ramonet e Lourenço.

E convergiam ambas numa dúvida comum: vêm aí para a humanidade tempos de "cooperação" ou, pelo contrário, de agudo e dissolutor "individualismo".

Ora, a minha visão pessoal da realidade, o meu olhar "orgânico" [ou que eu quero manter orgânico e que eu imagino que esteja a sê-lo no instante em que lanço eu próprio o meu olhar pessoal não apenas sobre o olhar que Ramonet e Lourenço, por seu turno, projectam sobre a realidade como aquele que eu mesmo autonomamentde projecto sobre a própria realidade] diz-me o meu olhar orgânico sobre ambas essas realidades, olhar e matéria olhada que... não existem nem "cooperação" nem "invidualismo" e que o entendimento da realidade que, desse modo, a partir do que entendo constituir uma mera "ficção epistemeoforme" a segmenta e fractura está condenado ao insucesso teórico, desde o primeito instante!

Na natureza, com efeito, a "cooperação" e o "egoismo", se assim posso referir-me aos comportamentos individuais ou "individuados" que nela operam são muito simplesmente faces de uma mesma única moeda que é aquilo que designo, em termos globais, por "vitação".

Eu vejo a realidade como uma entidade originalmente única, essencialmente material, que se formou a opartir de um único ponto teórico de si a que chamamos vulgarmente o 'big bang'.

Daí decorre que, num certo sentido teoricamente argumentável e até demonstrável, toda a realidade "é expandir-se", é expansão e dissolução.

Daí decorre teoricamente por seu turno que tudo quanto existe vai buscar explicação e fundamento na expansão que sofre ou que, se assim preferirmos dizer, protagoniza ou medeia.

Ou seja: que a "essência" das coisas não se acha verdadeiramente elas mas naquilo que nelas é expansão e alargamento e que elas, de facto, medeiam.

Se limitam a mediar.

Medear a expansão é, nas formas pré-conscienciais de "vitação" ou "bios" aquilo que as liga à própria estrutura e "essência" do real como todo e as conserva "orgânicas" nesse sentido de permanecerem ligadas entre si e ao real.

Há, porém, um 'instante teórico' e 'decisional' da História ou do curso expansional da realidade em que, por imperativos de estrita funcionação, o real se vê forçado a cindir-se para melhor se negociar e adaptar internamente ao seu próprio movimento expansional.

Inicia-se desse modo um movimento secundário de fragmentação funcionante ou individuação operativa da matéria que se vai continuamente secundarizando, terciarizando e por aí adiante até que chegamos às formas aparentemente autónomas de conscienção que parecem situar-se já completamente fora dessa lógica puramente expansional contínua e naturalmente negociada consigo própria [e dentro sempre de si própria] que foi a da realidade até um dado momento do seu curso específico e particular.

De facto, tal como eu a vejo, a realidade está por natureza "condenada" a desintegrar-se: des-integrar-se é a um tempo a única solução e o único problema sem... solução para a própria expansão natural da matéria.

É uma soução que é o ptroblema e um problema que é a sua própria solução.

Há---sempre me pareceu---um paradoxo matericial nuclear, um erro nuclear potencial na própria estrutura da matéria, no ponto teórico exacto em que esta se encontra com o seu próprio movimento expansional que é a prazo insusceptível de ser contido e continuamente resolvido e que há-de fatalmente conduzir ao fim da realidade, tal como a concebemos.

A realidade consegue, com efeito, ir negociando internamente a sua própria expansão, o des-encontro teórico entre movimento e identidade ou estrutura matericial através da sua própria projecção contínua em anisotropias reintegráveis, destemporalizações e retemporalizações funcionantes de si mas apenas até um dado ponto ou instante teóricos e re-estruturacionais de si---a partir do qual a matéria no seu todo se torna absolutamente insolúvel e deixa de ser capaz de conter---porque deixa de ser capaz de conter---as suas sucessivas destempralizações ou retemporalizações funcionantes.

A matéria torna-se objectual e demonstravelmente in-orgânica.

Eu creio mesmo que a "consciênciação" [que consiste na re-nucleação quase integtral da matéria em seres, por sua vez, quasi-autonomamente auto-representáveis como nós próprios, seres humanos] é já claramente um momento angular ou verticial decisivo de desintegração objectualmente irrecuperável da matéria e é nesse exacto sentido teórico que eu digo que a consciência é, no fundo, o primeiro e determinante crime ecológico cometido por essa entidade puramente aparente ou aparencial que é a a natureza sobre si mesma.

No preciso sentido em que fragmenta e descontinua por completo o real e a sua lógica expansional orgânica até aí mantida íntegra ou integradamente funcionante.

Quando falamos de "coopperação" e de "individualismo" ou até "de egoísmo" é tudo isto que temos de ter presente.

Os indivíduos tal como os concebemos na sua forma conscienciada e consciencial aoparentemente autónoma originam-se de individuações funcionantes que começaram por ser criadas pela matéria ao expandir-se para melhor se ajustar ela mesma à sua expansão.

Não começam por ser algo exterior e até concorrente com a matéria e a [sua] realidade.

Só quando se tornam capazes de reiniciar, em termos amplos, latos, continuamente formas selectas, fragmentares e até concorrenciais de realicidade segundo um tempo ou uma temporalidade próprios passa a ter de pôr-se o problema até aí inexistente de articular aentre si e inter-resolvê-las as lógicas objectualmente divergentes da "consciência", por um lado e do próprio real, por outro.

Quando, voltando um pouco atrás, a matéria pré-consciencial se individua, as formas que ela gera possuem ainda uma lógica global que as conserva, embora materialmente extrínsecas, funcionantemente íntegras.

Elas não cooperam: medeiam objectualmente a matéria, a estrutura material ou matericial que ainda são.

Só quando formas já para-identitarizantes ou pré-identitárias funcionantes auto-representáveis, animais, de fixar autonomanente as funções de mediar a matéria segundo uma dimensão temporal-realicional que já não é a da matéria no seu todo se constituem é que a questão da cooperação se começa a pôr.

Na realidade, ela "cooperação", como categoria de realicidade ou da realicidade em si não existe: num certo sentido orgânico efectivo, ela configura, de facto, um mero eco aparencial puro, um resíduo puramente projectivo [é assim que temos de vê-la se queremos entender a sua génese e a sua natureza reais] da própria natureza originalmente orgânica da matéria que, entretanto, se des-integrou já de tal modo que não consegue identificar-se a si mesma já como todo.

Mesmo entre as espécies animais, a "cooperação" e o "egoísmo" cruzam-se, na realidade, de tal modo que, num certo sentido teórico limite, se confundem.

O animal nasce do desejo da matéria de conservar-se objectualmente possível ao longo de todo o seu próprio movimento de expansão.

Ele não nasce para ser: nasce para... "esser", isto é, nasce com um vínculo funcionante perceptível à matéria de que é constituído e que emerge para mediar.

A matéria como todo possui, diria eu, uma lei básica e/ou uma obrigação atómica ou molecular estrita primária que que é continuar-se.

Muitas vezes, à falta de melhor termo, tenho falado numa "propriedade continuacional básica e essencial/essenciante" da matéria que é, afinal, uma mera mutação do movimento que lhe foi imprimido na origem.

O que chamamos o "instinto de sobrevivência" dos animais que leva a matéria essente a cooperar consigo mesma é, afinal, a aplicação simples daquela "lei" ou "propriedade básica" da matéria, uma mutação funcionante desse dever da matéria consigo mesma de conservar-se, enquanto lhe for objectualmente possível, íntegra e orgânica.

Quando, entre os animais, há "cooperação" [ou entre os humanos "solidariedade"] aquilo que, na realidade, existe é a cooperação [são transmutações ecoantes] da matéria consigo própria; ecos funcionantes do próprio movimento ou do próprio desejo molecular de a matéria permanecer íntegra que perderam a percepção original do seu seu próprio centro matericial fundamentante e que continuam a ser secundária, terciariamente realizadas pela matéria, cada vez masis unida a si própria apenas pelos seus ecos funcionantes ou pela forma geral das suas propriedades e/ou atributos genéricos ou performações mutacionais em abstracto.

Ou seja: só olhando o mundo e a realidade desta perspectiva orgânica se percebe aquilo que eu designaria pela vocação integrativa original e natural da realidade e/ou a sua natureza, de alguma forma, rigorosamente geométrica [eu chamr-lhe-ia: demonstravelmente concêntrica] e estruturalmente dinâmica .

Se lhe percebem os fundamentos e as "leis" que a determinam e, num certo sentido muito preciso, animam---e, sobretudo, explicam.

Não basta, com efeito, para explicar a realidade equacionar as respectivas aparencialidades secundárias: é preciso tentar captar-lhe a lógica global, perceber como ela opera ou é teoricamente possível que opere e concentrar, a partir daí, dessa base biomórfica determinante, então sim, na reflexão abstracta quaisquer esforços de enquadramento e contextualização teórica posterior do real já que não é possível haver uma Filosofia e um filosofar contra a Ciência e o cientizar...


[Na imagem, "Mausolus", mármore, c. 350 a.C. British Museum, extraído com a devida vénia de sweetpickles-dot-com]