quarta-feira, 5 de maio de 2010

"The Thirty-First of February"


É um dos episódios mais interessantes e "hitchcockianos" [com um toquezinho ligeiro de "Twilight Zone", pelo meio...] de "Alfred Hitchcock Presents".

Tenho para mim que uma das razões pelas quais o Cinema [com maiúscula...] de Hitchcock não foi mais depressa levado a sério foi o próprio Hitch que, com o seu inegável sentido de marketing pessoal, tudo fez [inclusive apresentar esta série de "coisas" geralmente menores e muitas delas... descartáveis...] para que o seu nome fosse naturalmente associado ao mero espectáculo pop de consumo imediato, chamemos-lhe assim...

A verdade, porém, é que a série [cujo interesse documental relativamente a uma certa "average America" muito classe média/alta e muito puritanamente "fifties" é inegável] continha algumas coisas boas.

Como este interessante "The Thirty-first of February", desde logo, pelo trabalho do actor principal, um francamente excelente David Wayne, extremamente impressivo e eficaz na defesa de um papel, por sua vez, particularmente difícil [o de um homem que se desintegra progressivamente diante dos nossos olhos---a acção do filme passa quase toda ela por esse ponto especular fixo francamente convincente que é o rosto---e a voz---de Wayne] mas não só.

Há ali um arrepiante espírito "América da Guerra Fria" de meticuloso [e perverso] condicionamento psicólogico que impressiona e inquieta [mesmo a esta distância...]; um espírito que é aqui sobretudo corporizado no polícia e que acabará por originar o trágico fim da personagem de Wayne.

Está lá tudo do motivo muito americano da culpa a uma certa pulsão sempre tendencial de ultrapassagem "expediente" dos mecanismos institucionais da Lei e da Justiça---ou da "política" e dos "políticos", da "politics"...---em favor de métodos mais "desembaraçados" que, como é sabido, em determinados casos mais... extremos incluem a 'eliminação física' [eufemismo para o assassínio, puro e simples...] dos obstáculos ao "curso adequado a ser tomado pelos factos e/ou pelas circunstâncias" [uma ideia que é preciso dizer, aparece aqui na forma de uma tomada de consciência e da natural denúncia] passando pelo fantasma do asilo psiquiátrico, ele mesmo, um tópico claramente "guerra fria".

Este tipo de "cinema em ponto pequeno " que eram algumas séries norte-americanas dos "fifties" como é claramente o caso deste "Alfred Hitchcock Presents", dada a sua natureza televisiva [implicando investimentos comparativamente reduzidos] tinha sempre algo de caracteristicamente teatral [na decoração dos "sets" como na própria representação dos actores, muitos deles de teatro e influenciados talvez pelo ambiente de interiores].

No caso presente, a representação de Wayne não escapa a essa marca mas, aceitando a característica como uma espécie de convenção não-escrita do medium, tudo funciona globalmente, como disse, de um modo muito satisfatório naquele registo, como também referi, muito 'hitchcokiano' do "falso culpado" com um "souçon" [muito 'hichcockiano', também, aliás] perfeitamente reconhecível de "processo" kafkiano que Alf Kiellin, o realizador do episódio gere com um métier que não o envergonha, a ele, por tê-lo realizado e a nós próprios por vê-lo e apreciá-lo como um excelente trabalho de profissional competente.


[David Wayne, aqui com Marilyn Monroe em "How to Marry a Millionaire"]

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