quarta-feira, 19 de maio de 2010

"Por Uma Biologia do Conhecer: algumas Reflexões Pessoais de Natureza---Possivelmente...---Filosófica"


Uma convicção que, há muito, venho mantendo é a de que falta ao nosso tempo ["àquele em que vivemos" e designamos usualmente, muitas vezes, sem muita demonstrável propriedade como "o nosso"] cada vez mais um "olhar orgânico" sobre a realidade em geral e sobre si próprio, em particular.

Deixámos, em resultado da especialização e, sobretudo, da funcionalização tópicas, uma e outra, da ideia de "cultura" [da ideia ou ideias contidas na palavra] de saber produzir e educar, enquanto sociedade, aquele tipo de olhar que a abarca e integra toda numa ideia, numa imagem crítica ou "criticional" única e orgânica de si.

O último grande olhar desse tipo terá sido o que o marxismo [ou os marxismos...] desenvolveram e souberam projectar consistentemente sobre a História e, num plano mais aproximado, como se diz em linguagem cinematográfica, sobre a Política onde ela se origina.

Emergem daí, dessa incapacidade temopral e cultu[r]al para produzir olhares orgânicos certas visões precisamente devido a essa tara do nosso olhar tópico caracteristicamente menos orgânicas e, por isso, imperfeitamente descontínuas e sempre fatalmente parcelares, deformadamente fragmentares de... tudo.

Recordei de um modo particular esta "tara de episteme" dos modos pensar "pós-ideológicos ocidentais" de hoje ao ler, primeiro, uma reflexão de Eduardo Lourenço e, quassee em seguida, uma outra de Ignacio Ramonet sobre o "futuro" das socuiedaes humanas ou coisa que o valha.

De um modo ou de outro, ascho que a ideia básica de ambas as reflexões era desse tipo ou ia nessa direcção e nesse sentido.

Não me recordo [talvez no"Público" onde li a de Lourenço; a de Ramonet é de um livrinho já com alguns anos intitulado "Geopolítica do Caos".

Em ambos os casos, aparece manifesta a perplexidade filosófica perante uma dicotomia que, à falta daquela aptidão cultu[r] al e até civilizacional, para olhar "organicamente" a realidade [manifesta, pelos vistos, até pela própria Filosofia "pós-ideológica mais nobre] se revela, a meu ver, deformadamente parcelar e ilusória---pura "ilusão de óptica epistemológica" ou, como prefriro dizer, numa semântica assumidamente pessoal: "epistemeoforme".

Falo da dicotomia---de uma suposta em, a meu ver, completamente virtual dicotomia---entre "coperação" e "individualismo".

De um modo ou de outro, repito, creio que era aí, a essa visão, a esse entendimento e a essa ptrojecção polares da realidade social que iam dar as análises de Ramonet e Lourenço.

E convergiam ambas numa dúvida comum: vêm aí para a humanidade tempos de "cooperação" ou, pelo contrário, de agudo e dissolutor "individualismo".

Ora, a minha visão pessoal da realidade, o meu olhar "orgânico" [ou que eu quero manter orgânico e que eu imagino que esteja a sê-lo no instante em que lanço eu próprio o meu olhar pessoal não apenas sobre o olhar que Ramonet e Lourenço, por seu turno, projectam sobre a realidade como aquele que eu mesmo autonomamentde projecto sobre a própria realidade] diz-me o meu olhar orgânico sobre ambas essas realidades, olhar e matéria olhada que... não existem nem "cooperação" nem "invidualismo" e que o entendimento da realidade que, desse modo, a partir do que entendo constituir uma mera "ficção epistemeoforme" a segmenta e fractura está condenado ao insucesso teórico, desde o primeito instante!

Na natureza, com efeito, a "cooperação" e o "egoismo", se assim posso referir-me aos comportamentos individuais ou "individuados" que nela operam são muito simplesmente faces de uma mesma única moeda que é aquilo que designo, em termos globais, por "vitação".

Eu vejo a realidade como uma entidade originalmente única, essencialmente material, que se formou a opartir de um único ponto teórico de si a que chamamos vulgarmente o 'big bang'.

Daí decorre que, num certo sentido teoricamente argumentável e até demonstrável, toda a realidade "é expandir-se", é expansão e dissolução.

Daí decorre teoricamente por seu turno que tudo quanto existe vai buscar explicação e fundamento na expansão que sofre ou que, se assim preferirmos dizer, protagoniza ou medeia.

Ou seja: que a "essência" das coisas não se acha verdadeiramente elas mas naquilo que nelas é expansão e alargamento e que elas, de facto, medeiam.

Se limitam a mediar.

Medear a expansão é, nas formas pré-conscienciais de "vitação" ou "bios" aquilo que as liga à própria estrutura e "essência" do real como todo e as conserva "orgânicas" nesse sentido de permanecerem ligadas entre si e ao real.

Há, porém, um 'instante teórico' e 'decisional' da História ou do curso expansional da realidade em que, por imperativos de estrita funcionação, o real se vê forçado a cindir-se para melhor se negociar e adaptar internamente ao seu próprio movimento expansional.

Inicia-se desse modo um movimento secundário de fragmentação funcionante ou individuação operativa da matéria que se vai continuamente secundarizando, terciarizando e por aí adiante até que chegamos às formas aparentemente autónomas de conscienção que parecem situar-se já completamente fora dessa lógica puramente expansional contínua e naturalmente negociada consigo própria [e dentro sempre de si própria] que foi a da realidade até um dado momento do seu curso específico e particular.

De facto, tal como eu a vejo, a realidade está por natureza "condenada" a desintegrar-se: des-integrar-se é a um tempo a única solução e o único problema sem... solução para a própria expansão natural da matéria.

É uma soução que é o ptroblema e um problema que é a sua própria solução.

Há---sempre me pareceu---um paradoxo matericial nuclear, um erro nuclear potencial na própria estrutura da matéria, no ponto teórico exacto em que esta se encontra com o seu próprio movimento expansional que é a prazo insusceptível de ser contido e continuamente resolvido e que há-de fatalmente conduzir ao fim da realidade, tal como a concebemos.

A realidade consegue, com efeito, ir negociando internamente a sua própria expansão, o des-encontro teórico entre movimento e identidade ou estrutura matericial através da sua própria projecção contínua em anisotropias reintegráveis, destemporalizações e retemporalizações funcionantes de si mas apenas até um dado ponto ou instante teóricos e re-estruturacionais de si---a partir do qual a matéria no seu todo se torna absolutamente insolúvel e deixa de ser capaz de conter---porque deixa de ser capaz de conter---as suas sucessivas destempralizações ou retemporalizações funcionantes.

A matéria torna-se objectual e demonstravelmente in-orgânica.

Eu creio mesmo que a "consciênciação" [que consiste na re-nucleação quase integtral da matéria em seres, por sua vez, quasi-autonomamente auto-representáveis como nós próprios, seres humanos] é já claramente um momento angular ou verticial decisivo de desintegração objectualmente irrecuperável da matéria e é nesse exacto sentido teórico que eu digo que a consciência é, no fundo, o primeiro e determinante crime ecológico cometido por essa entidade puramente aparente ou aparencial que é a a natureza sobre si mesma.

No preciso sentido em que fragmenta e descontinua por completo o real e a sua lógica expansional orgânica até aí mantida íntegra ou integradamente funcionante.

Quando falamos de "coopperação" e de "individualismo" ou até "de egoísmo" é tudo isto que temos de ter presente.

Os indivíduos tal como os concebemos na sua forma conscienciada e consciencial aoparentemente autónoma originam-se de individuações funcionantes que começaram por ser criadas pela matéria ao expandir-se para melhor se ajustar ela mesma à sua expansão.

Não começam por ser algo exterior e até concorrente com a matéria e a [sua] realidade.

Só quando se tornam capazes de reiniciar, em termos amplos, latos, continuamente formas selectas, fragmentares e até concorrenciais de realicidade segundo um tempo ou uma temporalidade próprios passa a ter de pôr-se o problema até aí inexistente de articular aentre si e inter-resolvê-las as lógicas objectualmente divergentes da "consciência", por um lado e do próprio real, por outro.

Quando, voltando um pouco atrás, a matéria pré-consciencial se individua, as formas que ela gera possuem ainda uma lógica global que as conserva, embora materialmente extrínsecas, funcionantemente íntegras.

Elas não cooperam: medeiam objectualmente a matéria, a estrutura material ou matericial que ainda são.

Só quando formas já para-identitarizantes ou pré-identitárias funcionantes auto-representáveis, animais, de fixar autonomanente as funções de mediar a matéria segundo uma dimensão temporal-realicional que já não é a da matéria no seu todo se constituem é que a questão da cooperação se começa a pôr.

Na realidade, ela "cooperação", como categoria de realicidade ou da realicidade em si não existe: num certo sentido orgânico efectivo, ela configura, de facto, um mero eco aparencial puro, um resíduo puramente projectivo [é assim que temos de vê-la se queremos entender a sua génese e a sua natureza reais] da própria natureza originalmente orgânica da matéria que, entretanto, se des-integrou já de tal modo que não consegue identificar-se a si mesma já como todo.

Mesmo entre as espécies animais, a "cooperação" e o "egoísmo" cruzam-se, na realidade, de tal modo que, num certo sentido teórico limite, se confundem.

O animal nasce do desejo da matéria de conservar-se objectualmente possível ao longo de todo o seu próprio movimento de expansão.

Ele não nasce para ser: nasce para... "esser", isto é, nasce com um vínculo funcionante perceptível à matéria de que é constituído e que emerge para mediar.

A matéria como todo possui, diria eu, uma lei básica e/ou uma obrigação atómica ou molecular estrita primária que que é continuar-se.

Muitas vezes, à falta de melhor termo, tenho falado numa "propriedade continuacional básica e essencial/essenciante" da matéria que é, afinal, uma mera mutação do movimento que lhe foi imprimido na origem.

O que chamamos o "instinto de sobrevivência" dos animais que leva a matéria essente a cooperar consigo mesma é, afinal, a aplicação simples daquela "lei" ou "propriedade básica" da matéria, uma mutação funcionante desse dever da matéria consigo mesma de conservar-se, enquanto lhe for objectualmente possível, íntegra e orgânica.

Quando, entre os animais, há "cooperação" [ou entre os humanos "solidariedade"] aquilo que, na realidade, existe é a cooperação [são transmutações ecoantes] da matéria consigo própria; ecos funcionantes do próprio movimento ou do próprio desejo molecular de a matéria permanecer íntegra que perderam a percepção original do seu seu próprio centro matericial fundamentante e que continuam a ser secundária, terciariamente realizadas pela matéria, cada vez masis unida a si própria apenas pelos seus ecos funcionantes ou pela forma geral das suas propriedades e/ou atributos genéricos ou performações mutacionais em abstracto.

Ou seja: só olhando o mundo e a realidade desta perspectiva orgânica se percebe aquilo que eu designaria pela vocação integrativa original e natural da realidade e/ou a sua natureza, de alguma forma, rigorosamente geométrica [eu chamr-lhe-ia: demonstravelmente concêntrica] e estruturalmente dinâmica .

Se lhe percebem os fundamentos e as "leis" que a determinam e, num certo sentido muito preciso, animam---e, sobretudo, explicam.

Não basta, com efeito, para explicar a realidade equacionar as respectivas aparencialidades secundárias: é preciso tentar captar-lhe a lógica global, perceber como ela opera ou é teoricamente possível que opere e concentrar, a partir daí, dessa base biomórfica determinante, então sim, na reflexão abstracta quaisquer esforços de enquadramento e contextualização teórica posterior do real já que não é possível haver uma Filosofia e um filosofar contra a Ciência e o cientizar...


[Na imagem, "Mausolus", mármore, c. 350 a.C. British Museum, extraído com a devida vénia de sweetpickles-dot-com]

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