segunda-feira, 3 de maio de 2010

"Ciência e Filosofia: aslgumas reflexões pessoais" [texto em construção]


Sempre se me afigurou uma possível [e possivelmente exacta] definição de "cultura" a que a ela ser refere descrevendo-a como "a imagem da nossa própria atitude tópica relativamente à Cultura".

E um mesmo padrão de abordagem e representação popde, estrou convicto ser usado para a Ciência, por exemplo.

Supostamente viveríamos hoje numa sociedade dita "do conhecimernto" em que a nossa atitude tópica passaria naturalmente pela agregação de um conjunto base e transversal de formulações de natureza científica ao conjunto organizado de representações da realidade que fossem sendo por nós continuamente produzidas.

Ora, todos sabemos que assim não é e que, sob muitos aspectos [alguns deles, fundamentais!] a nossa atitude colectiva, média, relativamente à realidade em geral nunca deixou de ser caracteristicamente "primitiva"

"Primitiva" no sentido em que usamos o termo para descrever, por exemplo, as primeiras comunidades humanas ou aquelas em que, sendo elas temporalmente nossas contemporâneas, persiste nelas o recurso tópico a um olhar in/essencial e tipicamente "mágico", isto é, meramente fenoménico ou até epifenoménico, epistemologicamente anorgânico, sempre que se trata de produzir imagens estáveis---sempre que se trata de produzir conhecimento---da realidade em geral.

É preciso, com efeito, a meu ver, considerar e entender as formas neo-modernas de agnosia funcional e estrutural, aquelas que usam topicamente os objectos para desperceber consistentemente a realidade.

O homem ou a mulher de hoje que usa o automóvel ou o telefone celular numa perspectiva fetichista e meta-linguística, arbitrariamente meta-funcional, que vai, portanto, muito para além da sua utilidade concreta não se distingue a não ser na forma de constituir-se como 'prinmitivo'; de ser primitivo do seu congénere africano para quem uma condecoração militar, por exemplo, "é" uma jóia e uma caneta de latão brilhante que não escreve um sinal ou uma marca de poder.

Esta descontextuação e ressignificação acausal dos objectos é uma forma de [a] cultura ou de primitivismo e primitividade ligando o homem do século "qualquer-coisa-antes-de-Cristo" e o que temporalmente existe ou vive no presente.

Também aqui [lá está!] é, sobretudo [é, de facto!] o olhar que se lança sobre os objectos que determina o tipo, o paradigma e especificamente a qualidade da cultura, a marca deixada pelo indivíduo e pela sociedade nos objectos---não estes enquanto tal.

Não estes enquanto realidade supostamente inacessível à capacidade teransformadora e significadora do Homem.

A cultura é, no fundo, essa significação da realidade---não como acto ou conjunto de actos [como acticidade] em si mas como ideia e ponto de vista, como juízo, perfeitamente assumido e usado de forma dinâmica, dialéctica, para gerar outras ideias.

É verdade que há cientistas que recusasm a si mesmos esse olhar científico e é isso que faz deles, na realidade, técnicos, não verdadeiros cientistas, não cientistas genuínos.

Os economistas que não percebem o que há de verticialmente filosófico e de político nas formulações que produzem, imaginando, pelo contrário, que o carácter absolutamente científicio das mesmas constitui um dado perfeitamente adquirido---algo semelhante àquilo que os anglo-saxónicos refetrem como "self-evident"---são, na realidade, apenas técnicos em matéria económica e, desempenhando a Economia o papel objectualmente relevante que desempenha nas sociedades materialistas de hoje, ajudam propagam um equívoco terrível que é o de uma suposta indisputabilidade e inargumentalidade, de uma mítica... "finalicidade" absoluta das formas de organização económica [e, por extensão política e até civilizacional] no mundo de hoje.

É preciso, aliás, dixer que esta utilização autoritáqria e apocrifamente invasiva, em termos epistemológicos, da ideia de 'ciência' para cortar cerce qualquer tentaliva de reflexão epistemológica "exterior", independente, sobre ela representa já por si uma forma de "primitividade" e/ou "primitivismo" que coloca o economista, neste caso, no mesmíssimo plano, em última instância, dos "casos" que atrás cito pasra ilustrar o conceito dialéctico de homem [ou espírito] "primitivos".

Um aspecto que, como professor, me está particularmente próximo e me é especialmente caro é o da pedo-psicologia ou psicologia escolar de hoje.

Há, com efeito, um determinado tipo de "pedo-psicólogo" que escreve nos jornais trazendo a sua prática [ou uma ideia, uma imagem dela] para o espaço público da discussão "de domingo" ou de "suplemento de semanário" a quem escapa aparentemente na totalidade a natureza filosófica e política do que diz e que, continuando persuadido do casráctrer inatacavelmente científico das suas formulações ajuda a prolongar mitos e contribui assim, dando cobertura e expressão supostamente científica a um conjunto de disfunções gravíssimas que o afectam e contaminam para o verdadeiro descalabro que é a Educação hoje em Portugal.

O papel da referida Pedo-psicologia, com efeito, à semelhança do que aconteceu com a Psiquatria tradicional anterior, por exemplo, a R.D. Laing e aos anti-psiquiatras que nele, de um modo directo ou indirecto, se inspiraram, muito mais do que criar as condições de compatibilização crítica, dialéctica---verdadeiramente interveniente, independente crítica e dialéctica---da Pedagogia com a Didáctica e, desta de um modo mais lato, com a Cultura e a Sociedade, o que faz na realidade é achar formas [quando não, meras fórmulas] de compatibilização do sistema político consigo mesmo, usando a Psicologia e a própria Pedagogia como utensílios e pretextos [ou meras 'pretextuações'] para tanto.

Ora, isto mais do que uma "ciência" [ou uma "ciencização"] do olhar global sobre a Cultura é uma atitude política---e [claramente!] de classe.

É de uma Pedo-psicologia "do regime" que estamos a falar.

Em tempos, foi-me encomendada a tarefa de verter para a nossa língua um texto dramático de Joe Penhall, intitulado "Blue/Orange" versando sobre a institucionalização de doentes mentais e um conjunto de projectos camufladamente políticos de ressocialização dos mesmos, mascarada de atitude nobre de ordem generosa e esclarecidamente médica mas ditada, na realidade, por imperativos de ordem meramente economicista.

Ora o que Penhall diz sobre essa matéria é, no fundo, aplicável ponto por ponto a esta Pedo-psicologia do regime: trata-se apenas, num caso e noutro, de conformar modelos de comportamento social na condição de variáveis a uma ordem social, económica, política, etc. que funciona, exactamente ao invés, como constante referencial literalmente inamovível.

É uma Pedo-psicologia a-histórica e até marcadamente anti-histórica exactamente neste sentidop em que, para ela, a História [i] "não existe [condicionantes como o desemprego, a pobreza, etc. não contam ou contam apenas num plano muito remoto, não são em regra efectiva e realmente consideradas no conjunto das formulações apresentadas] ou, "se existe", não deve, no limite, ser posta em causa como coisa em si.

Não é pois vista nem como condicionante nuclear de comportamentalidade psicologicamente relevante [não basta concluir, por exemplo, que "o mal é os pais não falarem com os filhos": é preciso perceber que há condições, económicas, desde logo, que levam a que os pais não "falem com os filhos" no mundo, na vida reais---e esquecê-lo é fazer política com a Psicologia e a Educação, não é fazer ciência nem "cientizar" o olhar que é lançado da ciência sobre a realidade e da ciência sobre si própria] nem [e aqui é que bate na essência o ponto!] como algo que a Psicologia aliada à Pedagogia podem justamente ajudar a transformar.


[Na imagem: "Traumdeutung", colagem sobre papel de Carlos Machado Acabado]

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