quarta-feira, 12 de maio de 2010

"La Rose L' Éclat: versão/releitura portuguesa---em curso/muito incompleto"


Esta voz de prata rápida---muito breve
---ou este olhar de céu rítmico oxidado
esta labareda ausente ou este sol meio derramado

[esta ternura escarlate e infirmada
esta chama nua, imóvel, feminina]

este vento tão festivo e tão assíduo estes trigos
estes bosques ébrios, repetidos
estas cidades imaginárias, estaladiças e desertas
esta memória transparente
declinada
esta obediência azul quase feroz
esta cor quase a explodir
este espaço sem espaço e sem raízes
esta noite infecta e brusca
sacudida
esta natureza deserta, imolada
de partida
este sol interior ciliciado
esta boca e esta lama surpresas, tão pesadas

[o manietado lodo absolutamente imóvel no centro]

esta áspera dignidade ou
esta bela estação de veneráveis pesadelos

[o trémulo aço da madrugada acabada de colher]

este eu a toda a prova transformado
este pigmeu esventrado este sorriso de mulher
esta voluta e esta solidão de ave recém-cortada

[o vulto geométrico da brisa crepitando na espuma das cabeças
áureas das searas]

estas soberbas rusgas de ácido cinzel
esta ferida sem fim da loucura até meio devorada
este amor [tão] próprio e tão claro,
estes ramos dormentes de um amor de cobre endurecido

[a chaga viva---a cutilada---desse amor]

esta infância que uiva de branco e de sono amputado
esta idade-solidão onde acordarei talvez de pó um dia
esta juventude de gesso e de água
que me apresto a desnudar
esta morte [ou estas mortes] a solitária morte despejada
esta mulher múltipla imolada
esta erva que cresce em grandes haustos verdes
de um verde túmido estranhamente adormecido.

[Esta paisagem discípula dócil do absurdo,
esta presença ilusória da ausência
este nada intacto onde me enleio,
terno e fundo---e me resto
da aromática ciência o abraço desfeito e funesto]

Esta aurora de soluços, glaciais, pontiagudos
Esta mão-cheia de ventos naufragados
estes vermes súbitos dos olhos limitados
estes secretos conciliábulos
ignorados
estes gritos de aço embaciados
das cidades fulgurantes de bairros amestrados
estes sonhos-fera brancos devassados
estes dias e noites cobardes ancorados
esta vigília exausta estes sonos suprimidos
emboscados
este eu persistente, nocturno e cego
esta tão insólita hipótese de flor
de lírio assente e cru
esta rua ruiva que matura no silêncio
de múltiplas sedes acumuladas
este pai violador este sangue imperfeito e nu
esta montanha andaime de estiagens concentradas
estes gritos jovens calcinados
este hábito imperceptível de morrer
em idiomas estrangeiros esventrados
esta voz este peso estes fogos ossificados
estes jardins que uivam este pomar de murmúrios sitiados
estes dias pela própria mão
da primavera estrangulados

esta noite que ronda e espreita a luz a toda a volta
a tarde feroz, a noite líquida a luz nas mãos a dor triunfal gasosa
é a aurora cedendo bruscamente o seu lugar à flor
a madrugada espessa e pálida abrindo triunfalmente seu peito à rosa!

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