domingo, 2 de maio de 2010

"Duas Notícias de um Jornal de Maio"


Do "Público" de ontem, 01.05.10---1º de Maio", não o esqueçamos, tempo electivo de reflexão laboral e política---extraio duas notícias, na aparência, sem qualquer relação entre si.

A primeira diz respeito à quebra brutal de receitas sofrida, nestes últimos anos, pelo movimento sindical, em Portugal.

A julgar pelos números que o jornal divulga, essa quebra é, de facto, francamente inquietante.

A minha conclusão pessoal vai no sentido de algo que venho, há muito, defendendo e que é que as formas tradicionais de sindicalismo se acham não apenas substancial mas, na realidade, já substantivamente obsoletas e ultrapassadas.

Ou seja, retomando a argumentação e a linha de reflexão que habitualmente sigo nesta matéria, o sindicalismo de hoje tem de deslocar o seu eixo de incidência básico e primário da universo estritamente laboral para a Rua, para a Cidade, para a Cidadania.

Tem de trazer toda a cultura de organização e de intervenção laboral acumulada ao longo dos anos para onde está hoje o proletariado [tendencial, ao menos] do futuro que é, também, já , de resto,onde se encotra grande parte do do presente---desse neo-proletariado que é, sobretudo, um "proletariado cívico", uma classe operária da Cidadania---mas não só: tem, de igual modo, de repensar o essencial do próprio conteúdo das exigências a apresentar ao poder, económico e político, voltando a assumir abertamente a natureza política e mesmo especificamente revolucionária do sindicalismo ideológico original e não se conter nas fronteiras do revisionismo limitadamente económico [e economicista] que funciona, no plano sindical, como o eco inevitável da social-democratização dos partidos da esquerda marxista e dos respectivos ideais de modelo de vida e ocupação da História, nos casos e nos países em que aqueles, pura e simplesmente, se não desintegraram por completo implodindo com o fim dos regimes de Leste.

Há, com efeito, em consequência do modo profunda e des/estruturalmente desigual como está institucionalizada a distribuição social e política do poder na econnomocracia neo-liberal monista vigente por todo o mundo, "Europa incluída, uma acentuada [e uma crescente!] "proletarização" da cidadania e dos direitos reais das pessoas que são fenómenos não apenas recorrentes mas, na realidade, tópicos do mundo de hoje que justificam por inteiro a minha tese de um "trabalhismo cidadão" virado assumidamente para um plano muito mais lato de mudanças estruturais no que se refere ao próprio modelo de distribuição socialm e política da propriedade e do poder nas sociedades do Ocidente actual.

A questão hoje nem é tanto a de aceitar que o capitalismo histórico passa por uma crise gravíssima que é incomparavelmente mais estrutural do que casuística e conjuntural e tem, como tantas vezes tenho repetido, na própria base, tudo a ver com o modo tópico como ele integrou o Saber em si mesmo [como ele entregou a propriedade dos meios de produção de conhecimento-capital a uma classe social a partir da qual é produzida hoje em exclusivo, com o firme e crucial suporte de modelos políticos muito precisos, a riqueza e construídos os padrões tópicos da respectiva redistribuição social na forma de salários---e não-salários eu anti-salários, não esqueçamos esse "pequeno" detalhe!...] e como ele, capitalismo economocrata pós-industrial dos nossos dias, subjugou e fez reféns sistémicos de si e da sua própria possibilidade objectiva presente e futura toda a Economia mas também [e mais grave e disfuncional ainda!] a própria Política, convertendo, desse modo, toda a História humana numa espécie de mero pretexto circunstancial e insubstantivo ou de simples pretextuação instrumental e inessencialmente mecânica, social e politicamente inerte, para si própria.

A questão, dizia, já nem é sequer a constatação da realidade civilizacionalmente preocupante da crise-estado crónica do capitalismo histórico demo-liberal ou demo-funcional: a questão é cada vez mais a de saber que tipo de modelo civilizacional vamos construir ou, pelo contrário, permitir que se construa, sobre as ruínas do modelo ainda existente e, apesar de tudo, em vigor.

A questão é a de saber se nos vamos organizar no tal trabalhismo cidadão e construir modelos de intervenção social e política capazes de, a partir da própria base, interagir em tempo político real como o poder económico-político ainda vigente e caminhar, desse modo, no sentido da desejável partilha efectiva do próprio poder ou se, pelo contrário, vamos continuar a permitir que este tente 'reformar-se funcionalmente' enquanto lhe for materialmernte sendo possível, tentando como puder ir continuando a ocupar a História como seu único proprietário, dela deixando uma quota-parte cada vez menor ao proletariado [ou mesmo lumpen proletariado] da cidadania em que se converteu ou está a prazo condenada a converter-se na prática todo "o resto" da sociedade sob o seu domínio.

A segunda questão que extraio da leitura do "Público" do dia 1 tem que ver com [mais!] uma das tais "sondagens" com que o poder testa a reacção às gravosas medidas "saneadoras" que impôs a si próprio para se continuar a possibilitar e que dá a vitória nas eleições ao chamado P.S.D. "de" Passos Coelho.

Não vou sequer comentar o sinal de "esperança" [de instintivo alívio!] que a morte anunciada do inepto e nefando "socratismo" com a sua corte de Marias de Lurdes Rodrigues, Mários Linos, inimaginavelmente caricatos Pinhos, ávidos Pinas Mouras e Isabéis Alçadas com a sua desagradabilíssima vocação para Hermeseta pode trazer consigo.

Essa é a velha "estória" do pau que vai e vem e das costas que folgam em conformidade e consonância.

O pior é que o pau vai mas apenas para voltar a vir e Passos Coelho com o seu intragável pedantismo pessoal e a sua evidente vaidade política e uma disponibilidade/funcionalidade económica amplamente confessada, já, aliás, naquele discurso intragavelmente pomposo que nele passa---vá-se lá saber por quê!---por pensamento] não augura nada de bom, prometendo, antes, a emergência de mais um "almocreve político" incondicionalmente "ávido de ajudar" mas de ajudar a História a não mudar e tudo a ficar na mesma---o que vale por dizer: a piorar inevitavelmente de dia para dia...

Vou referir-me, sim, ao que este jogo das sondagens esconde [mal mas esconde...] por detrás da sua ilusória e perverssíssima aparência de "respirar regular da própria democracia".

Muitas vezes, com efeito, acusamos os "nossos" políticos de governarem "para a fotografia" que é, como quem diz, negociando a sua própria eternização no poder e a dos interesses mais ou menos ocultos que eles vêm ao poder representar com "prendas" populares de carácter social e económico [raramente político porque as prendas políticas são, também, raramente exigidas...] sem outro plano ou projecto efectivamente estrutural e orgânico que não esse de comprar a anuência do "povo" para o satus quo económico e político com o dinheiro do próprio povo, aliás, mas enfim...

Por vezes, censura-se mesmo "o povo" por se deixar comprar [corromper!] com as tais prendas avulsas do tipo da que Sócrates "ofereceu" ao eleitorado na forma da "aceitação" do fim do modelo de "avaliação" docente, aliás, posteriormente retomado mal a personagem se assegurou de que o poder estava garantido...

Ora, o que eu digo é que se temos hoje um sistema de escolha política assente no "modelo barraca de feira" e/ou "promoção de supermercado" ele está na realidade solidamente institucionalizado logo a partir dessa inimaginávelmente folclórica bizarria que são as campanhas eleitorais, extensão "natural" das sondagens e da "democracia directa" configurada no recurso sonso a "média" ciosamente controlados e estrategicamente teleguiados pelos "brokers" políticos do status quo que são estes invariáveis medíocres [para não dizer outra coisa...] a que teimamos em chamar "políticos" e até, uma vez por outra, "estadistas".

Basta ver como mudam---como erram e como vagueiam!---às vezes, literalmente de um dia para o outro, as "intenções de voto" de um eleitorado estável e imutavelmente anafabetizado, cronicamente embrutecido, ao sabor da primeira arlequinada populista do charlatão ou do espertalhão "de serviço político" mais próximo para se perceber como a tal democtracia de barraca de feira de que tantos se lamentam quando dela ficam de fora não passa, afinal, de um traço [cuidadosamente conservado e amorosamente cultivado, aliás!] do próprio regime que, desse modo, fingindo uma partilha da opinião e do poder que está longe sequer de admitir, lá vai conseguindo obstar como pode a que aquele tipo de profunda e, sobretudo, estrutural estrutural mudança---de desejável e urgente revolução!---que comecei por preconizar tenha realmente lugar na História.

E nem vale a pena dizer por quê...


[Na imagem: Meryl Streep no papel de Mãe Coragem, na produção de George C. Wolf da peça de Brecht]

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