quinta-feira, 6 de maio de 2010

Do not forsake me, My Darling. (High Noon)

Regresso aqui, ainda uma vez, ao incontornável clássico de Zinnemann.

Porque é indiscutivelmente um dos grandes filmes de sempre, deliberadamente menosprezado por muita da crítica norte-americana ao longo dos tempos, como recorda John Mulholland numa entrevista divulgada no youtube, pelo seu corajoso posicionamento crítico relativamente ao tenebroso Committee of Un-American Activities.

A partir da ideia central do filme---a cobardia de toda uma comunidade que [posta perante a urgência de posicionar-se relativamente a uma questão envolvendo a vingança de que vai ser alvo por ter tomado essa posição, o homem que, em tempos, se ergueu para protegê-la de uma perigosa quadrilha de foras da lei] abandona por completo a personagem de Gary Cooper, o xerife Will Kane, à sua sorte; essa ideia, dizia, que é, afinal, o motivo central do filme é de tal modo universal nas mais diversas circunstâncias e das mais diversas formas, independentemente do tempo em que ocorre; isto é, é de tal modo, desgraçadamente recorrente, universal e intemporal em termos de comportamento humano que, recordava, também, Mulholland, se fez, a dado passo, sentir, na língua inglesa, a necessidade de cunhar um verbo próprio, "to high noon someone", para referir todas aquelas situações em que alguém toma corajosa e desinteressadamente a defesa de uma qualquer comunidade e é por esta abandonado logo que a opção em causa ameaça trazer como consequência inevitável dificuldades e/ou a necessidade de proceder a outras opções ingratas ou escolhas e tomadas de posição reconhecivelmente impopulares.

Interpretado por um extraordináriamente expressivo, envelhecido Gary Cooper e por uma frágil mas muito impressiva Grace Kelly na determinada personagem da noiva do protagonista, posta ela própria perante uma opção moral dificílima de tomar, "High Noon" está longe de ser "apenas mais um western", constituindo, sim, como, de resto, recorda também, aindda e sempre Mulholland, um filme sobre a pusilanimidade individual e colectiva, cívica ["civic complacency", chama-lhe ele no original] e sobre o que significa, em termos quase sartreanos, quase existencialistas de escola, "ser um homem", isto é, fazer opções, assumir posições éticas que justifiquem uma existência perante ela própria e perante um código de valores estritamente pessoal capaz de conferir significado e alguma natureza estável e até possivelmente orgânica---agregadora e/ou unificadora, em todo o caso---aos actos praticados que, desse modo, deixam de constituir apenas actos avulsos e absurdos, vazios de sentido, passando a configurar, sim, um projecto de existência ou existencialidade objectivamente demonstrável.

Esta ideia de uma luta tragicamente solitária do indivíduo com os seus demónios pessoais, existenciais mas, de igual modo, noutro plano ou noutros planos, sociais, que o atormentam, ameaçam e tentam constantemente no sentido da desintegração e do próprio caos [da cobardia da cedência perante as imposições de uma existência completamente por definir e por auto-determinar no curso de um sempre, de um modo ou de outro, penoso processo de auto-descoberta---senão mesmo de auto-construção] essa ideia, dizia, quer, pois, na sua vertente estritamente existencial e pessoal, quer, como é claramente mais o caso do corajoso filme de Zinnemann, na vertente social e política, um problema eterno da condição humana envolvendo escolhas e opções que são, pois, questões fundamentais não só da humanidade como especificamente da humanicidade dentro dela.

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