domingo, 30 de maio de 2010

"Na Morte de Dennis Hopper"


" 'Se te apetece, para a frente! que importância tem?'
O meu coração o teu coração', escreveste"
Patsy Southgate, "Ninguém Opera Como Uma Máquina IBM", trad. port. Manuel de Seabra

Simpatizante e eleitor "republicano" [embora tivesse recentemente votado Obama---o que na América corresponde a um posicionamento politicamente significativo...]; colecccionador de Arte, poeta e artista plástico, será como o homem da desfixação e da contracultura que Hopper entrará numa certo legendário contra-cultu[r]al muito West Coast dentro ou em redor do qual avultam, de um modo ou de outro, nomes e "mitos" como os de Jack Kerouac, Allen Ginsberg, Gregory Corso, Lawrence Ferlinghetti, Lenore Kandel ou, mais tarde, Wenders ou Lynch [o crepúsculo de um certo espírito de busca e de errância sempre, de uma forma ou de outra, potencialmente desesperada que "fecha", por completo, aí, com Wenders, sobretudo---veja-se dele "Paris, Texas" ou "Land of Plenty"] e "ideias/projecto" como esse de ir "pela estrada fora" em busca de si ou... de coisa alguma que, de alguma forma, liga, real ou figuradamente, todas essas referências.

Hopper, que era um homem do Actor's Studio, entrou na onda desse inquieto e não-raro desesperado Zeitgeist com uma "coisa" que rapidamente se tornaria cultu[r]almente incontornável que se chamou "Easy Rider"---a história de cuja acedência ao mitário cultu[r]al e contra-cultu[r]al ocidental envolve uma ironia imensa e pressupõe, mesmo, em si própria uma "subversão" clara às regras estabelecidas no sentido preciso em que sendo, como é, um filme "barato" e com aspectos francamente, no melhor [e, se calhar, num ou noutro momento, no pior também] sentido "de amador", venceu em popularidade e significado dezenas ou centenas de outros infinitamente mais ambiciosos e caros.

O filme, um clássico absoluto, tem o mérito de 'praticar aquilo que prega' e quando, numa sequência famosa, vemos, por exemplo, Hopper e Jack Nicholson fumando marijuana à luz de uma fogueira, eles não estão a fingir que fumam marijuana: estão, de facto, a fumá-la e, a dado passo, perdidos inclusivamente de drogados...

O "namoro" constante do filme com os "ritmos naturais da realidade" vai, todavia [tal como a poesia dos já citados Ginsberg ou Corso] mais longe: é o próprio objecto narrativo [ou poético, no caso dos escritores citados ou ainda cinematográfico, no caso das indescritíveis e perturbadoras "tranches de vie" dos filmes feitos por Warhol com a sua musa Sedgwick e o seu... "muso" Joe d' Alessandro] que se insurge enquanto tal contra as regras pré-estabelecidas para cada "genre".

Em "Easy Rider", Hopper recria a ideia de "narration" ou "narrativité fleuve" tradicional cinematizando-a e transformando-a num filme que vai, não, como na epoeia clássica, "direito ao horizonte" senão que, muito... existencialisticamente [outro aspecto subtil da... "metamorfosicização" do Zeitgeist epocal e cultural circundante, reinventando continuamente o próprio horizonte e fazendo-o/fazendo-se dentro do tal projecto teórico global de reencontrar nas Artes os "ritmos intrínsecos e naturais do real", num gesto de claríssima suspeita e mesmo aberta insurgência contra a "ortodoxia narrativa" estabelecida.

Como realizador, todavia, a tumultuosa, caótica e insurgente carreira de Hopper acabou num certo sentido exactamente onde se iniciou: em "Easy Rider". No filme seguinte, os excessos, em lugar de contribuirem para valorizar a própria narrativa e induzirem o sucesso, revelaram-se fatais [álcool e drogas marcaram toda a rodagem de "The Last Movie" cujo título seria, num certo sentido premonitório...] e Hopper viu-se [como Wells, por exemplo ou von Stroheim antes dele] condenado a desempenhar papeis de actor, alguns, aliáss, também clássicos como em "Der Amerikanische Freund" de Wenders ou em "Apocalypse Now" de Coppola [onde seria Martin Sheen a filmar alcoolizado e drogado, como Hopper em "Easy Rider"...]---ele que já desempenhara um curtíssimo papel no não menos clássico "Rebel Without a Cause"/"Fúria de Viver" de outro "maldito" do cinema, Nicholas Ray.

Recentemente, Hopper regressara à evidência depois da participação em "Blue Velvet" de Lynch e da nomeação para o Óscar de melhor Actor Secundário em "A Raiva de Vencer" de David Anspaugh.

Alcoólico com várias curas e diversas recaídas, viria a morrer de cancro da próstata no dia 29 de Maio de 2010, com 74 anos.

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