sexta-feira, 7 de maio de 2010

"Leiturando o dia noticioso de hoje" [incompl.]


Da imprensa de hoje, 07.05.10, destaco:

1. a condenação do Ministério da Educação e especificamente da respectiva titular em exercício pelo tribunal de Beja numa sentença que penaliza de forma evidente, inequívoca, as contínuas tergiversações, os sucessivos jogos-de-espera e de avanço-e-recuo e as fintas sem fim [tudo isto, para não lhe chamar outra coisa bem pior] da política dita "educativa" de um governo sem ideias, sem credibilidade e sem dinheiro ou arte para ganhá-lo de outro modo que não seja sangrando enquanto pode e como vai podendo o que resta do escasso poder de compra da debilíssima e sempre amorfa classe média nacional.

É simbolicamente uma prova de que não compensa andar a brincar às negociações, prometendo ou simulando prometer para ganhar eleições e incumprindo, imediatamente a seguir.

2. o que tem todo o aspecto de ser ainda e sempre o triunfo do velho paradigma pseudo-desenvolvimentista da exploração da mão-de-obra barata.

Pseudo-desenvolvimentista porque, na realidade, não ser trata de desenvolver mas, de facto, de re/produzir "em laboratório" ou "encenar" um mercado de trabalho que o capitalismo no seu estádio actual já não consegue obviamente gerar e muito menos manter, tendo assim, cada vez mais, de recorrer ao Estado e à Des-economia [i.e. a paradigmas inorgânicos e meramente instrumentais, pontuais, de "planificação"] para garantir a própria sobrevivência do modelo económico-político como todo, enquanto for materialmente possível.

Falo das chamadas "grandes obras" que o governo [ou parte dele] se obstinam em patrocinar com o mais do que estafado argumento da "criação de postos de trabalho".

De facto, aquilo que o tipo de obra faraónica [e de debatível relevância no verdadeiro desenvolvimento do País, já agora: basta ver a quantidade de "manifestos" pró e contra ] vai substantivamente envolver do lado português é mão-de-obra, não tecnologia.

Trata-se, repito, sobretudo, de simular empregabilidade nas camadas menos escolarizadas da população [isto é, precisamente naquelas que menos investiram na respectiva "academicização"] tentando uma manobra de imediata repossibilitação económica e social do 'regime' e, ao mesmo tempo, de dar ulterior consecução ao modelo neo-liberal de "Estado broker" ou "Estado almocreve", sempre a meio-caminho entre a necessidade de não deixar esgotar de todo o seu próprio paradigma e a defesa dos grandes interesses privados, na área da construção e da energia, por exemplo.

3. As famigeradas escutas envolvendo Sócrates e Vara.

Deste "caso" destaco o título do "Público" que diz "Escutas estão no Parlamento mas interditas aos deputados".

Ora, a este respeito, parece-me francamente tentador dizer o seguinte: que, se alguém [um qualquer Monthy Python ou Ricardo Araújo Pereira ou, antes deles, um Groucho Marx, por exemplo] quisessem caricaturar um sistema judicial e político onde aparentemente as leis tivessem sido concebidas para serem em seguida impedidas de levar à prática pelos órgãos e entidades que, nas sociedades normais, de gente normal, foram criadas exactamente para fazê-lo, dificilmente teria batido em criatividade e fértil imaginação o que hoje acontece em Portugal.

Não cheira, no mínimo, a brincadeira de péssimo gosto que um fulano, ainda por cima com um cargo da importância deste Sócrates, possa ter feito ou dito qualquer coisa tão grave que leva, pelo menos, um juíz a pensar que aquilo que ele disse ou fez punha gravemente em causa o estado de Direito [?] e nem sequer os deputados do ógão que é, no fundo, o pilar base da democracia possam saber que raio foi que o homem disse ou fez??!!

Que haja, como já aqui referi noutro momento, leis cuja forma bloqueia sistematicamente a própria possibilidade material e objectiva do respectivo conteúdo, prevalecendo sempre, curiosamente e "comme par hasard", a forma que bloqueia sobre o conteúdo que, para mais, neste caso, tem tudo o que é preciso para poder ser [fortuita e não premeditadamente?] confundido com um qualquer saber esotérico, apenas acessível a uma reduzida "classe sacerdotal" de "grandes juízes" que decide, por toda a comunidade, aquilo que ela deve, já nem é julgar, mas até mesmo apenas conhecer?

Ou seja: configura isto, de facto [sabendo nós como sabemos que há cargos chave dentro do edifício judicial que são de designação estrita---e estreita!---mente política] uma democracia nobre porque desinteressadamente protectora de direitos realmente legítimos e essenciais dos indivíduos---de alguns deles, em todo o caso---ou uma forma dissimulada e, por isso, particularmente perversa de democracia [e até mesmo de "inteligência" ou, como costumo também dizer, de "inteligenciação"] estrategicamente tutelada da própia realidade?

Que vão as tais famigeradas escutas fazer ao Parlamento se, depois, nem sequer os deputados da República as podem ouvir livremente, a não ser, pelos vistos, os da tal comissão parlamentar e a não ser, diz também o jornal, debaixo do olhar vigilante do presidente e isto, recorda ainda o "Público", debaixo da ameaça [!!] por parte da gente do governo que integra a comissão de a abandonar, caso elas, escutas, fossem ouvidas pelos membros da comissão, como se não de deputados eleitos e gente adulta e responsável a quem foram formalmente cometidas tarefas de fiscalização da transparência, da saúde e, de um modo lato, da higiene democrática do País mas de criançolas irresponsáveis e pouco fiáveis, maltinha leviana, de língua demasiado solta---"lenguas largas", como diriam, aqui mesmo ao lado, os espanhóis do 'Compañero Zap'---no caso daqueles se tratasse?! [1]

Que brincadeira ou que paródia de Justiça [e de Política!] é esta que, além de criar obstáculos contínuos à Justiça, parece ainda adicionalmente usá-la para troçar da própria Política e, na realidade, de todos nós?!...

4. a condenação [outra no mesmo dia: pelo menos, a notícia é do mesmo dia] desta vez do Estado português condenado a pagar ao município de Sto. Tirso cerca de seis milhões [SEIS MILHÕES!] de euros por "uma lei ilegal aprovada no Parlamento", a que criou o concelho da Trofa.

Que os dotes de muitos dos deputados em matéria de criação de leis não era famosa, já ninguém tinha dúvidas.

Ninguém ignora, aliás, as limitações em matéria de qualidade intelectual e técnica de muito pessoal político que "por ali" anda ou em tirocínio para "coisas" mais chorudas ou com funções de legitimador formal de políticas governamentais previamente decididas e submetidas quantas vezes a essa aberração intelectual e democrática que é a eufemisticamente chamada "disciplina" [devia ser "tutela"] de voto.

A novidade não reside, pois, aí: não é como se, de repente, se descobrisse que há demasiados deputados incompetentes cuja incompetência nos sai muita cara a todos.

Neste caso, custou-nos a brincadeira de seis milhões de euros aquilo que foi, à época, se estão bem recordados, uma jogada eleitoral e especificamente de marketing partidário que viria a envolver também Odivelas.

A novidade é a que o artigo do "Público" refere quando diz que um especialista em Direito Administrativo , Mário Aroso de Almeida, de seu nome, preconiza que [e cito] "os deputados que aprovaram a lei deveriam ser financeiramente tresponsabilizados".

E deviam, na realidade.

Quando foi eleito, José Sócrates encheu a boca com um certo suposto "judicialismo" envolvendo, dizia ele, a necessidasde de sanear funcionalmente os serviços públicos, através de programas específicos de avaliação do desempenho envolvendo professores, juízes, médicos, etc.

Esqueceu-se o homem dos seus parceiros---e dele próprio.

A vigilância e a avaliação rigorosa dos políticias é um pressuposto essencial de saúde e funcionalidade---de idoneidade---democráticas [algo que as manobras envolvendo o segredo de---certa---justiça, como refiro no ponto anterior, não fazem nada para credibilizar mas enfim...] .

Há muito que defendo, de forma expressa, a existência de uma Mesa de Aferição Política com poderes tribunalícios formais para fiscalização da estrita viabilidade técnica dos programas políticos a sufragar pelo eleitorado e respectivo [in] cumprimento assim como para proferir sentenças formais em caso de dolo ou simples incompetência dos representantes da Cidadania para cumprirem os respectivos compromissos assumidos perante o eleitorado.

Não poderia, pois, estar mais de acordo com a medida visando desonerar o Estado [leia-se: todos nós] da ingratíssima obrigação de comprar a ignorância e a inépcia de uns quantos manipansos incapazes e bem instalados cuja mediocridade o sistema, pelos vistos, está vocacionado para proteger melhor que o cada vez mais escasso dinheiro dos Cidadãos...

5. A "solidariedade" dos deputados da maioria com Ricardo Rodrigues.

Outra que não surpreende.

Pelas piores razões, porém.

Porque nos habituámos a ver certos figurões que os partidos arregimentam para fazer coro com o governo no poder numa dada legislatura, aos saltinhos e aos guinchos, em defesa de quanto lhes mandam aclamar, seja na forma de recepção triunfal ao deputado que, detido preventivamente por suspeitas de pedofilia, foi libertado por falta de provas do tribunal sejam as "palmas" ao deputado grosseirão e mal-educado que, à falta de argumentos verbais, abandona extemporaneamente uma entrevista que antes acedera a dar porque não lhe agradam as perguntas, metendo, de caminho, discretamente ["irreflectidamente", conccede a personagem] ao bolso o gravador ou gravadores do jornalista ou jornalistas que o entrevistava.

Diz o jornal que as manifestações de solidariedade com a grosseria [com o desvio dos aparelhos talvez não: essa, já o homem, o tal Ricardo Rodrigues, admitiu ter sido "irreflectida", a coisa mais parecida com um pedido de desculpas que, pelos vistos, sabe fazer].

Aqui, é o ridículo deste tipo de saloio e manipanso "brigadismo do reumático" que está em causa mas não só: é, também, o vínculo dos deputados a um cargo que é de representação política e, naturalmente, ao povo que é suposto ali representarem.

Eu não sei se o homem dos gravadores, ao fazer mão-baixa daqueles dois, foi "irreflectido", "excessivo" ou pura e simplesmente cedeu a uma qualquer pulsão cleptómana mais ou menos ignorada de si e dos outros.

Sei que um deputado que 'não reflecte' ou 'se excede' a ponto se apropriar do que não é seu não merece palmas por isso e que quem lhas dá, representando o povo, por isso ou é tão mal-educado, irreflectido como ele ou igualmente como ele se excede, agora sem a desculpa da irreflexão orquantro já teve tempo mais do que suficiente para pensar que o povo que representa e que lhe paga não o faz para que ele não reflicta e/ou se exceda.

Mais: que, se um fulano que representa o povo não reflecte, deve mas é ser muito seriamente admoestado e questionada, no mínimo, de forma prudencial e cautelar, a sua capacidade para o cargo.

Tributar palmas à irreflexão parece-me, em qualquer caso, a maneira menos idónea e menos responsável de defender a democracia.

6. a visita do Papa: eu nunca fui [é uma declaração de interesses que faço lealmente à cabeça] homem de papas e gurus.

Tenho repugnância intelectual instintiva pela ideia, pela figura, pelo conceito, o que queiram, de um Papa: de um homem que medeia suituado num lugar inamovível e incontornável da realidade [ou fora dela? É uma dúvida que persiste desde sempre no meu espírito!] a minha relação intelectual e cognitiva com esta.

É em si mesmo um conceito objectiva e aberrantemente pré-iluminista o que o atira para aí para a Idade Média, considerando que a Renascença é, na realidade, o germe do pensamento iluminista, ao menos como paradigma de pensamento [ou de... "pensação"] teórica da realidade.

Não gosto---nunca gostei--- numa palavra, de ser... "papado".

Não me oponho a uma certa referencialidade ética útil que a figura pode potencialmente trazer consigo para a História e até para a Política concreta---ainda que duvide muito seriamente que, tendo em vista o modo como o actual Papa terá, em tempos, submetido a reacção da igreja a considerações de carácter táctico, ele possa corporizar essa faceta ética da figura.

De resto, apenas com muito boa vontade se pode fazer de forma automática a associação histórica da figura do Papado à Moral: basta ver o que o jornal "i" hoje publicava, a partir de uma tradução recente de "História dos Papas" de Juan María Laboa Gallego, sobre certos papas [incluindo o português João XXI].

Mas, com Voltaire, acredito que mutatis mutandis do Papado se pode dizer o que o autor do "Candide" dizia [ou pensava] do próprio Deus, isto é, que Deus não precisa de ser provado mas sim usado como uma espécie de "horizonte civilizacional e moral" [a expressão é da minha inteira responsabilidade, devo dizer] e que mais importante do que perder tempo a tentar provar a existência divina é seguramente aproveitar a ideia antes que seja demasiado tarde para fazê-lo [e, mais uma vez aqui, é justo para com Voltaire que se diga, a expressão é da minha exclusiva responsabilidade].

Do Papa se pode, pois, dizer outro tanto.

Ora, o que me parece é que o modo inimaginavelmente triunfal e novo-rico como a igreja portuguesa, numa altura de particular crise económica e social, se apresta a gastar estúpida e [apenas quase?] obscenamente dinheiro nada faz [bem pelo contrário!] no sentido de credibilizar e tornar ética, social e até civilizacionalmente útil a em si mesmo inútil figura do Papado.

Numa altura em que a palavra de ordem é poupar, o indecoroso e bacoco despesismo motivado pela tentativa de receber Ratzinger como se o Portugal empobrecido e deprimido de Sócrates fosse a dourada Bizâncio de outros tempos configura, afinal, um absurdo que oscila entre a imperdoável irresponsabilidade do costume e o puro e simples "potenkinismo" das hortas servido... à maneira da província, com batatas e grelos e um raminho de salsa.

NOTA

[1] A propósito desta suposta pouca fiabilidade dos deputados em matéria de guarda de "segredos" [?] recordo aqui a argumentação, absolutamente irresistível, de Jaime Gama na caricata tentativa absurda de desculpabilizar o imperdoável comportamento do tal deputado coleccionador de gravadores de jornalistas fazendo subtilmente passar a responsabilidade do mesmo para os jornalistas que o entrevistaram.

Fala o Presidente da Assembleia da República [e fica tudo dito!] de uma relação [imagine-se!] "íntima, directa e insondável" [sublinhado---perplexo!---meu] uma relação---acrescenta como se já não bastasse o que anteriormente dito---"de confessionário" [!!!!] entre os deputados e os jornalistas.

Uma relação... "insondável e de confessionário"??!!

Com jornalistas?

Mas estes são jornalistas, vinculados a uma ética e a uma deontologia próprias e específicas em que a defesa e a divulgação pública da verdade objectiva dos factos ocupa um lugar absolutamente vital no contexto da própria saúde institucional básica do regime ou confessores e "íntimos", classe co-sacerdotal privilegiada, reconhecida tacitamente como depositária de "segredos" e vinculada, sim, mas a não divulgá-los e apenas partilhá-los em regime de impensável [ou, como diz Gama... "insondável e confessional"...] conúbio com a elite sedeada no Parlamento??

Enfim...

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