quinta-feira, 27 de maio de 2010

"Universidade de «Vrije» ou Universidade de... «Libre»?"


Professor de Inglês ao longo de mais de três décadas, tive por diversas vezes ocasião de leccionar a disciplina de Técnicas de Tradução.

Aí um dos meus cuidados básicos consistia em explicar aos alunos que a disciplina com essa designação era não UMA mas, na realidade... várias.

Muitas.

Tantas que era, no limite, materialmente impossível quantificá-las.

"Traduzir" um texto, com efeito, não é, ao contrário daquilo que muitas vezes erradamente se pensa, "passar" palavras e frases de uma língua para outra.

"Traduzir" se é alguma coisa [e é, também, em tese, debatível que no limite o seja mas essa é outra questão...] é "passar" uma MENSAGEM de uma língua para outra.

Um meta-texto ou uma meta-textualicidade [um complexo textual: um texto, um estilo ou uma estilicidade, um espírito, uma constante ou uma identidade textual estável e um---ou vários conhecimentos---a tudo isso associados] que está longe de se esgotar nas palavras ou até nas meras frases como tal.

É por [tudo] isso eu [e muito mais...] que eu digo que 'Técnicas de Tradução'... são muitas---são, de facto, inúmeras---disciplinas que vão da Matemática à Poesia, da Música às Ciências Naturais num arco objectivamente ilimitado de matérias e saberes.

Por outro lado, por razões de metodologia e de didáctica específica era, porém, possível "dividir" em termos sobretudo práticos, operativos, o conteúdo da disciplina de Técnicas de Tradução em duas grandes áreas: uma, muito aberta, que contemplava a abordagem selecta, no fundo, por amostragem tão tópica quanto possível daqueles saberes "externos mas não exteriores" à cadeira em si [uma área didáctica onde eram "arumados" os itens referentes a este domínio rumados" e uma outra de que aspectos vários da mecânica do processo de tradução ou "translação textual" e especificamente linguística" constituiam o objecto central.

Em qualquer caso, esta área funcionava sempre como uma espécie de instrumento prático [chamemos-lhe "objectuante" ou "objectuador", basicamente instrumental] daquilo a que comummente chamamos "traduzir".

Dito de outro modo: para além de saber "mexer na língua" ou melhor: "nas línguas", o tradutor tem de ser teórica ou tendencialmente para-enciclopédico de modo a converter essa habilidade [essa... "ability"] meramente técnica ou tecniforme num verdadeiro saber.

Porque esta perspectiva teórica sempre me pareceu estar, na essência, ausente das abordagens que da disciplina faziam muitos dos meus colegas com quem eu fazia questão de ir trocando informação e experiências e como, por outro lado, pretender que Ministérios da Educação profundamente burocratizados e por via de regra didacticamente vesgos para além de pedagógicamente incompetentes patrocinassem debates verdadeiramente sérios em matéria didáctico-pedagógica era pouco menos do que irrealista; porque assim era, dizia, sempre me deu ideia de que, em Portugal, muitos dos "tradutores" formados a este nível tinham forçosamente de evidenciar enormes limitações de todo o tipo.

Para mais, sabendo nós o que "pensa" geralmente o Ministério sobre o tema da "Escola Cultural"...

Ocorreram-me ao espírito estas reflexões, ao ler no "Público" de 22.02.10, no artigo "Os bastardos da guerra descobrem as suas raízes" da autoria de Edward Cody [traduzido por ?]: "O que vivemos e as privações que sentimos durante todas as nossas vidas levaram-nos a fazer ouvir as nossas vozes", explica Gerlina Swillen, uma belga professora do ensino secundário e investigadora da Universidade de Vrije [sic], em Bruxelas".

Ora, eu por acaso até conheço Bruxelas por lá ter vivido e sei por isso que não existe Universidade alguma "de Vrije" na capital belga ou em qualquer outro ponto do país.

Um aluno ao qual tivessem sido ministrados conhecimentos básicos de linguística comparativa [da mecânica da evolução linguística em campos idiomáticos particulares, neste caso, germânicos] teria possivelmente detectado de imediato as semelhanças entre aquele "Vrije" [lido "Fraia"] e o alemão "Frei" ou o inglês "free", todos eles contendo a ideia básica do que em português expressamos pelo termo "livre".

Bastar-lhe-ia, agora reportando-se à outra área mais vasta da disciplina que, em Bruxelas existe uma Universidade Livre a que os francófonos se referem usualmente designando-a pelas iniciais U.L.B. alusivas à designação oficial "Université Libre de Bruxelles" para "desconfiar" e [agora existe essa arma inestimável!] recorrer à Net para tirar dúvidas, evitando desse modo aquele caricato "Universidade de Vrije" que evidencia os claríssimos limites da ciência do tradutor.


[Na imagem: Torre sineira da U.L.B.]

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