sábado, 6 de março de 2010

"«Por Uma Nova História Para a Humanidade, Já!», breve reflexão pessoal sobre a situação social na Grécia" [Por rever]


Uma coisa que me parece absolutamente fundamental [não apenas fundamental: urgente!] que todos percebamos é aquilo que os gregos vieram realmente dizer para as ruas de Atenas nestes últimos dias: que a democracia funcional e o capitalismo liberal de que que ela é expressão política ancilar mais ou menos estável e tópica encalharam.

Que, lançados cegamente de trás, entretidos a conversar ou a fazer outra coisa estúpida qualquer daquelas que nunca se devem fazer quando se conduz, não repararam no obstáculo que mais ou menos imprevistamente lhes surgiu no caminho da História e embateram de frente, mesmo em cheio, nesta última, ali ficando, embaraçosamente encalhados, à espera de que alguém os vá dali rebocar...

Que alguém os vá ali tirar da humilhante situação em que a falta de travões [e da mais elementar aptidão para guiar a História dos Homens----desta, sobretudo!] os deixaram.

Dito de outro modo: aquilo que, hoje-por-hoje, me parece absolutamente essencial e premente que, como sociedade, percebamos é que o modelo de "Estado broker" [o paradigma de "Estado... almocreve" para onde, de forma óbvia, há muito, derivou já a velha e generosa ideia-mito de 'Estado Nação com um Estado social dentro' encalhou com a carga toda numa curva particularmente fechada do seu [aliás, sempre genericamente muito acidentado] percurso histórico.

Que hoje, mais do que em muitas décadas, a "social-democratização", assumida ou simplesmente factual, objectiva, prática, de uma parte muito ampla e muito significativa das Esquerdas marxistas [eu não conheço outras mas pronto!...] "não compensa": que é, pelo contrário, essencial que a Esquerda "regresse finalmente à História" [não necessariamente, de imediato, ao poder: à História!] com um conjunto verdadeiramente revolucionário de propostas, a começar por algo que, há muito também, venho dizendo e que respeita ào estatuto---económico, claro, mas, num certo sentido dinâmico e dialéctico profundo, sobretudo político---da propriedade.

Vista pelo 'regime' consistentemente como uma constante da equação económica e política, é papel, a meu ver, essencial da Esquerda revolucionária [uma redundância mas enfim!] hoje devolvê-la ao estatuto dialéctico que já teve nos contextos históricos, teóricos e práticos, onde a ideia de Revolução não tinha sido ainda, implícita ou explicitamente, trocada, "sistemicamente negociada", "cambiada", pelas de mera "crítica" ou, na melhor das hipóteses, de simples "consciência moral" mais ou menos ínsita e estrutural do próprio capitalismo.

Trata-se de devolvê-la, dizia eu, à propriedade, ao estatuto dialéctico de variável [ou "variável funcionante", de "variável possibilitante"] que teve originalmente na natureza e que o marxismo trouxe para a História e para a Política, oferecendo a qualquer delas [em particular à esta última que é que está... "mais perto" da acção humana] a possibilidade de dotar-se institucionalmente de fundamentos teóricos sólidos, real ou formalmente científicos---algo que, de resto, pareceu, a dado ponto, ir ter quando a própria burguesia agiu histórica e politicamente, ao contrário do que pouco depois já sucedia, como classe revolucionária, no século XVIII.

Quando, com efeito, observamos com um mínimo de atenção e critério o que faz à História e especificamente à propriedade a "segunda burguesia temporal" [isto é, aquela que, tomado o poder à aristocracia e rejeitada, por sua vez, a 'aliança funcional' que mantivera com o povo a fim de precisamente derrubar o poder aristocrático] enceta, nos séculos XVIII e XIX, o seu próprio percurso autónomo pela História, dela se apoderando em exclusivo num processo que vaib conduzir à revolução e ao capitalismo industriais e, no limite, aos autoritarismos [ao "capitalismo total"]; quando, dizia, observamos o modo como a burguesia, tomado o poder [i.e. por fim, firmemente ocupada a propriedade deixada livre pela queda do poder aristocrático] aquilo que, a meu ver, não podemos deixar de constatar é o modo como ela inicia, a breve trecho, um paradigma de relação sistémica com a propriedade em que esta, enquanto conceito ou 'representação teórica' implícita mas corrente, entra numa forma cada vez mais disfuncional e anti-ecológica no sentido em que, ao contrário das formas naturais em que se baseia perde nuclearmente o seu papel possibilitador relativamente à vida, passando, sim, a interpor-se firmemente entre a sociedade hi«umana como todo e essa mesma Vida.

É o que chamo a "desecologização" da propriedade.

Na natureza existem, com efeito, reconhecivelmente formas, modelos ou ciclos globais de possibilitação da vida assentes em modelos operativos extremamente móveis e sempre funcionais de "proprietação" onde esta opera adequadamente como "variável" ou "eixo móvel de vitação", isto é, na natureza a propriedade [dos terrenos de caça ou procriação] possui sempre um fundamento funcional que é genericamente assegurado pela força física das espécies e dos indivíduos operando articuladamente com modelos de complementação e, mesmo, colaboração funcional entre esses mesmos indivíduos e/ou essas mesmas espécies.

Mas em todosd ios casos a proprietação possui um fundamento demonstrável associado à ideia de possibilitação da Vida.

Os indivíduos conquistam territórios [ou fêmeas] para assegurar que a espécie continua.

Ora, aquilo que a História da propriedade enttre os homens demonstra é que essa função possibilitante original da propriedade---a sua ecologia---não se conserva quando, com a sedentarização, se formam as primeiras sociedades humanas mais ou menos estáveis e nestas começam a, por sua vez, a emergir formas igualmente estabilizadas de divisão social do trabalho.

De imediato, começam a emergir no próprio tecido das sociedades, fenómenos de valorização ou melhor de "valoração" inteiramente secundária ou simbólica associada a cada tarefa ou conjunto de tarefas particulares que gera, no limite, a noção, depois da percepção, de 'classe' social.

E é esta percepção completamente simbólica que vai, por seu turno, substanciar, de forma já completamente disfuncionada [convertida, pois, num tótem] relativamente à origem específica da propriedade; às formas móveis, estruturalmente flexíveis e intrinsecamente funcionais que os paradigmas de proprietação assumem na natureza; é esta percepção já no essencial disfuncionada e desarticulada da sua própria génese funcional, dizia, que vai substanciar o modo de conceber histórica, política e mesmo em geral, cultu[r]almente a propriedade, tal como hoje a conhecemos, i.e. des/estruturalmente desligada, desintegrada [des-integrada] e, por conseguinte, alienada já da sua essência funcional original.

Ora, a minha tese, é que o papel da Esquerda passsa [eu diria: centralmente] por aqui, isto é, pela reconsideração nuclear do papel ecológico da propriedade, devolverndo esta à sua condição natural de variável no contexto dos processos directamente associados àquilo que, à falta de melhor termo, designo por "Vitação".

Trata-se de des-sacralizar a propriedade, pondo-a despreconceituosamente em questão.

Já não se trata aqui de manipular [de aceitar que seja manipulado] o quadro teórico do Estado capitalista que é um estado bidimensional para o qual apenas são variáveis a despesa e a receita do funcionamento do Estado.

Para a Esquerda, muito claramente, e em resultado de quanto já disse, também a propriedade é uma variável e essa é a grande diferença entre a Esquerda e os outros 'lugares políticos' do espectro, hoje-por-hoje.

A Esquerda tem um fundamento científico, ecológico, para isso.

A minha hipótese é que hoje na Grécia o fechamento crítico, agudo, drástico, do capitalismo force a que este processo essencialmente revolucionário que passa pelo modo, num certo sentido, completamente novo de considerar o papel da propriedade nos mecanismos de possibilitação ulterior da vida das pessoas e das sociedades encontre conmdições tanto objectivas como subjectivas para se [re?] iniciar.

Este, um aspecto.
Outro diz respeito às formas de organização humana, especificamente reivindicativa [eu prefiro usar a expressão: afirmativa] especificamente laboral ou sindical.

Neste domínio, é minha convicção que as formas tradicionais de sindicalismo, até por imposição da própria desfixação generalizada dos paradigmas imediatamente anteriores, estabilizados, de relação laboral se encontram, também elas, no essencial, completamente esgotadas.

Num modelo de empregabilidade em que as relações laborais se encontram, para utilizar a semântica típica da espécie de "novilíngua" que om sistema económico vigente comummente fala, "flexibilizadas", parece evidente que as possibilidades de organizar, com um mínimo de consistência e eficácia, a acção e a intervenção social dos cidadãos são escassas.

Porque as pessoas nãso estão lá, nas fábricas, nas oficinas, nos escritóios e porque, se estão, têm, muitas delas, óbvio e mais do que compreensível receio de deixar de estar, de tal modo é frágil e precária a sua vinculação estatutária ao posto de trabalho.

O que isto, a meu ver, significa é que novas formas de sindicalismo, passando pela criação de "sindicatos cidadãos" [outra vez a Grécia e a importância capital da "rua"!] têm de serb consideradas pelos suindicatos aos quais é imperativo que abandonem o tal papel mais ou menos social-democratizado de intervenção pontual.

Até porque o problema do Trabalho é, cada vez menos, um problema de melhorar as respectivas condições [como ocorreu com o pré-sindicalismo e o próprio sindicalismo no século XIX] e cada vez mais o de organizar a sociedade globalmente no sentido de esta, enquanto sociedade, dar o seu contributo activo, interessado, para que sejam encontradas formas radicalmente novas, isto é, modelos ou paradigmas estruturalmente diferentes porque intrinsecamente humanizados de empregabilidade que voltem a possibilitar generalizadamente a Vida no interior das sociedades humanas e, no limite, estas mesmas enquanto tal.

A minha tese é que o problema do Trabalho é, cada vez menos, por um conjunto de razões que assentam basicamente no modo como o conhecimento foi sistemicamente integrado na História [ele que foi o grande argumento que substanciou e efectivamente legitimou a tomada do poder histórico e político pela burguesia]; a minha tese, dizia, é que o problema do Trabalho humano é hoje muito menos um problema laboral e até político do que, na realidade e na essência, um problema civilizacional que nos envolve a todos.

E que, para isso, é preciso encontrar com toda a sociedade as formas de organização económica [lá volta, aqui, també e mais uma vez a questão da propriedade!] que voltem a permitir a excistência material da própria so0cidfeade o que significa que, das fábricas, dos campos e dos escritórios, a luta sindical passar a travar-se, em larga medida, na rua [lá vem a "rua" grega recente!], com os proletários cívicos" e/ou "desempregados civilizacionais" que somos já todos como sociedade.

A minha tese é, ainda, que, cada vez mais, a distinção entre "sindicatos" e organizações cívicas de várias naturezas, em geral ou até mesmo partidos políticos tem de esbater-se, se não substantiva, com certeza, substancialmente, na medida em que, insisto, estamos já todos, como sociedade, todos em causa e em que, por isso, aquilo de que agora verdadeiramente se trata é, em última análise, de reconsiderar, no fundo, integralmente modelos de economia e de propriedade e não já apenas de melhorar os que existem os quais, visivelmente, como comecei por dizer, "encalharam" ou faliram já, em larguíssima medida, na prática.


[Imagem extraída com vénia de justseeds-dot-org]

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