sábado, 20 de março de 2010

"Touradas? Não, Obrigado!"


A minha perspectiva relativamente às touradas [assim como, de um modo mais lato, relativamente àquela verdadeira aberração mental e antropológica que consiste em considerar automaticamente "legitimada" qualquer monstruosidade, por absurda---ou até mesmo desumana---que possa ser pelo simples facto de ser "antiga" e ter, por conseguinte, ganho o estatuto mágico, quase "totémico", de "Tradição" que, para muitos subjaz, em última instância, à defesa que fazem da inominável barbaridade que são, queiramo-lo ou não, as touradas ...]; a minha perspectiva pessoal relativamente a todas essas questões, dizia, é muito sucintamente a que passo a expor.

Aquilo que, na base de tudo, impressiona [e inquieta!] aqui, nesta matéria, é a ideia de alguém converter a própria sobrevivência [uma das formas que ela assume, em qualquer caso; falo, obviamente, do consumo de material proteico de origem animal pela espécie humana---algo que, de resto, não constitui em si mesmo uma necessidade incontornável nem uma fatalidade biológica, é preciso dizer] num espectáculo em si.

O indivíduo, por muito dourada que possa ser a roupagem que revestem os rituais de morte quaisquer que eles sejam, não se torna animal---torna-se, pelo contrário, perigosamente humano!---quando perde a noção da 'necessidade' [ao menos, convencional e, num certo sentido, até simbólica] da sua tarefa; quando se torna, dito de outro modo, incapaz de continuar a distanciar-se criticamente da realidade, na forma daquilo que faz para viver; quando, por conseguinte, se ALIENA da sua relação objectiva com o que faz e começa a 'saborear' como um objectivo em si isso mesmo que faz---independentemente dos respectivos fundamentos objectivos, materiais, passíveis de serem convertidos num "conhecimento" qualquer---da realidade como tal mas, num certo sentido, sobretudo, de si e do seu papel particular nela, na produção organizada dela.

A partir daí, deixa de ser 'sujeito' e passa naturalmente a mero 'objecto' [quando muito "objeito" ou "subjecto"] dos seus actos e, de um modo mais lato, do próprio real como todo.

Do real como 'coisa'.

Perde o privilégio da Culpa que é um atributo exclusivo do 'sujeito moral' e, assim, "humanizando-se", «objectifica-se», afinal.

É, também isso, esse mecanismo alienado[r] que transforma a fruição responsável da Cultura [da Estética como comportando necessariamente uma Ética, da Estética como Teoria da Realidade] em consumo e a da própria Ética num mero hábito ou numa simples habitualidade que abre, por seu turno, toda a espécie de portas ao fascismo.

Aos fascismos---mesmo aos "fascismos de vidro", aos "brancos fascismos" de hoje que são precisamente a consagração, no plano político e no plano [pós-] moral desta "objectificação" que certas concepções mais mecanicistas e 'pós-modernas' de "cultura" objectivamente preparam e sofisticaram---quando não SÃO elas próprias.


[Imagem extraída com a devida vénia de listenlittleman-dot-com]

Sem comentários: