sábado, 20 de março de 2010

"Para uma Arqueologia da Violência Moderna: algumas notas pessoais" [Inc. por rever]


Um texto muito recente de Francisco Teixeira da Mota no "Público" [cf. "Público" de hoje, sábado, 20 de Março de 2010, artigo "Elementos para pensar e actuar a nível do bullying"] permite-me ir um pouco mais além do que fui, num texto meu, publicado um pouco mais abaixo, envolvendo basicamente a questão das touradas.

Teixeira da Mota, referindo-se ao fenómeno do 'bullying' do qual resultaram, como se sabe, recentemente duas mortes praticamente simultâneas em Portugal evoca a dado passio um termo e, sobretudo, um conceito fulcrais para se contextualizar, com um mínimo de rigor, consistência analítica e idoneidade intelectual e o problema: "empatia".

Vivemos, hoje, com efeito, numa sociedade física e mental onde o valor da empatia inexiste não apenas circunstancialmente mas de forma [e por imperativo] eu diria, num caso e noutro, sistémicos.

Uma visão persistentemente practicista e estr[e]itamente funcional da Educação [que, de facto, nada ou muito pouco tem de efectivamente funcional mas essa é outra questão que não vem, agora, directamente ao caso] conduziu sucessivos dos respectivos ministérios ao fomento objectivo de uma cultura de brutal e cega concorrencialidade em determinados níveis mais "selectivos" do edifício escolar [nos outros, vai, como é sabido, reinando a "escolocracia inorganicamente ludocrata" que tantas vítimas continua "alegremente", dia após dia, a fazer das pessoas à própria Cultura] situação essa que constitui de forma inquestionável o 'caldo' onde há muito se afogaram já a maior parte os valores de são e desinteressado humanismo; de formação global do indivíduo que deviam ser [mas não são!] estruturalmente indissociáveis de qualquer ideia abstracta ou conceito teórico minimamente apresentável quer de "educação", quer de "cultura".

Fala-se muitas vezes de "massificação" como sendo algo que está na base de um certo tipo de fenomenologia caracterizada, basicamente, pelo rebaixamento consistente dos níveis de cultura e dos próprios valores, de uma forma geral.

Quando se fala geralmente de massificação não se tem, porém, por via de regra, diria eu uma noção completa, histórica e política, do fenómeno que, é vital tê-lo presente, constitui uma decorrência inevitável da própria "prise du pouvoir" histórica, social e política pela burguesia.

Esta, na verdade, "entra na posse económica e política política da História" com o argumento básico da competência técnica que, segundo ela, legitima definitivamente essa "prise du pouvoir".

Basta ler, entre inúmeros outros exemplos, "Il Gattopardo" de Lampedusa, "Fu Matia Pascal" de Pirandello ou "Castle Reckrent" de Maria Edgworth para se ter uma ideia de como funciona em termos concretos, práticos, materiais, no próprio seio da família e na vida dos indivíduos, este processo.

A verdade, porém, é que não havendo "Histórias completamente perfeitas", a troca de proprietário político da História envolveu, da parte das sociedades europeias no seu tudo, o pagamento de um preço substancialmente elevado em matéria de profundidade e sofisticação da Cultura.

São mais ou menos claros dois pontos: primeiro, a clase deposta havia, há muito já, deixado de ser em termos globais detentora de cultura a qual tinha genericamente deixado já, na maioria dos casos, de circular no conjunto dos membros da classe e, em seguida, que a posse dessa mesma cultura havia sido tudo menos uma realidade generalizada, democrática, mesmo quando existiu com outra expressão qualitativa e qualitativa no seio da aristocracia.

Seja como for, a burguesia entra na História como classe, por definição, para "rentabilizá-la".

Possui o conhecimento, o saber, a técnica: de posse deles, argumenta que deve ser ela a re/produzir a riqueza e a gerir, consequentemente, a sua redistribuição.

Na verdade, para ela [é essa visão da História e da sociedade---da economia e da política que ela traz de novo para a própria História] logo desde o início [assenta como disse nesse verdadeiro ângulo ou vértice argumentativo o essencial da sua reivindicação relativamente à propriedade legítima da História] "Conhecimento" e "utilidade" são conceitos virtualmente indissociáveis entre si.

Não é apenas a nobreza "de sangue" que ela supera: é a nobreza em termos categoriais, arquetipais---a nobreza como modo, ao menos "simbólico" ou mesmo teórico e até, num certo sentido, ideológico, de abordar a História e a realidade, em geral.

A massificação é também isso---esse novo olhar dessacralizador e deliberada---eu quase diria: programada e programaticamente---não-transcendente mas, pelo contrário, imanebntre e imediatista da realidade.

É isso que marca a Política a partir de um dado ponto---é isso que explica por que exacta histórica, económica e social razão ou razões, a História, em lugar de se democratizar, se vulgarizou---e "massificou".

Os valores [que são algo que, de uma perspectiva abstracta e simbólica, nascem de forma natural das culturas aristocráticas] tendem a tornar-se, na "nova História" progressiva mas, sobretudo, naturalmente obsolescentes e excescenciais: não se convertem eles mesmos naturalmente em "valor".

Os políticos, eles mesmos fruto dessa visão vulgarizadora e utilitarista não conseguem conceber um lugar natural para os valores no contexto das suas "políticas" ia, em lugar de se democratizar.

Claro que político ou pessoa alguns dizem que solidarizar-se "é feio" ou que é algo que deva ser postergado e banido das práticas sociais, educativas e, claro, espercificamente escolares; dizem, porém, de um modo ou de outro---ou, não dizendo, agem em função dessa ideia que a todos norteia---que não é rentável ser desinteressadamente solidário ou empático"; sê-lo como valor em si---porque é desse modo preciso que vêem a História e tudo quanto ela contém---incluindo os indivíduos que a povoam e oas diversos programas que cunham para reger as relações, desde logo institucionais, entre eles.

É daí, a meu ver, desse vazio sistémico último, básico, de valores puramente simbólicos que subjaz às "nossas" sociedades de hoje que emeergem o "bullying" e todas as outras formas de opressão práticas, objectivas, em cuja génese está o impulso pragmatizante desumanizador que resulta, volto a dizer, do modo significado preciso como a burguesia enquanto classe social e económica entrou na História e dela ideologicamente se apoderou.


[Na imagem: "Philosopher", colagem sobre papel e cartão de Carlos Machado Acabado ]

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