quinta-feira, 18 de março de 2010

"António Machado, Poeta"


Conversa recente com uma pessoa amiga a quem me ligam inúmeras afinidades trouxe-me mais uma vez à memória uma das minhas 'paixões intelectuais' mais estáveis, mais sólidas e mais profundamente entranhadas: a que há muito nutro pela poesia de António Machado.

Há---a vida confirma-no-lo a cada dia...---paixões que não se explicam: que se sentem; que, num certo sentido muito íntimo, felizmente não-racional e extremamente preciso, se completam a si próprias e, de algum modo, por isso, também, se esgotam, encontram a sua grande [e com frequência, única!] explicação e fundamento no serem sentidas de fiorma irreprimível e total, absoluta, e nos consumirem, assim, finalmente no irrepetível conjunto de emoções que despertam e preenchem, às vezes, pelo brevíssimo espaço do que nosd parecem ser apenas segundos, a vida inteira.

Falo de paixões como tal---por isso, no caso do que me liga à poesia de Machado talvez fosse mais apropriado falar de Amizade---uma grande e profunda Amizade que vem, como digo, de há muitos anos e passa por um ou vários exílios físicos mas também interiores e íntimos, por uma Guiomar impossível e por uma persistente saudade que toda a vida pareceu buscar o seu verdadeiro e sólido fundamento...

Na Poesia de Machado há, com efeito, um substrato de persistente sofrimento que o Poeta [seu máximo mérito e, em meu entender, sua grande lição de vida à posteridade] parece continuamente obstinar-se em sublimar em sucessivos e delicadíssimos clarões de puro génio ---textualidades sublimes onde a dor se converte quase miraculosamente uma e outra vez em felicidade---quanto mais não seja a de se saber ter, em geral, vencido os limites que são demasiadas vezes impostos pela própria Vida à possibilidade [ou à esperança] individual de se ser feliz.

De entre os textos de Machado que mais vezes relembro e sempre com a respiração suspensa de emoção como da primeira vez figura o 'instante textual' verdadeiramente fulgurante que imediatamente abaixo transcrevo e que diz:


Nunca perseguí la gloria
ni dejar en la memoria
de los hombres mi canción;
yo amo los mundos sutiles,
ingrávidos y gentiles
como pompas de jabón.
Me gusta verlos pintarse
de sol y grana, volar
bajo el cielo azul, temblar

súbitamente y quebrarse.


Há um conto de Salinger [de "To Esmé with Love and Squalor"] envolvendo um jovem que se suicida numa manhã de sol ardente que parece copiado deste magistral momento poético de Machado acerca do qual me permito fazer, ainda, antes de termimar, uma sugestão muito pessoal: experimente quem me lê ouvi-lo cantado por Serrat, Joan Manoel Serrat, e depois diga-me [ou diga a si próprio, é ainda melhor...]o que sentiu...

2 comentários:

Ezul disse...

Também eu encontrei razões para entender como Amizade uma profunda e sentida identificação com certos poetas e escritores. É verdade que isso aconteceu naquela fase da vida em que se começam a construir os ideais, mas nunca deixei de sentir, fosse em que momento fosse, que eles já se tinham tornado numa parte de mim. Por isso os guardei, como se tivesse um local próprio para guardar as coisas preciosas, protegidas do desgaste ou da banalização, para os reencontrar e reviver quando me fizessem falta. Quando olho para trás, e os anos já me permitem um olhar demorado, tudo me pode parecer distante e relativo excepto essas “Amizades” roubadas e construídas à margem da reciprocidade. Em relação a algumas, prometi a mim própria que as iria procurar, vencendo mares e derrotando o tempo. Mas, se os mares se navegam, já o tempo… com o tempo só há tréguas se soubermos de cor os versos dos poemas e se guardarmos cá dentro a música das vozes.

Carlos Machado Acabado disse...

Eu tenho várias destas amizades: tantas quantas as minhas diversas coerências interiores.
Por vezes dou a ideia de interromper uma mas surpreendo-a regressando, um dia, imprevistamente.
Mas a Machado nunca fui infiel nem me lembro de ter traído...