sexta-feira, 30 de abril de 2010

"Agora é qu' isto vai andar para a frente!..."


Claro!

Com a aliança entre Sócrates e Passos Coelho, começa-se finalmente a divisar para o País aquilo que há muito se anunciava só com o primeiro deles, ou seja, por fim, um túnel ao fundo da... luz!

"A direita alia-se a si mesma para combater a crise..."


Uma constatação inquieta: Sócrates e o "sucatismo" que ele arrastou consigo para o poder em Portugal começam a tornar-se francamente preocupantes!

A personagem não tem manifestamente a mínima noção de como gerir com um mínimo de erficácia e competência a parte que nos coube como país na verdadeira "disaster area" em que se converteu o capitalismo neo-liberal e "monista" pós-socialista de hoje.

Com a sua corte de insuportáveis nulidades amestradas e emplumadas, desde o inefável ministro não-sei-de-quê que já foi comissário não-sei-de-quê [sem que quem quer que fosse, já nem digo, "lá fora" mas em Portugal tivesse dado... pelo que quer que fosse] até àquela criatura com irresistível vocação para Hermeseta que, jura a personagem, tutela a Educação [o que mostra bem o desamor da criatura pela verdade, uma vez que como qualquer português mesmo mal informado sabe, a Educação em Portugal extinguiu-se, ao que tudo indica, definitivamente entre nós no recente consulado Rodrigues-Lemos-Pedreira de tenebrosa memória.

Seja como for, incapaz de rumar para onde quer que seja que se pareça sequer com um projecto autónomo para o País de modo a criar as condições necessárias para que este tenha uma perspectiva e uma linha de rumo independente no meio da tal "crise" de que toda a gente fala, optou, agora, as criatura por se encostar a esse inefável monumento vivo ao ridículo pedante e pomposo que é o tal Coelho que é Passos e que supostamente seria oposição a esta coisa chilra, desavergonhadamente inepta e incapaz que é o "sucatismo"...

Numa altura em que mais do que nunca seria bom que a sociedade portuguesa começasse seriamente a consider hipóteses fora de um quadro bipartidáriomanifestamente esgotado e, aliás, co-responsável activo, nuns casos, passivo noutros, com a tal "crise" com a qual se declara, agora, profundamente surpreendido, surge este singularíssimo [ou talvez nem tanto...] conúbio entre a esquerda da direita e a direita da esquerda fechando mais ainda um leque de opções para sair da crise, já de si manifestamente esgotado e fechando, de passo, a trôpega e fanadíssima "democracia à portuguesa" num anel de ferro do qual não se vê como---para mais, repito, no presente quadro de impensável [e irresponsável!] "fechamento [quase?] total à direita"---poderá ela alguma vez sair, sem ser à custa do esmagamento final de uma classe média fadada há muito para bombo da festa de incompetentes e vagabundos políticos de toda a espécie, que é como quem, "roupa de franceses" dessa espécie de repelente e fatal "lumpen politicagem" que continua, tão teimosa quanto impunemente, a passar entre nós por "classe política"...

terça-feira, 27 de abril de 2010

"Sobre as chamadas comissões parlamentares de Inquérito"

A pretexto delas [ostensivamente para desvalorizá-las!] encheu Mário Soares uma página inteira do "Diário de Notícias" de 27 de Abril, terça-feira passada.

É natural [nem vale a pena dizer por quê!...] que Soares procure desacreditar o trabalho de uma comissão cujos trabalhos incidem, como é sabido, sobre alguém cuja [invariavelmente, deplorável, aliás, ainda assim!] persona política nunca escondeu que, do alto da sua papal preponderância interna, patrocinava.

Uma das formas que o patriarca do partido do governo escolheu para pôr em causa a dita comissão foi sublinhar-se a [por vezes, escadalosa, é verdade!] partidarização.

Tem, pois, Soares, toda a razão quando fala de partidarização dos trabalhos: ninguém negará que hoje a chamada "democracia" nascida do entre nós do esforço de "restauração novembrista" de '75, se corrompeu gravemente tendo-se tornado já, na prática, numa espécie de mero "pretexto institucional" para o marketing partidário, i.e. transformou-se já de facto em, "broker" privilegiado dos interesses funcionais disfarçados de partidos políticos enquanto que todo o Estado em volta, o próprio Estado dito "democrático", se deixava, por seu turno, corromper peor essa mesma deriva disfuncional não manifestando hoje o mínimo embaraço por se ter tornado de Estado nação e Estado consciência no mero "Estado almocreve" que todos conhecemos e que tem precisamente no "sucatismo" ainda vigente a sua expressão---hesito entre dizer "máxima" ou, pelo contrário, mínima...

Não admira, assim, que tendo-se, na prática apoderado do edifício democrático e tendo-o mesmo subjugado [e feito dele refém!] o Estado "partidocrata" tenha [e de que maneira!] infectado também a comissão de inquérito a que se atira Soares no seu artigo.
É difícil, diga-se de passagem e a propósito [a mim, é-me, seguramente!] não ver a, para mim, gritante, analogia entre o papel dos partidos no contexto operativo da actual "democracia formal/funcional" e o papel, no fundo [in?] essencialmente amoral do advogado para o qual a culpabilidade do cliente é, em última análise,, completamente irrelevante para a sua própria actuação profissional, daí derivando uma ética específica, [in?] essencialnmente técnica que, com a outra Ética, a Éica com maiúscula, muito pouco tem, em última análise, que ver.

Também aos partidos [e esse é um aspecto---eu chamar-lhe-ia tópico---da "demomorfia instrumental" ou "democracia funcional que entre nós passa geralmente por Democracia tout court] no actual quadro operativo demofuncional [e a comissão de facto é um óptiomo/péssimo exemplo dessa doença senil da Democracia] para além do propósito de priovar que o nosso partido está mais atenbto do que todos os outyros, é mais interventivo e, por conseguinte, aquele em que nas próximas eleições se "dweve" votar...

Esta neutralidade funcional da actuação partidária é, repito, um aspecto claríssimo da "deriva demomórfica" sofrida pela Democracia em Portugal e tem, de facto, razão Soares quando aponta o dedo à comissão de inquérito vituperando-lhe justamente essa---volto a dizer: óbvia---faceta.
Mas a questão põe-se, então, nestes ternmos: se os partidos são maus; se são, mesmo, em si, um mal, qual a alternativa?

Há muito que venho repetindo que a Democrcia---a boa Democracia---não são os partidos; não começa e, seguramente, não começa e acaba neles e nos seus interesses próprios---como sucede, aliás, de forma óbvia e gritante, hoje, entre nós: a boa Democracia é a própria sociedade, é esta operando de forma orgânica como Cidadania.

Os partidos apenas conferem expressão e funcionalizam as aspirações dos grupos sociais e/ou das classes: é apenas nas "sociedades [e nas "demomorfias"] "inversionais", umas e outras, que tudo se passa ao contrário.

Nas Democracias, com efeito, a vigilância e o controlo democráticos são uma componente essencial da própria Democracia: numa destas, os partidos---a actuação dos partidos---seria, sempre e em todos os casos, não apenas meticulosamente escrutinada em tempo real pela Cidadania através de órgãos próprios [uma ideia que particularmente me atrai é a de um "sindicalismo cidadão" que poderia, ente nós, ter nascido das inúmeras "comissões" a que o 25 de Abril deu origem] como, sobretudo, pontualmente avaliada, nos moldes que tenho, cde igual modo, vindo a preconizar segundo um projecto que inclui "Tribunais de Verificação Política" criados nos moldes do Tribunal de Contas e dos Tribunais Fiscais.

Fiscalizada, escrutinada e avaliada a actuação dos partidoas voltaria, mais ou menos, naturalmente e de imediato a ser aquilo que deve ser em qualquer verdadeira democracia: um modo de a cidadania se exprimir e de conferir operatividade prática aos anseios da própria sociedade, num dado momento da sua História.

Ou seja: a partidarização dos órgãos e das funções do Estado é uma resultante inevitável da retracção cidadã, por um lado mas, por outro e sobretudo, da deficiência estrutural evidenciada pelo sistema dito democrático em matéria de órgão de vigilância, aferição e controlo, em tempo real.

É, por isso, que as sociedades amorfas do ponto de vista da militância cívica, como aquela que entre nós renasceu em resultado do modelo novembrista de organização social e política "derivam" naturalmente de democráticas para "democráticas funcionais" ou "democráticas formais" e se "partidocratizam" inevitavelmente, a prazo.
E é também por isso que eu digo muitas vezes que o grande problema em Portugal, identificada a respectiva causa, nem sequer é a... "partidocratização" do regime e do Estado porque essa é, no quadro referido, afinal [teoricamente, ao menos] fácil de corrigir: "basta" [como se fez no fecundíssimo mas brevíssimo, também!] período de "laboratório social" que vai de Abril de '74 a Novembro de '75] repensar todo o paradigma de organização cívica, social e política [eu diria, com recurso a um "palavrão" útil e provavelmente esclarecedor:] do sistema político "cooperativizando", como então ampla e inteligentemente se fez através da operativização e da agregação tendfencial ao próprio corpo da Democracia das inúmeras comissões---de moradores, de utentes dos serviços públicos, de inquilinos, etc. etc. que, então, se formaram e poduia ter sido, se Abril não tivesse sido, na prática, cortado cerce pelas forças restauradoras do novembrismo, com Soares por trás, de resto; "cooperatrivizando", pois, dizia, todo o referido paradigma de organização de modo a construir por baixo da socviedade portuguesa uma rede estável e, sobretudo, orgânica de interlocução com os partidos e o próprio Estado, nas suas diversas formas.

Porque o 'novembrismo' foi o "25 de Abril" da direita liberal a que Soares pertence e de que ele pretende ser... "a esquerda" foi a restauração do marcelismo, a "democratização ", não da sociedade mas dos mercados [o grande sonho do capitalismo liberal que é quem triunfa realmente em Novembro de '75]; porque assim foi, dizioa, nada no modelo de organização social e política em Portugal mudou realmente, tendo-se, agora, ramificado para dois partidos-guardas de fronteira social o trabalho de cinferir expressão política ou mais exactamente: "politiforme" a um modelo económico-financeiro que passou intacto a fronteira histórica [e inicialmente social e política] de Abril.

Nisto, na constatação da contaminação partidocrata do regime [que ele, aliás, ajudou, em larga medida, na sombra a fundar ou a re-fundar, no sentido preciso em que o soarismo nunca foi outra coisa senão um mero "marcelismo sem guerra", um "marcelismo" a que se tornou impossível, a dado passo chegar sem ruptura e protagonizado pelo próprio Marcelo]; nisto, nesta constatação, aliás, hipócrita, por quanto acabo de dizer, tem, pois, Soares razão.

Tem, digamos, "razão formal".

Aquilo que eu defendo, contendo e argumento, no entanto, é que o grande problemas desta comissão que Soares vem acusar de estar "partidarizada" é os tribunais não funcionarem adequadamente [é absolutamente escandaloso e inqualificável o falhanço global da Justiça democrática, hoje, em Portugal!] e é, a montante, haver leis nas quais a forma inviabiliza sistematicamente o próprio conteúdo---o conteúdo saneador e pedagógico-preventivo da própria lei [como é que é possível que sistematicamente tecnicalidades e verdade efectiva, a verdade real, a Verdade tout court, não consigam pôr-se de acordo, num edifício jurídico---e, especificamente, por acção dele!---permanentemente em conflito consigo próprio sempre que se trata de fazer coincidir a realidade com a sua expressão jurídica moralizadora e eticamente saneadora?]; o grande problema é, pois, um mau Direito, um Direito inorgânico, concebido de uma perspectiva erradíssima e labiríntica de mera colagem entre uma Forma e um Conteúdo aparentemente autónomos que podem, como disse, permitir-se funcionar não apenas, como a realidade empírica demonstra cabalmente, cada um para seu lado como, sobretudo, cada um deles para um lado que é rigorosamente o oposto do do outro.

O grande problema da comissãso e do próprio País político no seu toda é o descrédito evidente e generalizado da Democracia cuja consciência culpada a obriga sistematicamente a "actuar para a plateia" [mediática, nomine] numa tentativa muitas vezes, cabotina e inimaginavelmente desajeitada, teatral, de disfarçar a sua gritante incapacidade para agir de forma adequada.

O grande problema são os erros no edifício jurídico e especificamente judicial que leva a que os tribunais, não funcionando como deviam, sejam, na prática, muitas vezes, "substituídos" por entidades sem poderes estatutários para tanto como as polícias, por um lado [na esquadra faz-se, muitas vezes, a "justiça" que se sabe antecipadamente que os tribunais não vão, por uma razão ou por outra, poder ou não vão querer fazer] ou, no caso a que se reporta Soares, as comisões de inquérito, como esta.

No modo como as televisões "pegaram" na questão; no modo conmo o sistyema político e concretamente a Cidadania deixou que eles pegassem, está tudo isto bem espelhado: aquela comissão na prática funciona como uma espécie de "Nós por Cá" que é a coisa mais parecida com um sistema judicial são a que uma Portugal amodorrado, politicamente imbecilizado e civicamente amorfo pode, hoje-por-hoje, aspirar.

A Comissão [e isso não o diz Soares porque este é o Portugal que ele ajudou a re-fundar] é, afinal, o espelho de um país onde a justiça está permanentemente "a posar para a fotografia" mas onde ninguém é, de facto, responsabilizado pelos actos praticados em tarefas ditas de representação mas que, na realidade, apenas se representam... a si mesmas.

O primeiro ministro vê o seu nome, interna e externamente associado as malfeitorias verdadeiramente inomináveis que acabam, invariavelmente, por descobrir-se insusceptíveis de serem provadas e arquivadas e a ninguém parece estranha a metronómica recorrência das acusações e/ou das suspeitas; é constantemente acusado de mentir [um dos depoentes na comissão, José Eduardo Moniz foi o mais recente caso de alguém que o disse com todas as letras] é constantemente acusado de mentir, recusa-se a comparecer, não há, pelos vistos, em todo o edifício jurídico e jurídico-político nacional, uma única disposição que o vincule a explicar-se perante quem o elegeu [ou, não o tendo elegido que foi o meu caso, não tem mais remédio senão aceitá-lo como chefe do governo] e continuar a tolerar que ele permaneça nersse estatuto mesmo quando ele se permite ignorar aquele que é suposto ser o órgão-jóia da coroa do edifício democrático que é a Assembleia da República.

Mas isto não incomoda pelos vistos Soares para quem a gravíssima e aparentemente ininterrupta onda de suspeitas sempre impendente sobre quem dirige o País não passa de... partidocracia e parti pris ou má-vontade a ela associados, um e outra devidos a "coisas" como o facto de "os deputados-inquisidores [sic] que participam na comissão" serem [imagine-se!] "demasiado jovens" [!!], "pouco cordiais" [!!!] e "desbocados" [!!!!] achando ele, Soares, "par dessus le marché" que o mal das referidas comissões é serem... "fastidiosas"...

Para ele, a efervescência social e política natural nas sociedades humanas; a pluralidade de pontos de vista e interesses sociais que fazem a vitalidade nas e sobretudo, das sociedades livres, incomoda [ele diz---imagine-se!---"cria enfado" e "desinteressa" o público...] como se o que estivesse, na verdade, ali em causa fosse "entreter" e divertir o público como num qualquer circo ou "Big Brother" ou "Não-sei-quê" das Celebridades de lôbrega e pirosíssima memória não menos qualquer...

E o pior é que, num certo sentido [involuntário e democraticamente perverso] Soares volta aqui, pelos piores motivos, repito, a ter razão: porque é, em última instância, de um espectáculo que estamos aqui a falar---do espectáculo da democracia "encenada" de modo a que a sua efectiva inoperância a todos os níveis pareça, através do uso espalhafatosamente teatral do "sound and noise" shakespereanos, afinal, aquilo que não é, em momento ou estádio algum da sua História: eficácia, operacionalidade e efectiva normalidade e boa saúde, democráticas.

Mas de um espectáculo que [e é por isso que o farisaísmo das "críticas" de Soares tem de ser claramente denunciado] não apenas, como ele faz, se adfmite como, de facto, se pretende que seja, pelas razões exaustivamente apontadas acima, nestas notas.

Porque, em Portugal, existem hoje uma justiça que faz de conta que é justiça para fazer "pendant" com uma toda uma democracia, um sistema dem,ocrático institucional, para os quais fazer de conta que o são, é... democracia bastante.

Desde que não enfade, claro que um dos deveres básicos da democracia é, pelos vistos, muito mais do que funcionar, parecer que o faz permanecendo sempre gira e... fixe...

[Na imagem: desenho de João Abel Manta]

"Seven Brides for Seven Brothers"


Já aqui falei dele, no "Quisto": "Seven Brides for Seven Brothers", um quasi-western musical, cinematograficamente simpático aliás, vagamente inspirado pelo mítico episódio do rapto das sabinas.

Uma ligação ao passado clátssico, aliás, com o seu inegável interesse cultural e antropológico: trata-se, num caso como noutro, de discorrer sobre---ficcionando-as e convertendo-as numa espécie de património identitário pop---as origens de uma identidade colectiva, especificamente sobre a procura dessa identidade numa sociedade inorgânica que obviamente até pelo modo como surgiu a não tem.

É um 'western sem índios' [aspecto possivelmente relevante este "empochement" da "questão índia", algo que Freud poderia seguramente explicar num plano mais profundo, neste caso como, de resto, em diversos outros...] um "western" que fala sobre uma sociedade nascente começada do zero e assim purificada do longo "genocídio fundador" sobre o qual na realidade assenta.

É também [é um outro ânguilo de abordagem e de análise potencialmente fecundo] um discurso sobre o papel fundador da sexualidade e sobre o modo como uma cultura estruturalmente puritana e prudencialmente "simbolizadora" como a que se constituíu na América do Norte com a colonização europeia lida com a questão do sexo.

Está longe de ser um modelo original [o paradigma global de sublimação presente, por exemplo, na atitude cavalheiresca medieval expressa na "chanson d' amour" provençal, desde logo, obedece a um padrão representacional de natureza projeccional/sublimacional em muitos aspectos afim deste] mas contribui para veicular uma visão "significada" da sexualidade que, em meu entender, explica o modo como aionda hoje ela é inserida no conjunto mais básico e/ou mais elemental de representações cultu[r]ais feitas sobre ela, a partir de ela e com ela.

Nestas, com efeito, a sexualidade deixou de ser expressa [ou mesmo apenas implicitamente aceite] como uma realidade autónoma, fruível em si e por si, naturalmente aceite como um atributo e um património experiencial completamente independente [como uma... "gastronomia de certos sentidos"] desligada de uma funcionalidade 'legitimadora' de que opera sempre como "refém cultu[r]al", ainda hoje.

É curioso observar como a "pureza" e a "franqueza" [quase brutal, vista retrospectivamente] com que as sociedades primitivas lidaram com a sexualidade [algo de que a estatuária nos fornece, como é sabido, um testemunho eloquente] à medida que as sociedades humanas se foram sedentarizando foi dando lugar a um património estável de representações subtilmente valorizadoras da componente repressional e auto-repressional sobre a qual obrigatororiamente os mecaniusmos de fixação e possibilitação colectiva, social, têm inevitavelmente de assentar e que passam a dado passo a figurar no próprio tecido básico, primário, dessas mesmas representações.

Num certo sentido [e lido num certo sentido o filme documenta-o] a cultura ou as culturas humanas passaram a ser uma espécie de "gramática cifrada da auto-mutilação" em cujo centro se encontra a "mudança de estado epistemológico" dessas pequenas mortes que são a base da própria sociação e que, de imposição externa acabariam por passar finalmente a "valor".


Em anexo a letra daquela que, para mim, é a mais bela canção do filme, cantada por um Howard Keel que foi, a dado momento, a escolha de Hollywood para o papel de cantor simultaneamente bem dotado em termos vocais e com uma presença física imediatamente atraente que um Mário Lanza [que num certo momento chegou a aspirar a ocupar o "lugar"] manifestamente não possuía.



BLESS YOUR BEAUTIFUL HIDE

(Gene de Paul / Johnny Mercer)

Howard Keel


Bless your beautiful hide,
wherever you may be
We ain't met yet but I'm a-willing to bet
You're the gal for me

Bless your beautiful hide
You're just as good as lost
I don't know your name
but I'm a-stakin' my claim
Lest your eyes is crossed
Oh, I'd swap my gun
and I'd swap my mule
Though whoever took it would be one big fool
Or pay your way through cookin' school
If'n you would say I Do

Bless your beautiful hide,
prepare to bend your knee
And take that vow
'cause I'm a-tellin' you now
You're the gal for me
Pretty and trim but kinda slim
Heavenly eyes but, oh, that size
She's gotta be right to be the bride for me

Bless your beautiful hide,
wherever you may be
Pretty and trim but not too slim
Heavenly eyes and just the right size
Simple and sweet, and sassy as can be!

Bless her beautiful hide
Yes, she's the gal for me


sábado, 24 de abril de 2010

"A História tem Futuro?"


Um texto muito interessante [sobretudo pelas possibilidades de análise e reflexão que oferece] é o de José Vítor Malheiros, intitulado "A angústia do jornalista perante a Internet", dado à estampa no "Público" de 26.01.10.
Sobre a tal "angústia" do título julgo poder concluir que incide sobre uma certa "prise du pouvoir" [e não utilizo gratuitramente a expressão, note-se!] informativo ou talvez mais exactamente "informacional" pelo... "povo" facilitada ou mesmo induzida pelo aparecimento da Internet e prenunciadora de uma certa previsível morte do mediador cognitivo qwue era o "velho" jornal
Angústia é, também, a dúvida deste sobre "o que fazer" [outra expressão nada gratuita, no contexto e com a intenção com que a utilizo aqui...] relativamente à previsibilidade dessa "morte": como reconverter-se a fim de acompanhar essa circunstância em que a realidade se deforma drástica e sobretudo significadamente e modos completamente novos de lidar com ela se tornam, por isso, imperativos.
Ora, a verdade é que, sem ser de uma perspectiva imediatamente profissional e até corporativa, digamos assim, o que José Vítor Malheiros diz---o conteúdo do seu depoimento, a essência do seu testemunho---ao contrário de angústia parece poder sobretudo despertar esperança e optimismo.
Porque é, aparentemente, de uma "prise du pouvoir" directa que o artigo fala.
Desde há muito que um dos males básicos, primários, das sociedades ditas "de consumo" [a que, eu próprio, por razões que detalho noutros lugares, prefiro designar por expressões como "de endocolonialismo secundário" consiste, precisamente, no modo como as sociedades humanas aceitaram prescindir [negociar conm as formas do respectivo poder económico e político] as modalidades de acesso cognitivo à realidade e, com elas, a possibilidade efectiva de a transformarem, como preconizava Marx.
Há muito que, pondo a questão de outro modo, as sociedades "endocoliniais sdecundárias" tinham aceitado negociar com o poder ou poderes políticos que aceitam e reconhecem a propriedade dos meios de produção de representações estáveis da realidade---a propriedade do próprio Conhecimento e com esta a do Conhecer.
É neste sentido que se pode dizer que a expressão política institucional adequada deste modo de aceder ao real, a chamada democracia representativa, configura, wem si mersma, tal como se apresenta hoje, primariamente um meio de ancorar [para não dizer: acorrentar...] a História a si própria impedindo-a de se deslocar e, por conseguinte, de ser verdadeiramente uma História.
Assim sendo, pareceria mais ou menos claro que um "medium" que elidisse um dos diversos "intermediátrios" ou "revendedores de realidade" dos muitos que o endocolonialismo comporta e de que ele é feito, mais do que qualquer 'angústia'; em vez de angústia, devesse gerar, como atrás digo, optimismop e expectativas risonhas de "libertação da sociedade" de uma das peias institucionais que sobre ela actuam, hoje.
Ora, eu creio, sinceramente, que pensar assim seria aceitar protagionizar um novo equívoco semelhante àquele que consiste em pensar que há democracia numa sociedade [como a portuguesa de hoje, por exemplo] pelo simples facto de nela existirem eleições e um parlamento.
Eleições e um parlamento [como a Internet] constituem "alfaias ou instrumentos de democraticidade", não a própria democraticidade.
Existir uma Internet que compete com as formas tradicionais de "mediaticidade" não significa, só por si, que aquela que é a grande característica [e o principal problema!] das societações pós-modernas---a inorganicidade---seja automaticamente resolvido.
As "societações" de hoje são societações in/essencialmente inorgânicas: tornaram-se inorgânicas quando aceitaram negociar com o poder, consigo mesmas e com a própria História também o conceito de 'Estado consciência' que constituía o suporte e o específico filosófico mesmos da ideia civilizacional de Estado-nação.
Hoje, com efeito, as sociedasdes não apenas se tornaram estável e topicamente incapazes de auto-representar-se reconhecivelmente num Estado [numa... "estaticidade"] que seja o depositário ou a depositária de um conjunto de valores nos quais a comunidade se reveja como, sobretudo, assentaram ou deixaram que passsasse a assentar nessa recusa todo um modelo dito "civilizacional" onde ela passou absurda e disfuncional---suicidariamente, diria eu...---a "valor".
Eu tenho, devo dizer, da "natureza da realidade", em termos filosóficos genéricos, amplos mas também, simultaneamente específicos [não há qualquer contradição ou paradoxo nesta formulação, juro!...]; eu tenho, dizia, dessa possível e filosófica "natureza do real" a ideia de que a sua "explicação" e o fundamento de tudo quanto existe se acha na dissipação de que ele é concretação e o próprio curso.
Tudo no real se explica pelo modo como se acha materialmente forçado a dissipar-se e a des-integrar-se continuamente.
As sociedades pós-modernas e a "Pós-modernidade" em geral mais não são do que expressões organizacionais da dissipação.
O grande problema é que as sociedades de hoje deixaram de ser capazes de transformar a percepção da natureza instável e naturalmente in-fixa da realidade enquanto idea, enquanto imagem filosófica e crítica ou "criticional" de si, num modo de lidar com a própria des-integração, de transformá-la em Conhecimwento e reinvesti-la pontualmente nos paradigmas estáveis e tópicos de vivê-la.
Angústia?
Sim mas dessa natureza [ou desse "estádio"] inorgânico do pensamento a que teremos chegado como "civilização" e que não nos dá grandes esperanças de durabilidade, isto é, de futuro para a própria História...

sexta-feira, 23 de abril de 2010

"Doce Manuela"


No Dia Mundial do Livro, uma sugestão de literatura brasileira: "Doce Manuela" de Júlio José Chievenato.
Empolgante, irresistível e arrebatadoramente sincero.
Definitivamente, uma descoberta a fazer.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

"In Memorian..."


... de Vasco Gonçalves, o companheiro Vasco, que tanto quis dar ao País em dignidade e direitos e que ele tão pouco soube merecer!

Para que ao menos a sua memória de seriedade e profunda generosidade e, sobretudo, a sua admirável [e quase solitária!] lição de convicção no sentido de dignidade individual e colectiva da Pátria não se perca---já que a sua obra de regeneração histórica, social, moral e política da sociedade portuguesa, uns traíram e outros simplesmente desbarataram, dela já hoje muito restando.

É preciso acreditar!


"25 de Abril"


Numa altura em que "os outros" gastaram já as palavras todas que lhe pertenciam de direito [com as palavras "Revolução", "Democracia" e "Liberdade" à cabeça] para aviltá-lo e traí-lo, vale a pena recordar toda a arrepiante pureza e digna sobriedade que caracterizam as que marcam o próprio instante fundador da Liberdade no Portugal moderno: por muito breve e malogrado que tenha sido o sonho, valerá, com certeza, a pena evocá-lo aqui, comovidamente, por uma vez livre dos implantes grotescos de "democracia", "participação" e "liberdade" que, a curto prazo, viriam, não apenas irremediavelmente maculá-lo como, pior ainda, ocupar abusivamente o espaço que por brevíssimos momentos foi de todos nós, portugueses e, por fim, apropriar-se mesmo tão vil quanto cobardemente dele...

http://www.youtube.com/watch?v=FUMQ8N9zQNg

[Na imagem: desenho de João Abel Manta ilustrativo da Aliança Povo-MFA na qual assentou o breve período de laboratório social e político que mediou entre 25 de Abril de 1974 e 25 de Novembro de 1975]

terça-feira, 20 de abril de 2010

"Fleeting Mood..."

... today.
So, what else is not news?

"Daily Bleeding Horoscope!..."


Estranhíssimo, perturbador, desconcertante horóscopo, o meu de hoje...
Se eu fosse 'de crer em horóscopos' [mais do que o "average, common man", quero eu dizer] teria hoje ficado sem palavras...

"You need to move beyond your current weird emotional baggage---it's not helping you, that's for sure! It's a really good time to walk away from bad situations, even if you're somewhat uncertain".

"Walk away from bad situations"!
Yes, but... When can you be really sure the situation you are in is a bad or a good one?
There comes a time when you can't say for sure any more which is which and that is for sure...


Oh well...

"Soldier Blue"

"Soldier Blue": shadows of love and guilt...

Lyrics of "Soldier Blue" song as written and sung by Buffy St. Marie

I look out and I see a land
Young and lovely hard and strong
For 50,000 years we've danced her praises
Prayed our thanks and we've just begun
Yes, yes
This this is my country
Young and growing
free and flowing
sea to sea
Yes this is my country
Ripe and bearing miracles
in every pond and tree
Her spirit walks the high country
giving free wild samples
and setting an example how to give

Yes this is my country
Retching and turning
She's like a baby learning how to live.
I can stand upon a hill at dawn
look all around me
Feel her surround me
Soldier Blue
Can't you see her life has just begun?
It's beating inside us
Telling us she's here to guide us.
Ooo Soldier Blue, Soldier Blue
Can't you see that there's another way to love her?

[SOLDIER BLUE, Buffy Sainte-Marie © Gypsy Boy Music-SOCAN
I wrote this song as the title theme for the movie "Soldier Blue" and it became a hit in Europe, Japan and Canada during the summer of 1971. But the movie disappeared from U.S. theatres real fast, so few Americans are familiar with it. As there's a difference between love and rape, the same differences exist in how one views their country. "Soldier Blue" is not about loving one's "nation state"; it's about loving the natural environment in which all nations are related as children of the Sacred. Chris Birkett plays guitar. ]


http://www.youtube.com/watch?v=vmzAuOUwpyw

http://www.youtube.com/watch?v=vmzAuOUwpyw

domingo, 18 de abril de 2010

"Cinema Português? Pois..."


Debatível [no bom e até noutro, menos bom, esse!...] sentido, a proposta apresentada, hoje, no "Público" sobre o fomento a fazer pelo Estado do cinema [ou da cinematografia] portuguesas [Cf. António Ferreira e Miguel Rosa, "Carta aberta à ministra da Cultura a propósito do cinema"].

Não se questiona, obviamente, o princípio básico de que fazer cinema para... ninguém como acontece, de forma óbvia, hoje, em Portugal, retira substância e sentido ao próprio cinema que se faz.

Retira, aliás, sentido ao Cinema tout court pelo que esse outro princípio adiantado no artigo António Ferreira e Miguel Rosa de que sejam, para efeitos de subsidiação futura da produção, considerados sempre padrões estáveis de equilíbrio entre subsídiação e previsível sustentabilidade financeira aparece, à primeira vista, pelo menos, como algo de claro e até indiscutível.

Na verdade, a meu ver, a questão não é assim tão evidente nem fácil.

O grande problema do Cinema [como da Literatura, da Música ou da Pintura em Portugal é basicamebnte um problema de qualidade do público.

É, por outras palavras, uma questão de [i] literacia e de Educação.

Eu iria até mais longe aom ponto de dizer que até nem é difícil fazer espectáculos populares de cinema entre nós.

La Féria fá-los no Teatro e Rodrigues dos Santos ou outro qualquer do mesmo nível fá-lo na escrita.

O teatro que La Féria faz esgota meses a fio, os livros de Rodrigues dos Santos [ou Sousa Tavares ou Rebelo Pinto] vendem-se como saquinhos de pipocas.

A TVI atinge valores de [permitam-me que cunhe um palavrão fácil de usar] "espectação" impressionantes e, no entanto...

E, no entanto...

Vejamos: o problema não é chegar ao público: é o próprio público.

Eu diria, aliás, que, tirando obviamente um ou outro caso , mais ou menos claro de equívoco de vocação, aquilo que, a prazo tem de mudar em Portugal como condição básica para que haja Cinema com maiúscula, não são os realizadores---év om público.

O nível de literacia e de exigência do público.

Enquanto o público for este, o único "cinema" que pode aspirar a ter retorno é a "telenovela albardada", tipo "Casos da Vida" e quejandos.

É isso que o público quer e é isso que ele está disposto a pagar para ver: o "cómico" "à Fernando Mendes", o musical "à Dança Comigo" ou "à Ídolos", o "dramático" "à TVI", em geral.

O que quer dizer que qualquer paradigma básico de subsidiação que parta do estabelecimento de uma equação subsídio-previsão de retorno não rompe qualquer círculo vicioso há muito instalado nem contribui para resolver o que quer que seja de essencial no problema do cinema em Portugal.

Portugal onde há muito falta uma verdadeira e consistente política educativa que não se consegue com contabilistas e verdadeiros monos sem qualidade travestidos à pressa de pedagogos do género de Marias do Carmos Seabra ou Marias de Lurdes Rodrigues ou até, [começo cada vez mais a suspeitar] de Isabéis Alçadas.

Falta uma política de cultura articulada, consistente, crdedível e integrada com a de Educação---que não há e nunca terá havido de '74 para cá; uma política de cultura, com objectivos definidos, periodicamente avaliados por gente que saiba realmente o que está a fazer e por que exactas razões o faz.

Falta um projecto para o País que, ciclicamente entregue a punhado "selectos" de oportunistas e carreiristas sem nível, vegeta entre falsos programas invariavelmente inconsistentes e eternamente por cumprir, invariavelmente, também, de curto prazo, ao sabor, muitas vezes, de "europas" muito pouco interessadas na sua própria periferia meridional ou de leste, incapazes de competir, enquanto sociedades, tirando meia dúzia de grandes capitalistas já com outras ambições e perspectivas, com os grandes interesses centralizados em Bruxelas ou Estrasburgo para os quais se fez realmente a tal "europa" do que muitos falam e muitos mais ainda nunca viram ou chegarão alguma vez a ver.

A única hipótese de se criar um cinema em Portugal é projectar consistemente criá-lo, criando, de passo, um público, como disse.

Mas, para que esse público seja criado, é preciso inventar praticamente do nada um país.

Um país que se interesse por francamente mais do que as "tertúlias cor-de-rosa" e os "big brothers" com que se lembrem de "alimentá-lo" diária e, sobretudo, exauastivamente.

Como se pode pretender ver nascer um Cinema a partir de um "mercado" como o do audiovisual actual português de onde se pretende eliminar a televisão dita "do Estado" que nunca foi de Estado algum a não ser do estado miserável a que chegou o país e a que chegaram as suas elites?

Uma televisão do Estado desempenha um papel verdadeiramente essencial, crucial, vital [o que quiserem!] na formação das audiências.

Uma televisão verdadeiramente de Estado, isto é, autenticamente pública e nacional, não está por definição [e por assunção com reflexo imediato e consistente na programação] interessada em concorrer com os mercados: o seu papel é outro, completamente distinto---é o de formar públicos com programas de qualidade e uma gestão de conteúdos que não seja um mero pretexto para justicar cargos de conselho de administração e... arredores.

Compreende-se uma televisão do Estado sem um único programa de e sobre música clássica?

Sem um único sobre e de Teatro?

Sobre e de Pintura?

Que incorpore---e descarte---programas ao sabor de audiências cujos vícios, longa e solidamente instalados, em vez de combater, exactamente ao contrário, lisongeia e cultiva com borracheiras verdadeiramente inenarráveis como os "Preços Certos" e/ou os "Só Vistos"?

Quando se olha à volta do deprimente universo da "política" nacional e se constata como "a única alternativa" à esterilidade e aridez "socráticas" é um tal Passos Coelho que já anunciou a sua intenção de privatizar a RTP como acreditar que o cinema se torne efectiva viabilidade [já nem digo: realidade; digo já apenas pouco ambiciosamente: viabilidade]?

Com cultura e políticas "culturais" "de merceeiro" que o país nunca deixou de ter com Santanas Lopes e similares, como acreditar que algo possa mudar numa área que, pura e simplesmente, como ideia, nem sequer na verdade, existe?

Indexar a subsiidiação a critérios de mercado?

Como dizia um antigo professor primário dos meus pais: "Só por troça, meus amigos, só por troça"!...


[Na imagem: fotograma de "Veredas" de João César Monteiro]

"Um Humorista Português Esquecido" [Incompleto/por rever]


Estou cada vez mais rendido ao novo humor português!

Delicio-me com o "humour" subtilmente "neo-harakirisard" dos gatos, com o humor-cacetada dos "Homens da luta", com as crónicas "em falso negro" do irrepetível Pulido Valente!

Esse, então, enche-me, por completo, as medidas.

Muita gente não percebe o finíssimo humor desse novo Eça "com vista para Telheiras"

[Um amigo meu, discípulo pós-moderno do falecido Pacheco, um dos tais que infelizmente não consegue distinguir o subtilíssimo "neo-sternismo crítico" por baixo da prosa falsamente negra do grande humorista---a quem acusa de "suburbanidade mental crónica" e "chiadismo verbal sem eira nem beira"---costuma dizer-me, a propósito: "Aquilo com o tal Valente é uma estucha imensa---e um invariável dejà-vu: a gente com as crónicas do Valente, começa sempre bem, com uma ideia boa mas, mal nos descuidamos, já estamos no infalível 'Trás! Pás! Pim! Telheiras"...

"Ou Trás! Pás! Lumiar"---apresso-me a acrescentar eu por instintivo pudor verbal...

Pois, hoje, o Valente [que já aqui "há atrasado" como diz o outro] se tinha posto em "bicos dos pés verbais" para tomar uma espécie de [sarcástica, só pode ser!] defesa de um tal Bento Não-sei-quantos e da empresa que este dirige contra uns quantos neo-luteranos e anti-cristos profissionais que se lembraram de se "faire enculer" por padres em diversas sacristias por esse mundo fora apenas para comprometeem o bom nome da multinacional respeitada e com clientela [por acaso bem selecta!] em todo o mundo que o tal Bento dirige; pois, hoje, dizia, o tal Valente voltou à carga com o seu afiadíssimo humor de "subinglês com batata a murro", agora para chamar jacobinos e iluministas-com-aspas aos desgraçados cujos traseiros gozaram do debatível privilégio de acordar a padralhal cobiça.

Implicitamente a esses[cujos direitos chuta despreocupadamente para canto---para o corner salvador de um limbo argumentativo qualquer: aquilo é mais rabo, menos rabo, como dizem os violadores---os de facto e os em-espírito---daqueles e daquelas que uns e outros, afinal, à vez, vão violando: "Ora! Alguma coisa eles fizeram para acontecer «aquilo»!..."] e de forma expressa aos que contra o indefensável e doentiamente sempre obstinadamente mantido "apartheid de género" que dura na empresa há não sei quantos séculos [e que é, obviamente, a mola real por trás da generalizada rebaixaria e do multicontinental abuso] se vêm insurgindo, denodadamente, um após outro.

Desta feita, porém, vai mais longe---e aduz: a imutabilidade da igreja perante questões algumas delas objectivamente inargumentáveis como a homossexualidade e/ou o celibato e a ordenação de mulheres", não possuindo, embora, qualquer hipótese intelectual ou até "apenas" eticamente considerável e até humanamente respeitável, digna, de serem, hoje-por-hoje, argumentadas [isso, pelos vistos, não "interessa nada agora", como dizia uma inutilidade pública conhecidíssima] são, afinal, um traço da sensatez táctica e até, se calhar [tudo na prosa do humorista o permite concluir] da maioridade estratégica de uma Igreja que, segundo ele, está condenada a sobreviver apenas na condição de permanecer atrasada, medieval, discrimatória e, numa palavra, obscurantista e bronca, como até aqui!

"Qualquer fraqueza", acrescenta o grande humorista com característico sarcasmo, "a trransformará numa instituição vulgar e mais não sei quê não sei que mais".

Claro que reconhecer às mulheres o mesmo direito que aos homens [a alguns porque aos gays... "está de chuva", como diz um sobrinhito meu adolescente] é "mera fraqueza"; claro que reconhecer a duas pessoas que descobrem, a dado passo das suas vidas, que não querem viver mais tempo juntas apenas porque um dia cometeram o erro de casar uma com a outra a liberdade de tomarem em mãos a gestão digna, autónoma e responsável do resto das suas vidas é "fraqueza" e claro que reconhecer que não compete a ninguém, instituição ou pessoa, exercer a mínima [e impensável] tutela na forma de um monstruosamente intrusivo e tirânico "direito" a determinar as formas estritas e estreitas da intimidade de cada um é outra "fraqueza" a que a empresa não pode permitir-se.

E assim sendo [que me desculpem os meus amigos menos dados às coisas do desporto pela imagética escolhida!]: pontapé para a frente e fé---em Deus, claro!

Em Deus que [está bom de ver!] só pode mesmo é rever-se na discriminação, na repressão---na estupidez pura e simples---transformada em estratégia para lidar com o inevitável.

Em expediente para fingir que o inevitável é opção, estratégia e/ou desígnio.


[Imagem extraída, com a devida vénia, de ?]

sábado, 17 de abril de 2010

"No Domingo, Fui a um dos Mais Populares Jardins da Celeste de que Há Memória..." [texto em construção]


Imperativos de ordem familiar, completamente alheios à minha vontade colocaram-me há uma semana, de modo imprevisto, no que chamo o Centro 'Comercial' de Belém.

Onde, por opção e natural desconfiança, nunca tinha ido, de resto.

O centro em causa é uma espécie de... Filile La Féria da arquitectura: feito deliberadamente "pour épater le bourgeois" é de "bourgeois" que ele se alimenta e, pelos vistos, lautamente.

Desde que entrei até que pude finalmente sair, devo ter visto mais desses "bourgeois" do que até aí ou do que espero ainda ver, no futuro, enquanto "por cá" andar.

Enquanto tive de ali permanecer, fui matando o tempo tentando categoriar os "bourgeois", arrumá-los por "famílias", criar uma espécie de taxonomia tentativa de clãs "bourgeois" que me permitisse perceber um pouco melhor o país em que nasci e em que tenho de viver o resto dos meus dias.

E assim, encontrei: os "bourgeois" que pura e simplesmente não têm meios para não ir cair ali.

Estão-se borrifando para a "componente museológica" da coisa.

São, muitos deles, os parolos que ouviram dizer que, em Paris, por exemplo, uma tal "juventude", fracêsmente parola reforçada com alguns japoneses e alemães de importação, se reúne à volta do Louvre ou nas margens do Sena e decidiu que, não havendo por cá Louvre nem Sena, "aquilo" dava um Louvre sensacional---bastante, pelo menos, para quem mora no Lambert ou em Telheiras.

Estão por ali, estiraçados, ocupados a tentar perceber exactamente o que fazem ali, completamente incapazes de distinguir um Da Vinci de uma Joana Vasconcellos [mas também quem quer distinguir um Da Vinci de uma Joana Vasconcellos, não é?...]

Há, depois, os intelectuais de Linda-a-Velha: esses, se lhes disserem que um Da Vinci não se distingue de uma Joana Vasconcellos acreditam imediatamente e começam, de pronto, a preparar-se para divulgar a boa nova lá no escritório.

São a versão pop da velha aristocracia e da um pouco mais recente "bourgeoisie compradore" da Florença dos Médici, por exemplo, de que o impagável [sob muitos aspectos, literalmente, aliás...] Joe Berardo opera como uma espécie de versão "com batatas e grelos" que é o máximo a que o 'Portugal cultural' de Cavaco a Sócrates pode aspirar em matéria de mecenato cultural e artístico.

O Centro Comercial de Belém é, assim, diria eu, a decorrência natural e até inevitável do triunfo burguês---ou da compra da História pela burguesia, formalizada com as Revolução Francesa.

O "formalismo completamente branco e liso", árido, o completo vazio de verdadeiras ideias da sua "in/estética lata de sopa" ou "caixa de ferramentas"; o "barroco solúvel" da sua linearidade insuportavelmente impertinente, maçadora e viciosamente retórica, atarantada e deprimente para além que é toleravel; é, diria eu, o "escape formal" inevitável, obtido por esgotamento, do Art Nouveau [uma corrente artística com o manifesto "teórico" escrito por um grupo de armazenistas de bacalhau seco enriquecidos numa guerra qualquer e a imagem plástica obtida por saturação formal dos últimos vestígios do "achatamento estratégico" prévio de toda a Arte anterior].

Quando se acabaram as formas para "colar artisticamente" a partir da ideia que de colagem faz um catálogo de "grand magasin" recorreu-se à ausência ou vazio assim obtido para prolongar o embuste de uma "arte burguesa".

Daí, nasceu o tal "Centro"---o Versailles natural de um Cavaco, hoje-por-hoje, o Trianon à medida de um Sócrates.

Com frequentador à médio à dimensão mental e intelectual de ambos.

Claro que os "Centros" deste tipo [com a sua carrada de Joanas Vasconcellos no ciclópicos porões de alvenaria] interessam culturalmente---e apenas interessam culturalmente---enquanto houver Bretons e Deschamps e até Cesarinnys [o grupo que faltava refrir, os verdadeiros cultores e/ou apreciadores de Arte com maiúscula] para os denunciar [leia-se: para os transformar em sarcasmo e, se possível, como fez Duchamp, em urinol]---e tentar "dar alguma ordem à casa cultural de todos nós" a partir dessa verdadeira obra de misericórdia que é embirra solenemente com "aquilo" não se coibir de afirmá-lo publicamente e desse acto de cultura que é o de aplicar escatologia com critério e pontaria nos queixos da vulgaridade e do embuste que a "coisa" é.

Desgraçadamente, o último Cesarinny que tínhamos morreu já o que explica que, à falta de gente séria, os mictórios se tenham já convertido realmente em Arte, na forma de garrafões de ferro forjado ou colchas não-sei-de-onde.

No fundo, se calhar, quem tem razão é mesmo o "Centro" [como sucederá talvez, pela mesmo ordem de razões, com essas aterradoras Amoreiras ou com o inenarrável "souflflé" de argamassa cor de burro quando foge que muita gente finge acreditar ser um edifício apresentável que calhou em desgraça às avenidas novass, junto a Entrecampos, obra de um tal Taveira a quem o Estado se fosse ainda mimnimamente social e compassiivo devia pagar era para estar quieto e não fazer nada].

No fundo, se calhar, é.

Ou é, pelo menos, o melhor e mais eficaz meio de documentar o estado de perigosa catalepsia mental, cultural e artística a que, como povo, chegámos.

"Da dinâmica em «árvore associacional» como modo de expressão natural da psique: um caso"


Uma frase que não me sai da cabeça desde madrugada, vem do filme "Executive Action": "Gee! You've just told me whom we're gonna kill!"
Profere-a um assassino ["assassin"] profissional a quem, no filme de David Miller, é encomendada a tarefa de organizar o atentado mortal a Kennedy.

O filme é interessantíssimo, devo dizer.

O argumento é de Dalton Trumbo, um dos proscritos de Hollywood, vítimas do tenebroso [mas não inédito nem de outro modo, excepcional na vida norte-americana, note-se!] período do maccarthyismo e lida de um modo invulgarmente sério e intencional com os "dessous" do[chamemos-lhe...] singularíssimo mundo da "política" norte-americana, sempre, de um modo ou de outro, a meio caminho entre a retórica eufónica mas balofa e o crime, puro e simples. [1]

Creio que ele me ocorre num sentido simbólico pessoal distintamente freudiano em "report" reconhecível a um fundo real que julgo saber qual seja e que não se me afigura, de resto, em última análise, muito difícil de idetificar.
De realizar sim mas isso...
Que é que é, afinal, fácil, na vida?...

Evoco aqui a frase---o conteudo latente da ideia---e a probabilidade muito forte de ele se reportar a esse outro conteúdo muito mais estável e profundo porque este tipo de circunstância imediatamente subconsciente atesta o modo como, no fundo, a identidade em abstracto se constrói e define em formas concretas de natureza histórica muito precisa.

No meu caso, é, designadamente, o Cinema que fornece ao substracto psíquico e identitário profundo grande parte das formas concretas pelas quais ele se expressa ou procura subtilmente expressar-se, como no caso em epígrafe.

Neste, com efeito, a ideia de "já descobri quem tenho de matar" [como referi o assassino do filme profere-a quando perante as quantias e o connunto de contrapartidas absolutamente exorbitantes que lhe são oferecidas deduz a identidade da sua própria prospectiva vítima, que até aí nunca lhe é expressamente identificada]; note-se, dizia, como esta frase contém claramente a ideia de uma súbita "revelação" ["realization"], a ideia de algo que se tornou bruscamente claro e até, num certo sentido possível, imperativo, envolvendo uma deliberação mais ou menos expressa ["I'm going to"] [2] induzindo, por seu turno, um estado de espírito de subtil alívio: "percebi!""Finalmente, vejo claro!"

Muito do que Freud afirmou [sobretudo a quase absoluta certeza com quem, por vezes o fez] podem ter de algum modo datado muitas das geniais intuições que produziu.

Não serei eu que não tenho formação académica na área das ciências da psique a pessoa naturalmente indicada para atestá-lo.

Creio, ainda assim, que o essencial de certos mecanismos formacionais senão mesmo "construcionais" associados à emergência de uma "Arquitectura" [e até de uma "engenharia"] específica[s] para o Eu permanecem, no todo, actuais e bastará, por vezes, uma atenta observação da nossa própria erxperiência mental tal como ela surge em casos muito concretos para documentá-lo.


NOTAS

[1] Ainda não há muito, a revista "Tabu" incluía uma reportagem... "domingueira" sobre a vida sexual deste mesmo Kennedy onde, citando Cormac O' Brien e "Secret Lives of U.S. Presidents" se falava na "partilha" de uma amante , Judith Campbell-Exner por Kennedy e... Sam Giancana, um "mobster" de origem italiana que, ainda segundo as mesmas fontes [e cito] "terá sido [ele a] conseguir os votos extra que JFK precisava para vencer no estado do Illinois...


[2] Em boa verdade, ignoro se é essa a formulçação exacta do diálogo de Trumbo.

É, em todo o caso, assim que ela me surge [de uma forma, aliás, quase obsessiva!] na consciência; que ela se me vem formando, há horas [não descarto a possibilidade de ela possuir mesmo origem onírica efectiva] instintivamente na boca.

Literalmente, na boca, quasse sem a mediação das formas de controlo e deliberação conscientes associadas à organização formal do discurso.

De notar, também que não a formulo exactamente para alguém fora de mim, exterior a mim, mas antes atribuindo-lhe [ou vendo-lhe atribuída...] aquela natureza final, terminal e quase... excrementícia que a Maria do Céu Guerra discordava mas que eu ciontinuo cada vez mais persuadido de que possuísse a linguagem em Beckett...

Boa parte dela, em todo o caso.


[Na imagem: fotograma do filme "Executive Action" de David Miller, expressamente citado na presente "entrada" do "Quisto"]

"Verdadeiramente inimaginável..."


... a aterrador o que está a acontecer aqui ao lado em Espanha, com o Juíz Baltasar Garzón!

Espanha nunca foi capaz de enterrar os mortos da sua recente Guerra Civil.

É natural, numa guerra para mais ainda tão recente.

Num certo sentido [sempre potencialmente desestabilizador e por isso perigoso, concedo] é até bom que tal nunca chegue a acontecer.

Quando, com efeito, alguma consequência subjectiva, individual mas também colectiva, histórica, do ódio não sobrevive ao próprio ódio o resultado é invariavelmente o regresso, a prazo, deste e é nesse sentido preciso que falo da necessidade cultu[r]al, civilizacional de interromper algures o trabalho de enterrar os mortos a fim de que alguns deles permaneçam como monumento mas, sobretudo, como memória de si mesmos e da Morte em geral.

Não em abstracto---em geral.

Eu sempre disse, no caso concreto da Guerra Civil espanhola que num sentido moral profundo a República nunca deixou de ser o governo legítimo espanhol.

Foi deposta---foi assassinada!---num levantamento sesdicioso nunca verdadeiramente punido como a traição que é [ao país e à democracia] e foi o próprio usurpador quem, tendo-se apoderado do poder e do próprio país, escolheu a quem quis entregá-lo---e entregou-o naturalmente a quem melhor lhe convinha.

Neste sentido, repito, a República espanhola permanece ainda hoje como regime moralmente legítimo do país.

E enquanto aos criminosos democraticidas não for expressamente reconhecido o seu papel de tumor politica e historicamente maligno enquistado no seio da História de um país que dele, tumor, fez depender todo o curso ulterior da sua vida pública e política não poderá dizer-se que quanto ocorrer em Espanha neste âmbito destá limpo de mácula e é politicamente mas sobretudo ética e civilizacionalmente inatacável.

É aqui que entra Garzon e é aqui que entra o lado negro, sombrio; o lado viva la muerte y viva la abjección" espanhol que Garzon tentou limpar definitivamente, numa arrojada iniciativa sobretudo simbólica e sobretudo catártica e colectivamente redentora.

Que o não tenho podido fazer impressiona, assusta---e, acima de tudo, deslegitima e e envergonha toda uma sociedade, todo um país!

A mim, impressiona-me e assusta-me---mas felizmente não me envergonha porque hoje e sempre estarei com Garzón.

Contra o "viva la muerte" pelo "viva la civilización y la dignidad"!

"Do Pensar Dicotómico Enquanto Ponto-de-Vista Teórico Sobre a Realidade"


Sempre considerei, confesso, um certo paradigma mais ou menos corrente [e, admissivelmente, em muitos aspectos, 'instintivo'] de "pensar dicotómico" que encontro documentado nos mais diversos sectores das sociedades, desde o que terá, para muitos, oposto Shakespeare a Marlowe na Inglaterra isabelina àquele muito mais recente que forçava uma boa parte da classe média-baixa caracteristicamente embrutecida do anterior regime a "optar" entre uma certa Madalena Iglésias e uma certa Simone de Oliveira numa espécie de paródia ainda mais provinciana e bacoca da que obrigava a análogas "escolhas" entre divass operáticas, algumas "de mera importação" na não menos campónia e pós-rural Lisboa de Oiotocentos.

Sou, porém, devo dizer, um 'crente' na utilidade possivel deste mesmo modelo de pensar dicotómico, usado com critério e conservado sempre na estrita [e dinâmica] condição de perspectiva ou ponto-de-vista dialécticos [e] instrumentais, sobre a realidade.
Creio, como já por diversas vezes, tenho dito na natureza [e, inclusive, no fundamento, infixo e especificamente expansional] da realidade e acredito, por isso, que apenas modos permanente dinâmicos e, de igual modo, infixos de abordá-la dispõem de alguma possibilidade teórica de "percebê-la" e, seja para que efeito e com que profundidade for, posteriormente representá-la.

É, desta perspectiva tética de princípio, que sou, devo dizer... "picassista" e "anti-daliísta".

Conheço razoavelmente a obra de ambos os artistas Picasso e Dali; fiz, tanto quanto a carteira e o tempo mo permitiram, os "percusos" respectivos de Málaga a Paris, no caso de Picasso, envolvendo aventurosas peregrinações a Cadaquès e a Figueres, no de Dali, tenho, com a superficialidade relativa do mero amador, frequentemente---num caso como noutro, por muito estranho que, perante aquilo que disse, possa parecer...--- "embasbacado", admito [e assumo!] pontos-de-vista pessoais sobre o talento quer de um quer de outro e, no fim [de facto, no princípio!] tornei-me, então, "picassista".

Só que, como disse, me tornei dialecticamente "picassista", tal como tento sempre que seja dialéctico o modo cvomo me torno qualquer coisa.

Fascina-me [é o termo!] o surrealismo daliano!

"Un Chien Andalou", feito de---empolgante! Intelectual e cultu[r]almente gigantesca!---parceria com Buñuel é, para mim, uma referência cultural e aqui, também abertamente cultual, 'absoluta'---se o modo como topicamente penso o mundo tolera e integra "absolutos"; delicio-me [empolgo-me interiormente!] com a "estória" que dele se conta de que um dia terá, na apesar de tudo conservadoríssima Catalunha do século em que nasceu, ido com um grupo de amigos e amigas nadar nu nas águas do mar fronteiro a Cadaquès e que, afrontado pelo pai que, escandalizado, verberava a "orgia", se terá deliberadamernte masturbado e lançado o sémen à cara do pai dizendo qualquer coisa como: "Toma! Aí tens o que te devo! Agora sou livre!"

Conheço, de facto, poucos instantes simbolizadores de um grito interior de... "sublevação edípica", real ou mítica, factual ou premeditadamente inventada---para o caso... a ideia é tão dalianamente brilhante que a verdade é aqui, em definitivo, de tudo, o que menos interessa!---mais geniais e definitivos do que este.

Só que [e, por isso é que eu, no fim, opto sempre por se assumir como "dialecticamente picassista!"] de algum modo "Dali acaba aqui", precisamente, na ideia ou no papel de Dali.

Dali é, para mim, com efeito, muito mais isso mesmo: a ideia de um Dali, o projecto global de um Dali---servido embora por uma técnica soberba, magnífica!---do que propriamente um Dali.

Deste ponto-de-vista, ele goza, de resto, de um mérito verdadeiramente único: o de desafiar a cultura a existir, o de forçá-la mesmo a existir.

O de 'encostar a cultura às cordas' e... possibilitar os Picassos, criar as condições essenciais para que haja Picassos.

Os Picassos que são, no fundo, quanto Dali não conseguiu ser: "apenas e só" um [extraordinário] Artista.

Há, no "Musée Picasso" em Paris uma "escultura", uma cabeça de touro, feita com... um selim de bicicleta onde está, no fundo, todo o Picasso, todo o imenso artista, o visionário total, que é Picasso.

Picasso não "teve tempo nem feito" para interpelar e desafiar a Arte: foi Arte.

A sua cabeça, os seus olhos, eram a Arte---que de um e outro, no limite, não se distinguiam.

Não precisou de "encenar" o olhar estético: ele de/corria nastural e instintivamente do seu próprio olhar individual.

Dali era um homem estruturalmente desprovido de imaginação, sempre o considerei.

Teve a inestimável felicidade histórica, epocal, de apanhar pelo caminho um surrealismo que lhe permitiu "colar" directamente o imenso talento manual que possuía a uma criatividade enormemente imperfeita e francamente discutível.

O surrealismo possibilitou-lhe o reconhecimento e o triunfo utilizando simplesmente o delírio [por vezes---ao contrário da sua própria ideia de que ele seria estimulante e profanador---apenas desagradável] como um sucedâneo eficaz da imaginação de que, insisto, era completamente desprovido.


E no entanto...


E, no entanto, "se não fosse" Dali não seríamos, talvez, capazes de situar, equacionar, perspectivar, fruir em pleno, apreciar exactamente o verdadeiro, o genuíno talento artístico---de Picasso, desde logo, mas o próprio conceito de talento artístico.

Claro que, no limite, deste cada um de nós tem o seu próprio.

O que eu digo, porém, é que, próprio ou não, ele teria seguramente muito maior dificuldade em estabilizar-se apropriadamente em fixar-se [se é que coisa alguma, na realidade, se fixa ou, fixando-se, funciona a partir daí, adequadamente mas enfim...] sem esse tipo de cruzamento ou de exercício ideal de aferição dialéctica constante que a "oposição" entre Dali e Picasso, tal como a vejo, permite.

Dali tem, como digo, o grande mérito de ter sido dos últimos artistas europeus [a América, como se sabe, não existe...] a funcionar como "consciência"---estética mas, de igual modo [muito por absurdo, aliás!] ética de uma sociedade que, daí para cá, deixou desgraçadamente de possuir "indutores conscienciais", individuais e, sobretudo, colectivos [uma intelligentsia estável] própria e estável que a reflectissem e permitissem que ela, no fundo, se fosse [como dizer?] refractando continuamente a si própria e, refractando-se, desse modo, se fosse, afinal, possibiltando a si mesma, sempre ulteriormente.

Isto é, que ela permanecesse, nessa espécie de "jogo especular consciencial" verdadeiramente inestimável e, de mais de uma maneira, "cúmplice" que jogava com os seus artistas e intelectuais, orgânica.

Que é algo que "Cultura" deixou, talvez definitivamente, de ser até hoje.

A propósito desta "metamorfose da cultura" e da própria identidade eu costumo falar, julgo que com adequação e fundamento, de sociedades [ou "societações"] "da tradição" ou ainda "verticais" ["trickle-down societatations"] e "sociedades/societações horizontais" ou "shedding societations".

Não cabe agora aqui retomar detalhadamente tais conceitos [de matriz freudiana admissível: conceitos como os meus próprios de "estruturacionalidade e substanciação edípica" cunhados a partir de Freud são-lhe fácil---mas não "facilmente"...---aplicáveis]; cabe sim perceber o nexo primário, essencial, que existe em toda esta fenomenologia da dissipação ontológica e cultural chegando a ela como conceito teórico justamente a partir das respectivas circunstâncias incidentais mas, em caso algum, acidentais.

E essa é que é precisamente a questão: a questão é, à medida que o própruio real no seu todo se vai tornando "naturalmente inorgânico" que consigamos nós mesmos que o olhar se sobre ela lançamos não caia ele próprio na tentação de tornar-se inorgânico.


[Na imagem, Pablo Picasso, "Guitarra"]

sexta-feira, 16 de abril de 2010

"I Live One Day At A Time"

I live one day at a time
I dream one dream at a time
Yesterday's dead, and tomorrow is blind
And I live one day at a time.

Bet you're surprised to see me back at home,
You don't know how I miss you when you're gone
Don't ask how long I plan to stay
It never crossed my mind
'cause I live one day at a time.

I live one day at a time
I dream one dream at a time
Yesterday's dead, and tomorrow is blind
And I live one day at a time.

There's a swallow flyin' across a cloudy sky
Searchin' for a patch of sun so high
Don't ask how long I have to follow him,
Perhaps I won't in time
But I live one day at a time.

I live one day at a time
I dream one dream at a time
Yesterday's dead, and tomorrow is blind
And I live one day at a time.
And I live one day at a time.




[Na imagem: "Girl With Crossed Arms" por Loretta Lux]

quinta-feira, 15 de abril de 2010

segunda-feira, 12 de abril de 2010

"Um «sinal»?" [Texto em construção]


O "Público" de hoje inseria, a dada altura, uma notícia extremamente interessante que, discreta embora [e até aparentemente um pouco estranha, à primeira viata, bizarra mesmo] me chamou, de imediato, a atenção.

O título era---é: "Juízes aprendem a disparar para julgarem melhor".

Depois, a gente lê a notícia propriamente dita e descobre que os juízes que vão ter aulas de tiro, afinal, são apenas doze, as acções de formação resumem-se a três, cada uma delas de uma semana mas a questão até pode ser vista de um ângulo que ultrapasse---e muito---o plano da mera e simples artimética e vá situar-se no plano verdadeiramente crucial da perspectiva, do ponto de vista---teóricos ou epistemológicos, uma e outro.

No espírito.

As sociedades modernas [como, de resto, as pós-modernas] são sociedades onde a tecnologia que existe em suspensão na própria sociedade é qualquer coisa de literal e virtualmente inimaginável.

A forma e o conteúdob dos juízos que sobre a realidade proferimos têm inevitavelmente de ter sofrido e continuar a sofrer profundas deformações que radicam na nossa própria, muito distinta, capacidade para nos apropriarmos do conhecimento que deu ao origem a cada um dos objectos que nos rodeiam.

O modo estruturalmente des-igual como os meios de re/produção de tecnologia se acham social e politicamente distribuídos nas sociedades contemporâneas em geral deu origem a um fenómeno---senão mesmo, a toda uma fenomelogia---caracterizada basicamente por terem sido criadas, num meio onde paradioxalmente a tecnologia intervém e está presente em tudo ou quase tudo o que existe---formas e paradigmas completamente novos de agnosia e/ou iliteracia [a um autêntico "neo-totemismo"]; formas e paradigmas esses resultantes básica e precisamente da "totemização" dos objectos cujos princípios científicos desconhecemos, deles "conhecendo" apenas aparências" [ou, como lhes chamo muitas vezes: simples "aparencialidades funcionantes" completamente---vou dizer deste modo, de forma intencional---alienadas da respectiva estrutura causal].

A nova agnosia não se caracteriza tanto pelo deconhercimento objectivo da ciência [embora também a haja, claro!] mas muito mais, sobretudo nos centros de uma cultura estrutuiralmente urbana e/ou urbanizada pela mutação tópica sofrida pela própria ideia de "conhecer" que hoje tem já estavelmente muito menos a ver com a ideia de funcionamento global e orgânico da realidade [é o fenómeno comum da "morte da filosofia" que é, de facto, a morte do pensar filosófico quando não do próprio pensar tout court] do que com a de imaginar a realidade em termos genéricos como algo de des/estruturalmente granular e descontínuo, in/essencialmente desprovido de Tempo mas, de igual modo, de génese; algo que emerge na forma de objectos não necessariamente resultantes de leis e de sistemas de leis [físicas, químicas, eléctricas, etc.]; algo que é sobretudo a própria forma contendo funções que são o seu próprio fim sem passagem quer por uma reflexão orgânica, quer por uma génese específica; algo que se utiliza mas, sobretudo, algo que não escede ou não ultrapassa a sua própria aptidão "mágica" ou---lá está!: totémica, "totemizada"---para "deixar-se utilizar".

Algo cuja única "lei" é "deixar-se utilizar".

Esta nova agnosia revela bem o tipo de insuficiência cultu[r]al e política que está na base mesma; no cerne das sociedades ou das "societações" modernas e pós-modernas---a que noutro lugar chamo também "endo-coloniais" por uma série de razões que na ocasião expus e que prendem exactamente com o modo estável, tópico mesmo, de utilizar politicamente o saber.

A prazo, derivando, por um lado do modo específico, concreto, como os indivíduos se apropriam [ou não, no caso das classes menos favorecidas] dos 'meios de produção social' de saber; por outro, da extrema complexidade dos próprios saberes como tal [que conduz a formas profundamente especializadas de perícia---tão especializadas que exclui, de facto, o conhecimento das restantes; a prazo, dizia, a própria agnosia se complexifica e "especializa" ela própria---há um paradoxo evidente no processo: quanto mais sei, menos sei]; a prazo, dizia, a agnosia que começou por existir fora do saber, retorna sobre ele, contamina-o, desfunciona-o inevitavelmente, volto a dizer: a prazo.

Porque, de facto, eu "não sei" [voltando ao conteúdo da notícia do "Público"] e/ou o meu saber revela-se estrutural---epistemologicamente!---inútil [in-útil] se apenas "sei Direito", por muito Direito que eu "saiba".

E quanto mais eu "souber", menos espaço tenho para outros saberes sobre os quais e relativamente aos quais o Direito devia operar ganhando aí afinal a sua verdadeira substância.

Mais: ao especializar-se ulteriormente, o Direito tendo a autonomizar-se ou "alienar-se" da sua própria utilidade começando, no limite, a actuar como um saber em si, desligado da sua verdadeira função que é interagir com um grande número de outros sabveres pasra os quais deixou de ter "espaço" e "tempo.

Não tem, obviamente, de forma necessária, de ser assim.

É-o porque a pragmatização ou funcionalização obsessdiva das sociedades, rejeitando por razões topicamente "pragmáticas", a organização de um olhar "puramente" filosófico sobre si própria conduziu, de forma inevitável, à desorganicização do mundo mas mais: à desorganicização do olhar ou olhares "de episteme" sobre ele lançados, no presente mas, sobretudo, na forma já de toda uma "civilização" ou "civilizacionalidade" , no futuro.

É por isso que eu saúdo de uma forma especial a tentativa agora feita de conferir expressão e conteúdo [eu diria: mais ou menos simbolicamente] social ao Direito, reaproximando o olhar epistemeoforme próprio dele dos restantes.

É uma 'coisa' in/essencialmente "simbólica'?

Admissivelmente.

Mas, pelo menos, há alguém que parece preocupar-se com estas coisas---o que talvez possa ser visto como um sinal.


[Imagem extraída com a devida vénia de pingodepapo-dot-wordpress-dot-com]