Ontem, surpreendia-me eu aqui com uma inesperada situação de conformidade entre Vasco Pulido Valente e eu próprio.
Hoje, porém, tudo voltou, de forma inteiramente natural, à normalidade que é como quem diz à total discordância entre nós.
É talvez conveniente recordar, antes de precisar um pouco melhor as formas que assume essa naturalíssima e, provavelmente, instintiva discordância entre nós, que um dos grandes recursos do pirotécnico arsenal dos "comentadores" como Pulido Valente é a "novidade": o tráfico [perfeitamente legal, é preciso dizer] de "novidades".
"Novidezas", talvez fosse mais indicado dizer porque a verdade é que comentador algum se celebrizou propriamente até hoje, que eu saiba, por apresentar e dar a conhecer factos novos: o que eles, tão invariável quanto topicamente, trazem consigo, nessa espécie de saltitante "lancheira ideológica" ou cabazinho da Branca de Neve [pseudo] intelectual que são as páginas e páginas de jornais que infatigavelmente vão, dia-a-dia, enchendo para gáudio perfeitamente alarve da "maior cidade do País" que é a Suburbânia; [a sua... "farda de trabalho"] são as "novidezas", isto é, modos aparentemente novos [obrigatoriamente "geniais", é um dos pressupostos incontornáveis do ofício...] de empinar análises e/ou... dispor no terreno da liça ["comentar" é, no fundo, o 4X3X3 ou o 5X3X2X1 da minuciosa exegese de... coisa nenhuma, nada mais]; de baralhar-e-tornar-a-dar uma realidade política completamente esgotada e hoje-por-hoje também já virtualmente incapaz de auto-regeneração.
Pois, hoje, Pulido Valente [a quem o esforço diário de espremer as meninges para sacar dali alguma coisa que pareça minimamente original deve ter reduzido drasticamente o campo de manobra para ser mais uma vez "fulgurante" e "genial"] violou essa regra de ouro que é o ser capaz de sugerir a semelhança de, pelo menos uma parte, do que se escreve com uma ou mesmo várias ideias e dignou-se vir a público [e ao "Público"] apenas para reciclar velhas banalidades envolvendo [adivinharam!] a "maioria absoluta" que é suposto ser essencial a fim de regenerar um País que, de tanto correr para lado nenhum, caíu já há muito para o lado e não se vê como haverá de levantar-se outra vez, sem recurso a um "desfibrilhador ideológico" aplicado... por todo o corpo e a santa aliança da direita... consigo própria [na forma de um acordo entre essas "alegres comadres de Windsor"---essas duas velhas rameiras meio-cadavéricas que são o P.S.D e o C.D.S., uma aliança que---imagine-se até onde foi, desta vez, o delírio!---Sá Carneiro patrocinou e, diz ele... "ninguém se queixou" [!].
Pelo meio ficou um clássico absoluto do humor político nacional: aquele "gag" do partido ou partidos "de poder" que "se não governa[m] não vivem em paz por muito tempo [que fica sempre bem "meter pelo meio" para justificar a rebaldaria e a cúpida mal-disfarçada impaciência dos que na fila do pão dos pobres que é o poder político num país como Portugal, esperam a sua vez de ser aviados] e por aí adiante.
Ora, a mim assusta-me pensar que, quando entre nós, são referidas "elites", é "disto" que, na realidade, estamos a falar, ou seja, de virtualmente... coisa nenhuma!
É verdade que só os "commuters" da Quinta do Lambert ou de Telheiras---esse braço armado da "lumpen classe média" nativa---tem pachorra para ler o que Pulido Valente regularmente debita [vamos ser brutais: tem estômago para o "mau hálito ideológico e analítico" do bom homem] ouve os Não-sei-quantos-Barroso na SIC e não se ri a bandeiras despregadas com as geniais imitações de Jerry Lewis da última fase de Marcelo Rebelo de Sousa ou ainda com a pesporrência trauliteira, o fogo-de-artifácio argumentativo, invariavelmente oco, de Sousa Tavares.
"Gente séria" afasta-se discretamente de todos eles mas, ainda assim, nem que procuremos muito, encontramos vida para além destes e mais meia-dúzia do mesmo quilate o que significa que, se temos mesmo, como país, de ir para o fundo a falar [a pensar já é pedir demais...] terá de ser com estes que são a coisa mais parecida com vida inteligente que foi possível enconttrar, depois, repito, de rebuscar muito.
Depois de virar muitas pedras.
E é precisamente isso, volto a dizer, que, a mim pessoalmente, me apavora.
Que quando o país tenta encenar uma reflexão sobre si próprio e escolhe o elenco, esteja limitado, com sua licença ... "àquilo".
Eu não sou malcriado de todo, acho: se fosse, diria: é assustador pensar que sempre que o País se põe com ar de estar a reflectir o mais que consegue produzir são ruidosos "puns argumentativos" como aquele dos partidos "de poder", das "alianças entre nada e o próprio nada" e por aí fora.
Ora, por detrás daquilo está, ainda e sempre, a fatalidade nacional na forma de projecto ou mesmo vago programa: não se muda nada na fossa, troca-se-lhe o guarda.
Desloca-se um pouco para um dos lados [qualquer serve] a casota que este deve habitar.
Pode ser que alguém acredite quer isso foi "mudar".
Aquilo em que sinceramente penso que já ninguém acredita mesmo é que isto seja pensar: isto é apenass e só meter as ideias da semana ou até do mês passados [os "leftovers" vagamente conceptuais que encontrámos por acaso esquecidos no frigorífico das convicções por trás da banha rançosa dos conceitos vazios] no microondas da vulgaridade a ver se por milagre dali sai qualquer coisa que se coma ...
Qualquer coisa que, como naqueles velhos filmes do "Charló", finja ser o jantar: se ninguém se convencer, ao menos pode ser que alguém se ria e já não se há-de perder tudo...
É isto, o Portugal de hoje: oiçam lá e se a gente morresse todos para fingir que estávamos vivos até aqui?
Ham? Que dizem?
[Imagem da Net]
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