Imperativos de ordem familiar, completamente alheios à minha vontade colocaram-me há uma semana, de modo imprevisto, no que chamo o Centro 'Comercial' de Belém.
Onde, por opção e natural desconfiança, nunca tinha ido, de resto.
O centro em causa é uma espécie de... Filile La Féria da arquitectura: feito deliberadamente "pour épater le bourgeois" é de "bourgeois" que ele se alimenta e, pelos vistos, lautamente.
Desde que entrei até que pude finalmente sair, devo ter visto mais desses "bourgeois" do que até aí ou do que espero ainda ver, no futuro, enquanto "por cá" andar.
Enquanto tive de ali permanecer, fui matando o tempo tentando categoriar os "bourgeois", arrumá-los por "famílias", criar uma espécie de taxonomia tentativa de clãs "bourgeois" que me permitisse perceber um pouco melhor o país em que nasci e em que tenho de viver o resto dos meus dias.
E assim, encontrei: os "bourgeois" que pura e simplesmente não têm meios para não ir cair ali.
Estão-se borrifando para a "componente museológica" da coisa.
São, muitos deles, os parolos que ouviram dizer que, em Paris, por exemplo, uma tal "juventude", fracêsmente parola reforçada com alguns japoneses e alemães de importação, se reúne à volta do Louvre ou nas margens do Sena e decidiu que, não havendo por cá Louvre nem Sena, "aquilo" dava um Louvre sensacional---bastante, pelo menos, para quem mora no Lambert ou em Telheiras.
Estão por ali, estiraçados, ocupados a tentar perceber exactamente o que fazem ali, completamente incapazes de distinguir um Da Vinci de uma Joana Vasconcellos [mas também quem quer distinguir um Da Vinci de uma Joana Vasconcellos, não é?...]
Há, depois, os intelectuais de Linda-a-Velha: esses, se lhes disserem que um Da Vinci não se distingue de uma Joana Vasconcellos acreditam imediatamente e começam, de pronto, a preparar-se para divulgar a boa nova lá no escritório.
São a versão pop da velha aristocracia e da um pouco mais recente "bourgeoisie compradore" da Florença dos Médici, por exemplo, de que o impagável [sob muitos aspectos, literalmente, aliás...] Joe Berardo opera como uma espécie de versão "com batatas e grelos" que é o máximo a que o 'Portugal cultural' de Cavaco a Sócrates pode aspirar em matéria de mecenato cultural e artístico.
O Centro Comercial de Belém é, assim, diria eu, a decorrência natural e até inevitável do triunfo burguês---ou da compra da História pela burguesia, formalizada com as Revolução Francesa.
O "formalismo completamente branco e liso", árido, o completo vazio de verdadeiras ideias da sua "in/estética lata de sopa" ou "caixa de ferramentas"; o "barroco solúvel" da sua linearidade insuportavelmente impertinente, maçadora e viciosamente retórica, atarantada e deprimente para além que é toleravel; é, diria eu, o "escape formal" inevitável, obtido por esgotamento, do Art Nouveau [uma corrente artística com o manifesto "teórico" escrito por um grupo de armazenistas de bacalhau seco enriquecidos numa guerra qualquer e a imagem plástica obtida por saturação formal dos últimos vestígios do "achatamento estratégico" prévio de toda a Arte anterior].
Quando se acabaram as formas para "colar artisticamente" a partir da ideia que de colagem faz um catálogo de "grand magasin" recorreu-se à ausência ou vazio assim obtido para prolongar o embuste de uma "arte burguesa".
Daí, nasceu o tal "Centro"---o Versailles natural de um Cavaco, hoje-por-hoje, o Trianon à medida de um Sócrates.
Com frequentador à médio à dimensão mental e intelectual de ambos.
Claro que os "Centros" deste tipo [com a sua carrada de Joanas Vasconcellos no ciclópicos porões de alvenaria] interessam culturalmente---e apenas interessam culturalmente---enquanto houver Bretons e Deschamps e até Cesarinnys [o grupo que faltava refrir, os verdadeiros cultores e/ou apreciadores de Arte com maiúscula] para os denunciar [leia-se: para os transformar em sarcasmo e, se possível, como fez Duchamp, em urinol]---e tentar "dar alguma ordem à casa cultural de todos nós" a partir dessa verdadeira obra de misericórdia que é embirra solenemente com "aquilo" não se coibir de afirmá-lo publicamente e desse acto de cultura que é o de aplicar escatologia com critério e pontaria nos queixos da vulgaridade e do embuste que a "coisa" é.
Desgraçadamente, o último Cesarinny que tínhamos morreu já o que explica que, à falta de gente séria, os mictórios se tenham já convertido realmente em Arte, na forma de garrafões de ferro forjado ou colchas não-sei-de-onde.
No fundo, se calhar, quem tem razão é mesmo o "Centro" [como sucederá talvez, pela mesmo ordem de razões, com essas aterradoras Amoreiras ou com o inenarrável "souflflé" de argamassa cor de burro quando foge que muita gente finge acreditar ser um edifício apresentável que calhou em desgraça às avenidas novass, junto a Entrecampos, obra de um tal Taveira a quem o Estado se fosse ainda mimnimamente social e compassiivo devia pagar era para estar quieto e não fazer nada].
No fundo, se calhar, é.
Ou é, pelo menos, o melhor e mais eficaz meio de documentar o estado de perigosa catalepsia mental, cultural e artística a que, como povo, chegámos.
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