domingo, 18 de abril de 2010

"Cinema Português? Pois..."


Debatível [no bom e até noutro, menos bom, esse!...] sentido, a proposta apresentada, hoje, no "Público" sobre o fomento a fazer pelo Estado do cinema [ou da cinematografia] portuguesas [Cf. António Ferreira e Miguel Rosa, "Carta aberta à ministra da Cultura a propósito do cinema"].

Não se questiona, obviamente, o princípio básico de que fazer cinema para... ninguém como acontece, de forma óbvia, hoje, em Portugal, retira substância e sentido ao próprio cinema que se faz.

Retira, aliás, sentido ao Cinema tout court pelo que esse outro princípio adiantado no artigo António Ferreira e Miguel Rosa de que sejam, para efeitos de subsidiação futura da produção, considerados sempre padrões estáveis de equilíbrio entre subsídiação e previsível sustentabilidade financeira aparece, à primeira vista, pelo menos, como algo de claro e até indiscutível.

Na verdade, a meu ver, a questão não é assim tão evidente nem fácil.

O grande problema do Cinema [como da Literatura, da Música ou da Pintura em Portugal é basicamebnte um problema de qualidade do público.

É, por outras palavras, uma questão de [i] literacia e de Educação.

Eu iria até mais longe aom ponto de dizer que até nem é difícil fazer espectáculos populares de cinema entre nós.

La Féria fá-los no Teatro e Rodrigues dos Santos ou outro qualquer do mesmo nível fá-lo na escrita.

O teatro que La Féria faz esgota meses a fio, os livros de Rodrigues dos Santos [ou Sousa Tavares ou Rebelo Pinto] vendem-se como saquinhos de pipocas.

A TVI atinge valores de [permitam-me que cunhe um palavrão fácil de usar] "espectação" impressionantes e, no entanto...

E, no entanto...

Vejamos: o problema não é chegar ao público: é o próprio público.

Eu diria, aliás, que, tirando obviamente um ou outro caso , mais ou menos claro de equívoco de vocação, aquilo que, a prazo tem de mudar em Portugal como condição básica para que haja Cinema com maiúscula, não são os realizadores---év om público.

O nível de literacia e de exigência do público.

Enquanto o público for este, o único "cinema" que pode aspirar a ter retorno é a "telenovela albardada", tipo "Casos da Vida" e quejandos.

É isso que o público quer e é isso que ele está disposto a pagar para ver: o "cómico" "à Fernando Mendes", o musical "à Dança Comigo" ou "à Ídolos", o "dramático" "à TVI", em geral.

O que quer dizer que qualquer paradigma básico de subsidiação que parta do estabelecimento de uma equação subsídio-previsão de retorno não rompe qualquer círculo vicioso há muito instalado nem contribui para resolver o que quer que seja de essencial no problema do cinema em Portugal.

Portugal onde há muito falta uma verdadeira e consistente política educativa que não se consegue com contabilistas e verdadeiros monos sem qualidade travestidos à pressa de pedagogos do género de Marias do Carmos Seabra ou Marias de Lurdes Rodrigues ou até, [começo cada vez mais a suspeitar] de Isabéis Alçadas.

Falta uma política de cultura articulada, consistente, crdedível e integrada com a de Educação---que não há e nunca terá havido de '74 para cá; uma política de cultura, com objectivos definidos, periodicamente avaliados por gente que saiba realmente o que está a fazer e por que exactas razões o faz.

Falta um projecto para o País que, ciclicamente entregue a punhado "selectos" de oportunistas e carreiristas sem nível, vegeta entre falsos programas invariavelmente inconsistentes e eternamente por cumprir, invariavelmente, também, de curto prazo, ao sabor, muitas vezes, de "europas" muito pouco interessadas na sua própria periferia meridional ou de leste, incapazes de competir, enquanto sociedades, tirando meia dúzia de grandes capitalistas já com outras ambições e perspectivas, com os grandes interesses centralizados em Bruxelas ou Estrasburgo para os quais se fez realmente a tal "europa" do que muitos falam e muitos mais ainda nunca viram ou chegarão alguma vez a ver.

A única hipótese de se criar um cinema em Portugal é projectar consistemente criá-lo, criando, de passo, um público, como disse.

Mas, para que esse público seja criado, é preciso inventar praticamente do nada um país.

Um país que se interesse por francamente mais do que as "tertúlias cor-de-rosa" e os "big brothers" com que se lembrem de "alimentá-lo" diária e, sobretudo, exauastivamente.

Como se pode pretender ver nascer um Cinema a partir de um "mercado" como o do audiovisual actual português de onde se pretende eliminar a televisão dita "do Estado" que nunca foi de Estado algum a não ser do estado miserável a que chegou o país e a que chegaram as suas elites?

Uma televisão do Estado desempenha um papel verdadeiramente essencial, crucial, vital [o que quiserem!] na formação das audiências.

Uma televisão verdadeiramente de Estado, isto é, autenticamente pública e nacional, não está por definição [e por assunção com reflexo imediato e consistente na programação] interessada em concorrer com os mercados: o seu papel é outro, completamente distinto---é o de formar públicos com programas de qualidade e uma gestão de conteúdos que não seja um mero pretexto para justicar cargos de conselho de administração e... arredores.

Compreende-se uma televisão do Estado sem um único programa de e sobre música clássica?

Sem um único sobre e de Teatro?

Sobre e de Pintura?

Que incorpore---e descarte---programas ao sabor de audiências cujos vícios, longa e solidamente instalados, em vez de combater, exactamente ao contrário, lisongeia e cultiva com borracheiras verdadeiramente inenarráveis como os "Preços Certos" e/ou os "Só Vistos"?

Quando se olha à volta do deprimente universo da "política" nacional e se constata como "a única alternativa" à esterilidade e aridez "socráticas" é um tal Passos Coelho que já anunciou a sua intenção de privatizar a RTP como acreditar que o cinema se torne efectiva viabilidade [já nem digo: realidade; digo já apenas pouco ambiciosamente: viabilidade]?

Com cultura e políticas "culturais" "de merceeiro" que o país nunca deixou de ter com Santanas Lopes e similares, como acreditar que algo possa mudar numa área que, pura e simplesmente, como ideia, nem sequer na verdade, existe?

Indexar a subsiidiação a critérios de mercado?

Como dizia um antigo professor primário dos meus pais: "Só por troça, meus amigos, só por troça"!...


[Na imagem: fotograma de "Veredas" de João César Monteiro]

1 comentário:

Gonçalo disse...

Pessoalmente tenho dúvidas de que aquilo que dá na televisão pública e também nas outras seja realmente o que a maioria dos espectadores quer ver. O problema é que com a overdose de telenovelas e programas Pop como esses que refere no texto, perdeu-se praticamente o espírito crítico que deveria haver em relação à programação.É o problema de só existir o que se vê ou o que se mete na frente dos olhos, ainda não se tentou exibir por exemplo em lugar dos "Idolos" um programa de música ligeira ou clássica embora no caso da televisão pública haja o Canal 2 e a RTP Memória que têem grelhas mais direccionadas para a Cultura, embora ache que sobretudo o Canal 2 já viveu melhores dias nesse aspecto.

Quanto ao Cinema: de facto não se pode esperar que o Estado ajude um certo filme na expectativa de este vir a gerar uma receita considerável. Também o Cinema na minha modesta opinião está fragmentado no Cinema Comercial feito para as massas e claramente superior na rentabilidade,obtendo-se fenómenos de bilheteira como "Jaime" ou "O crime do padre Amaro" e o Cinema de Autor com o seu traço característico, a sua "personalidade"., tendo este em vista um nicho de mercado específico e muito mais reduzido no número de espectadores, com o seu público fiel, não se podendo exigir que dirigindo-se esse Cinema a um número previamente delimitado de público, não tenho dúvidas disso, se possa obter um retorno de X que vá viabilizar um investimento subsidiado de Y.O apoio do Estado tem de estar sim relacionado com a qualidade do filme, com o contributo que dá ao fomento da Cultura e não pode estar dependente do valor de receita que creio,não variará muito de filme para filme.Se o filme é bom e as pessoas não vão a culpa não é do filme...
João César Monteiro com o episódio "Branca de neve" conseguiu com a sua saudável irreverência pôr a opinião pública a falar do Cinema português, melhor que ninguém conseguiu captar durante algum tempo a devida atenção que o problema merece.

Abraço
Gonçalo