terça-feira, 27 de abril de 2010

"Seven Brides for Seven Brothers"


Já aqui falei dele, no "Quisto": "Seven Brides for Seven Brothers", um quasi-western musical, cinematograficamente simpático aliás, vagamente inspirado pelo mítico episódio do rapto das sabinas.

Uma ligação ao passado clátssico, aliás, com o seu inegável interesse cultural e antropológico: trata-se, num caso como noutro, de discorrer sobre---ficcionando-as e convertendo-as numa espécie de património identitário pop---as origens de uma identidade colectiva, especificamente sobre a procura dessa identidade numa sociedade inorgânica que obviamente até pelo modo como surgiu a não tem.

É um 'western sem índios' [aspecto possivelmente relevante este "empochement" da "questão índia", algo que Freud poderia seguramente explicar num plano mais profundo, neste caso como, de resto, em diversos outros...] um "western" que fala sobre uma sociedade nascente começada do zero e assim purificada do longo "genocídio fundador" sobre o qual na realidade assenta.

É também [é um outro ânguilo de abordagem e de análise potencialmente fecundo] um discurso sobre o papel fundador da sexualidade e sobre o modo como uma cultura estruturalmente puritana e prudencialmente "simbolizadora" como a que se constituíu na América do Norte com a colonização europeia lida com a questão do sexo.

Está longe de ser um modelo original [o paradigma global de sublimação presente, por exemplo, na atitude cavalheiresca medieval expressa na "chanson d' amour" provençal, desde logo, obedece a um padrão representacional de natureza projeccional/sublimacional em muitos aspectos afim deste] mas contribui para veicular uma visão "significada" da sexualidade que, em meu entender, explica o modo como aionda hoje ela é inserida no conjunto mais básico e/ou mais elemental de representações cultu[r]ais feitas sobre ela, a partir de ela e com ela.

Nestas, com efeito, a sexualidade deixou de ser expressa [ou mesmo apenas implicitamente aceite] como uma realidade autónoma, fruível em si e por si, naturalmente aceite como um atributo e um património experiencial completamente independente [como uma... "gastronomia de certos sentidos"] desligada de uma funcionalidade 'legitimadora' de que opera sempre como "refém cultu[r]al", ainda hoje.

É curioso observar como a "pureza" e a "franqueza" [quase brutal, vista retrospectivamente] com que as sociedades primitivas lidaram com a sexualidade [algo de que a estatuária nos fornece, como é sabido, um testemunho eloquente] à medida que as sociedades humanas se foram sedentarizando foi dando lugar a um património estável de representações subtilmente valorizadoras da componente repressional e auto-repressional sobre a qual obrigatororiamente os mecaniusmos de fixação e possibilitação colectiva, social, têm inevitavelmente de assentar e que passam a dado passo a figurar no próprio tecido básico, primário, dessas mesmas representações.

Num certo sentido [e lido num certo sentido o filme documenta-o] a cultura ou as culturas humanas passaram a ser uma espécie de "gramática cifrada da auto-mutilação" em cujo centro se encontra a "mudança de estado epistemológico" dessas pequenas mortes que são a base da própria sociação e que, de imposição externa acabariam por passar finalmente a "valor".


Em anexo a letra daquela que, para mim, é a mais bela canção do filme, cantada por um Howard Keel que foi, a dado momento, a escolha de Hollywood para o papel de cantor simultaneamente bem dotado em termos vocais e com uma presença física imediatamente atraente que um Mário Lanza [que num certo momento chegou a aspirar a ocupar o "lugar"] manifestamente não possuía.



BLESS YOUR BEAUTIFUL HIDE

(Gene de Paul / Johnny Mercer)

Howard Keel


Bless your beautiful hide,
wherever you may be
We ain't met yet but I'm a-willing to bet
You're the gal for me

Bless your beautiful hide
You're just as good as lost
I don't know your name
but I'm a-stakin' my claim
Lest your eyes is crossed
Oh, I'd swap my gun
and I'd swap my mule
Though whoever took it would be one big fool
Or pay your way through cookin' school
If'n you would say I Do

Bless your beautiful hide,
prepare to bend your knee
And take that vow
'cause I'm a-tellin' you now
You're the gal for me
Pretty and trim but kinda slim
Heavenly eyes but, oh, that size
She's gotta be right to be the bride for me

Bless your beautiful hide,
wherever you may be
Pretty and trim but not too slim
Heavenly eyes and just the right size
Simple and sweet, and sassy as can be!

Bless her beautiful hide
Yes, she's the gal for me


2 comentários:

Ezul disse...

Recordo-me bem desse filme que é, com efeito, o género que agradava a todas as mães de família. Um actor que encarna um herói bem parecido, honesto e trabalhador, cheio de intenções sérias e capaz de concretizar o grande sonho de qualquer mãe: ver a filha (com tão bom feitio e muito prendada) “arrumada” e muito dedicada às lides domésticas, ainda que para isso tenha de tratar de um bando de marmanjos. O rapto das rapariguitas propicia a volúpia de uma sexualidade insinuada, prudentemente bem comportada, não faltando sequer a exigência de reparação da honra das jovens pela imposição do casamento. Uma rapaziada absolutamente casta,ou com uma actividade sexual bem formatada, como convinha, e era a tarde de cinema perfeita!
Em contraste, penso no belíssimo filme de Lars Von Trier: As Ondas de Paixão, e na atitude de uma rapariga que ousa viver a paixão e a sexualidade sem as sujeitar aos parâmetros que lhe foram impostos por uma comunidade profundamente religiosa, conservadora e desapaixonada e, por tudo isso, profundamente insensível e intolerante.
:)

Carlos Machado Acabado disse...

Interessantíssima abordagem, Ezul!
O que diz sobre uma púdica e prudentíssima pretextualização/funcionalização puritana da sexualidade aqui, de um modo ou de outro, expressa coincide exactamente com o meu próprio ponto de vista, na matéria e é um dado muito relevante na cultura ocidental, de um e de outro lado do Atlântico.
Essa tragédia da "repressão possibilitante" convertida num padrão moral abstracto e, nesse sentido, alienado explica muito do que foi o século XX, primeiro, freudiano e depois, wilhelm-reichiano e até languiano, para não ir mais longe e referir apenas marcos absolutamente incontornáveis.
Muito estimulante, também, o confronto que estabelece com outras perspectivas cultural e cultualmente mais... subversoras como as que o Dogma [e o contraditório mas quase sempre interessante Lars von Trier dentro dele, até dado momento] comportava.
Muito interessante essa perspectiva dialectizante que é, também, sempre, de um modo ou de outro, ao menos como intenção e projecto teórico lato, a do "Quisto".
:-)